Julgamento de Paris: o evento que pôs os vinhos norte-americanos no mapa
Anna Fagundes
Do UOL
12/10/2017 04h00
Uma degustação às cegas, tratada como um assunto de Estado, foi capaz de abalar estruturas no mundo do vinho. Afinal, quem em sã consciência acreditaria que vinhos norte-americanos pudessem ser considerados melhores do que os tradicionais vinhos franceses?
E, no entanto, foi exatamente isso o que aconteceu no evento que ficou conhecido como o "Julgamento de Paris", ocorrido em maio de 1976, quando enólogos provaram rótulos franceses clássicos, mas deram pontuação maior para os concorrentes norte-americanos.
A história começa, ironicamente, não com um produtor norte-americano nem com um francês patriota, mas com um inglês apaixonado por vinhos, Steven Spurrier. Fundador da escola de vinho parisiense L’Academie du Vin, Spurrier aproveitou as celebrações do bicentenário da independência norte-americana para fazer uma degustação entre rótulos franceses de prestígio contra rótulos californianos que começavam a despontar no mercado.
O senso comum -- com um tanto de preconceito embutido -- dizia que os vinhos europeus eram os melhores do mundo - e os vinhos franceses, os melhores vinhos da Europa. Os vinhos da Califórnia, por sua vez, já começavam a se firmar no mercado, mas ainda não tinham atraído o interesse de compradores e da mídia especializada. Spurrier foi convencido por Patricia Gallagher, sua colega na Academie du Vin, a dar uma chance para os norte-americanos... E daí surgiu o desafio entre os dois países.
Um resultado improvável
A única "testemunha ocular" dos fatos foi o jornalista norte-americano George M. Taber, que registrou a história no livro "O Julgamento de Paris" (publicado no Brasil pela ed. Campus e fora de catálogo). Patricia Gallagher chegou a chamar os jornais franceses para cobrir o evento, mas não houve interesse das publicações.
Spurrier chamou nove enólogos respeitados na França e escolheu ele mesmo os vinhos californianos que participariam da degustação - todos vindos de vinícolas pequenas na região do Napa Valley. Para não dizerem que a degustação era injusta, Spurrier convenceu os nove jurados a provarem os vinhos participantes sem ver os rótulos e sem serem informados da procedência da bebida.
A ordem da degustação foi escolhida por sorteio, mas seguindo a tradição de servir vinhos brancos primeiros e tintos em seguida. E, para a surpresa de todos - inclusive do organizador do evento - três rótulos norte-americanos ficaram no topo da lista dos vinhos brancos... E um vinho tinto de Napa Valley, o Stag's Leap, foi considerado o melhor dos tintos, ganhando até mesmo de vinhos Bordeaux extremamente bem cotados.
Provas e contraprovas
George M. Taber publicou sua reportagem sobre a degustação na revista "Time", com o título "O Julgamento de Paris". A imprensa francesa classificou o resultado como uma piada sem graça e Steven Spurrier acabou sendo barrado de degustações na França, como uma espécie de "punição" pela suposta humilhação que causou aos produtores bordaleses. Mas o "estrago" estava feito: o resultado do evento catapultou os vinhedos da Califórnia para o sucesso.
Dez anos depois, Spurrier refez a prova com os mesmos vinhos, só que em Nova York ao invés de Paris. Resultado? Estados Unidos na cabeça de novo. E, em 2006, celebrando os trinta anos do evento, o inglês chamou 18 enólogos dos dois lados do Atlântico (incluindo aí alguns que participaram do evento de 1976) para uma terceira degustação às cegas - desta vez em Londres. Outra vez, vitória dos californianos contra os franceses.
A história acabou se tornando um filme, "O Julgamento de Paris" (2008), com o ator Alan Rickman intepretando Steven Spurrier - e alterou o modo como os vinhos são classificados. O "Julgamento" mostrou que o mundo do vinho tinha muito mais a mostrar do que "grand crus" históricos e pavimentou o caminho para outros países fora do circuito tradicional, como os vinhos sul-americanos e sul-africanos.
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