Terra à vista!

Terra à vista!

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Em território de Trump, 6/01 bate o Natal e não é pela invasão do Capitólio

18º03'N, 66º29'O
Casa e Museu dos Santos Reis
Juana Díaz, Porto Rico (território dos Estados Unidos)

O noticiário político deu tanta atenção à data em que ocorreu a invasão do Capitólio, em Washington, que aquele bisonho episódio de atentado à democracia americana às vezes é simplesmente chamado de o "Seis de Janeiro". Pobres Reis Magos.

Nos países onde a data é mais celebrada, no entanto, o aniversário da invasão passa batido. Ninguém se lembra de Proud Boys, Three Percenters ou daquele "xamã" chifrudo, porque Seis de Janeiro é dia de Melchior, Gaspar e Baltazar.

Isso é ainda mais verdade em Porto Rico. A ilha caribenha, que é um território americano mas cujos habitantes não têm direito a voto nos Estados Unidos, é um dos vários exemplos latino-americanos de popularidade do dia dos Reis Magos. Em algumas cidades, a data é ainda mais querida que o Natal.

É o caso de Juana Díaz. Localizada no sul da ilha, ela irradia as tradições da Epifania por toda Porto Rico.

Que lugar é esse?

Reza a lenda que Juana Díaz era uma dama do século 16 que, em 1582, herdou de seu defunto esposo uma área de 4 hectares em um povoado perto do rio Jacaguas. Mesmo não sendo formalmente proprietária do local, porque mulheres não tinham esse direito, ela era tratada como tal e assim acabou dando-lhe seu nome.

Outra teoria diz que Juana Díaz era uma mulher escravizada que ali morreu após levar uma surra. Não se sabe ao certo.

Continua após a publicidade

A documentação, em todo caso, diz que, até 1798, o povoado se chamava Cidade De Jacagua, em homenagem a Jacaguax, um cacique local. Naquele ano, os espanhóis fundaram ali a cidade colonial de Juana Díaz.

As celebrações de 6 de janeiro começaram no fim do século 19, por meio do trabalho de um padre chamado Valentín Echevarria. Ele organizou as procissões e os trabalhos musicais.

Foto antiga de Juana Diaz, Puerto Rico
Foto antiga de Juana Diaz, Puerto Rico Imagem: Getty Images

No princípio, eram só três homens trajados como os personagens caminhando pelas ruas até chegar à igreja e depositar presentes aos pés do menino Jesus. Com o tempo, a celebração cresceu.

Essa pequena cidade rural atrai visitantes da capital, San Juan, e de outras partes da ilha. A festa começa já na véspera, a partir de 14h, com apresentações musicais na praça e entrega de caixinhas às crianças, para que elas as forrem com grama fresca e as deixem debaixo da cama (ou em algum lugar fácil de encontrar).

Na manhã seguinte, Dia de Reis propriamente dito, a molecada corre até as caixas logo que acorda para ver o que ganhou. A grama sumiu como mágica, e em seu lugar apareceu um presente.

Continua após a publicidade

Nesse caso, a grama cumpre papel semelhante ao dos biscoitinhos para o Papai Noel. É uma oferenda, aceita de bom grado pelos cavalos dos Reis Magos - sim, cavalos. Sabe como é, ficaria estranho eles andarem a camelo no Caribe.

Tradicionalmente, são presentes simples, lembrancinhas, para lembrar a humildade em que Jesus nasceu, segundo a tradição. Nada daquela gastança desenfreada embalada sob a árvore de Natal.

Durante a manhã, ocorre a procissão dos Reis Magos, seguida de uma encenação teatral do episódio. Meio-dia é hora da missa com o bispo, depois tem shows e festa na praça até a noite. Por isso, Juana Díaz é chamada de "Belém de Porto Rico".

A tradição se manifesta também, como não podia deixar de ser, no artesanato e na culinária locais. A festa é decorada com peças de madeira e cerâmica representando os Reis Magos (sempre a cavalo). Para comer, tem a combinação porto-riquenha de arroz com feijão (arroz con gandules) e tembleque (um tipo de pudim de coco). No bar, coquito, o drinque local (com rum, leite condensado e canela) e pitorro, o destilado nacional, à base de cana-de-açúcar.

Desde 2004, toda essa cultura em torno da data está preservada na Casa e Museu dos Santos Reis. Além das coleções dedicadas aos Magos, há exposições temporárias. Na época festiva, o museu é o centro do festival, mas no resto do ano ele recebe outros tipos de eventos.

Uma esticada a Juana Díaz no feriado é também uma oportunidade para conhecer outras atrações do entorno. A mais conhecida é o Salto de los Colores, uma cachoeira gélida em janeiro - isso porque, mesmo que seja um inverno bastante ameno, janeiro é o mês mais frio em Porto Rico.

Continua após a publicidade

Há ainda a Caverna Lucera. Bom programa para os fãs da espeleologia e também de arqueologia, pois há petróglifos esculpidos pelos taínos, o povo indígena que habitava Porto Rico e outras ilhas do Caribe até a chegada dos europeus.

Porto Rico virou notícia na reta final da eleição americana por causa das piadas cometidas por um humorista em um comício de Donald Trump. Na ocasião, o sujeito falou isto: "Não sei se vocês sabem, mas existe uma ilha flutuante de lixo no meio do oceano chamada Porto Rico."

Houve comentaristas políticos que acreditaram que essa declaração sacramentaria a derrota de Trump, pois os eleitores latinos e simpatizantes não votariam em alguém que endossasse tal piada (por mais que sua equipe tenha dito que o discurso do comediante não refletia o pensamento do candidato). Como sabemos, não foi o que rolou.

Quatro anos após a invasão do Capitólio, Trump está de volta. Porto Rico continua sendo um território não incorporado, um status inferior ao dos 50 estados americanos, e seus habitantes continuam sem poder votar para presidente.

Seis de janeiro, em Porto Rico, é Dia de Reis.

Continua após a publicidade

Índice de posts da coluna Terra à Vista:

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.