Filé à Oswaldo Aranha: como um gaúcho deu vida ao prato típico carioca
Quando o Rio de Janeiro ainda era capital do Brasil e reunia gente importante de todo o país, lá pelos anos 1930, é bem provável que o advogado Oswaldo Aranha nem sonhasse que, um dia, seria lembrado não apenas pela sua grande contribuição política, como se tornaria referência na gastronomia carioca.
Nascido em Alegrete, cidade a 500 quilômetros da capital sul-rio-grandense Porto Alegre, Oswaldo Aranha foi ministro da Fazenda no governo Getúlio Vargas e acumulou no currículo experiências como deputado, embaixador e diplomata, tendo forte atuação na Revolução de 30, como comenta Rodrigo Rainha, historiador, professor de História e gestor nacional dos cursos de licenciaturas da Estácio.
Aranha, que faleceu em 1960, chegou a ser o delegado brasileiro na Assembleia Geral da ONU de 1947, ocasião que levou à criação de Israel. "Isso não era algo pequeno. Mostrava o peso e o papel que ele teve ao longo desse momento para o país", observa o professor.
Referências políticas à parte, os hábitos à mesa do Rio Grande do Sul - estado desde sempre associado a um generoso e suculento naco de carne - foram mantidos por Oswaldo Aranha quando ele trocou o sul pelo sudeste.
E foi no (atualmente) boêmio bairro da Lapa, onde a turma do governo se encontrava para almoçar, que a vida do gaúcho se encontrou com a tradição gastronômica do Rio de Janeiro, cidade que comemora hoje, 1º de março, 455 anos de fundação.
Cozinha de botequim
Há quem questione o fato, mas foi no Cosmopolita, um restaurante em atividade na capital fluminense desde 1926, que o cobiçado Filé à Oswaldo Aranha foi "oficializado". "Era um lugar que ele frequentava muito, chamado, inclusive, de Senadinho", comenta Maurício Lopes, professor de técnicas de cozinha do curso de gastronomia da Universidade Mackenzie.
Ali, no centrinho antigo carioca, o político costumava repetir o pedido do prato com tanta frequência que os garçons já solicitavam o preparo à cozinha assim que o importante freguês punha os pés à porta do restaurante.
Alho nem sempre presente
Hoje um prato emblemático da cozinha de botequim carioca - que há tempos derrubou as barreiras geográficas e é servido em todo o país -, o Filé à Oswaldo Aranha é uma combinação harmoniosa entre um bife alto de filé-mignon, com cobertura de alho torradinho, mais farofa à base de farinha de mandioca, arroz e batatas portuguesas - preferencialmente misturando tudo na hora de ser consumido.
"É feito com uma peça grande de filé-mignon, com mais de 300 gramas de carne, quase um chateaubriand. Na versão original, era servido na própria frigideira em que era preparado, porque Oswaldo Aranha gostava de misturar o arroz e a farofa nesse caldinho que ficava na frigideira", detalha Maurício.
Com tantas décadas de existência, é claro que o prato já passou por muitas adaptações e segue ganhando releituras sucessivas - como as que você pode conferir logo abaixo. Até com picanha ele é feito!
A verdade, porém, é que mesmo a versão mais tradicional já não segue a estrutura daquela que o político gaúcho costumava se deliciar nos almoços bem-servidos.
"A história diz que ele, sendo gaúcho, não gostava de filé-mignon; preferia carnes mais saborosas, como alcatra e contrafilé. Conta-se também, até pela família, que ele nem gostava de alho, adicional que surgiu depois, graças ao apelo muito forte do alho nos bares do Rio", continua o professor da Mackenzie.
Verdade ou não, é impossível imaginar o Filé à Oswaldo Aranha sem o crocantinho frito por cima da carne, tradicionalmente regada com a manteiga em que são fritos o filé e o próprio alho, na preparação original.
A carne perfeita para o filé também perfeito
Maurício lembra que o filé-mignon não era tão abundante antigamente quanto é hoje. "Enquanto não acabasse toda a carne que havia no açougue, não chegavam novas. E o filé-mignon, que era mais macio, saía mais rápido, mesmo sendo mais cara. Adotar o mignon era uma forma de deixar o prato mais sofisticado", diz.
O corte segue valorizada nos dias atuais e a escolha adequada de uma boa peça reflete diretamente no resultado primoroso do prato. Então qual o segredo para escolher a melhor? Guilherme Guzela, chef da Tramontina, é quem explica.
"A escolha da carne é muito baseada no seu visual. As carnes à vácuo conservam bem o alimento em relação a possíveis contaminantes, mas escondem se a carne é realmente fresca - o que é identificado se estiver bem vermelha, sem contato com o suco da carne", detalha.
Aliás, não confunda suco com sangue. "O sangue corre nas veias do boi; esse suco é um suco protéico, que deixa as carnes suculentas", esclarece Guilherme, que prefere sempre optar pela peça inteira do mignon. "A melhor parte para grelhar é o meio do filé. A ponta e a cabeça são usadas para fazer um delicioso parmegiana ou iscas de filé", ensina.
Segredos de preparo
Para o prato que homenageia Oswaldo Aranha ser perfeito, Guilherme indica um filé de 1,5 kg a 1,7 kg. O fogo e o calor para o filé ficar irresistível não devem ser exagerados, para não queimá-lo, mas razoáveis o suficiente para que a carne não solte seu suco. "A frigideira não precisa estar saindo fumaça, mas deve estar bem quente, a ponto de o filé ser colocado nela e fazer um chiado alto", detalha.
Outro segredinho do chef: tirar a carne da geladeira de 20 a 30 minutos antes do preparo, evitando que esteja muito gelada. "Também uso a técnica de temperar apenas alguns minutos antes, para que não perca muita a suculência do filé", revela ele, que adota sal e pimenta como temperos básicos.
Na hora de grelhar, a dica é deixar um dos lados da carne de 4 a 5 minutos, até que forme uma crosta dourada, quando o processo deve ser repetido no outro lado. "Ao virar, acrescento manteiga, alho e uma erva aromática na frigideira para ajudar a dar sabor. Pode ser tomilho, alecrim, sálvia ou mesmo uma folha de louro", sugere Guilherme.
O chef também opta pela técnica clássica de regar o filé com a gordura que está na frigideira, o que ajuda a dar suculência e sabor. "Ainda ajusta o ponto da carne", afirma ele, que prefere frigideiras de inox com fundo triplo, por oferecerem maior controle de temperatura e distribuição do calor.
Ao gosto do freguês
Segundo a história gastronômica do Rio de Janeiro, o Filé à Oswaldo Aranha surgiu graças às recomendações que o próprio político fazia aos cozinheiros dos restaurantes que frequentava, orientando como preferia que o prato fosse servido. Até o hábito de misturar a farofa e o arroz no molho que se formava na frigideira na frente do freguês, como acontece em muitos lugares ainda hoje, vem da mania do político gaúcho.
"Este prato nasceu de uma sugestão do próprio Oswaldo Aranha e isto acontece muito em nosso ramo. Já criei muitos pratos por sugestão de clientes e, em muitas vezes, homenageei o cliente colocando seu nome no prato", revela a chef Malu Mello, nascida e criada na zona rural de Paty do Alferes, no interior fluminense, e que hoje presta consultoria para diversos restaurante e comanda eventos para até 2 mil pessoas.
Ela, aliás, é responsável por colocar o Filé à Oswaldo Aranha em vários cardápios, sobretudo cariocas. "Em alguns casos, era servido na companhia de molho de manteiga, ou então, com legumes grelhados, desvirtuando um pouco a receita original", comenta.
Apesar de simples, o modo de preparo da carne-ícone do Rio de Janeiro merece atenção. A seguir, apresentamos diferentes versões do prato, que é perfeito para a mesa deste domingo comemorativo.
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Filé à Oswaldo Aranha
A receita da chef carioca Malu Mello é prática. A combinação do filé-mignon bem preparadinho, mais farofa de ovos e batata portuguesa, forma quarteto perfeito com o arroz-branco. Leia mais
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Filé à Oswaldo Aranha com crosta de castanha e alho
Esta releitura do prato tipicamente carioca, de Guilherme Guzela, chef da Tramontina, é finalizada no forno. Traz uma tentadora crosta de alho combinado com castanha e é servido com alho confitado, arroz branco e farofa de bacon e ovos. Leia mais
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Filé à Oswaldo Aranha rápido
Para quem quer degustar o filé no dia a dia, mas não tem muito tempo para a cozinha, esta versão do prato, cedida pelo restaurante Divino Fogão, fica pronta em 20 minutos. Pode ser servida com arroz branco, farofa de preferência e batata-palha ou batata souté. Leia mais
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Filé à Oswaldo Aranha com alho assado
Nesta receita, cedida pela Água Doce Sabores do Brasil, o alho que costuma cobrir o filé é substituído pela versão assada. O prato ainda é combinado com farofa de ovos e batata. Leia mais
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