O surpreendente vinho tailandês
Carlos Eduardo Oliveira
Colaboração para o UOL, da Tailândia
07/12/2017 04h00
Uma das mais gratas das muitas boas surpresas que a Tailândia revela é descobrir que, sim, existe cultura vinícola em um país onde as altíssimas temperaturas ao longo de 365 dias do ano a princípio poderiam inibir quaisquer projetos vitivinicultores. Ao contrário: um giro pelas duas mais emblemáticas vinícolas thai revela que, com esforço, dedicação e metodologia, produtores locais superam as barreiras climáticas ao engarrafar rótulos promissores e elogiáveis. Ou “vinhos de novas latitudes”, como os mesmos se autoproclamam.
Vinícola Grandmonte
Vinícola mais celebrada do país, a GrandMonte ostenta mais de cem premiações em eventos de enologia na Ásia, ao longo dos anos. Localizada no Asoke Valley, região do belíssimo Khao Yai National Park (o primeiro parque nacional tailandês, estabelecido em 1962), a 160 quilômetros da capital, a vinícola é cercada por uma cadeia de montanhas e beneficiada por microclima mais ameno, fruto dos 350 metros acima do nível do mar.
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Sua produção abriga alguns dos melhores rótulos engarrafados no país, notadamente a partir das castas Syrah, Cabernet Sauvignon, Chenin Blanc, Viognier, Semillon, Verdejo, Durif e Grenache. Propriedade da família Lohitnavy, o terroir de 40 acres foi adquirido em 1999. A produção começou dois anos depois, fruto do empreendedorismo visionário do empresário (e CEO) Visooth Lohitnavy, ao lado da esposa Sakuna, a presidente em exercício. Sob a supervisão do simpático casal enófilo, atualmente as filhas Mimi e Nikki, respectivamente 28 e 30 anos, comandam as ações.
Enquanto Mimi centra-se no administrativo, Nikki é a responsável pelo atual portfólio de quinze rótulos. Enóloga formada na Austrália, é a única winemaker mulher do país. “Atualmente engarrafamos entre 70 e 80 mil unidades ao ano, com graus de envelhecimento em barrica que variam entre oito e dezoito meses”, diz a moça. Boa parte da produção, ela adianta, é exportada para Japão, Austrália, Alemanha e Suíça. “Nossos melhores vinhos são o Spring Chenin Blanc, o Asoke Cabernet Sauvignon, o GrandMonte Verdejo e o The Orient Syrah”.
Além dos bons vinhos, estar na GrandMonte é experimentar um gostinho de, digamos, Provance francesa: de frente a uma paisagem arrebatadora, a propriedade abriga uma pequena e charmosa pousada, apenas sete quartos irresistivelmente acolhedores. De quebra, o hóspede tem direito a bicicletas “vintage” para pedalar em meio aos vinhedos – é muito fácil sentir-se “parte do local”.
À medida que a pousada começou a receber visitantes, a senhora Sakuna Lohitnavy abriu seu caderno de receitas e com ele compôs o cardápio do restaurante VinCotto. Cozinha esmerada, de brilho, servida em idílico ambiente campestre, por uma brigada simples e dedicada.
O menu, que harmoniza os rótulos da casa às receitas do Norte do país, reserva ao menos um clássico imperdível: o kai krata, fritada de ovos com camarões e carne de porco picada, servida com torradas ao alho – a palavra krata (pronuncia-se “cratá”) significa “panela”, daí a iguaria vir à mesa dentro de simpáticas caçarolas.
Vinícola Monsoon Valley
Distante cerca de uma hora das belas praias de Hua Hin, balneário a 200 quilômetros de Bangkok, a vinícola Hua Hin Hills (“colinas de Hua Hin”) recentemente trocou o nome para Monsoon Valley Vineyards. Parte da multinacional Siam Winery (proprietária de 51% da grife Red Bull), Monsoon Valley é a maior vinícola do sudeste asiático. Fundada em 1986, deu o pontapé inicial na criação de uma cultura em torno do vinho no país.
Do escritório central em um shopping center de luxo no centro de Hua Hin partem vans com destino à vinícola. Situada em uma magnífica área de 125 hectares na província de Prachuab Kiri Khan, a propriedade fica aos pés das imponentes montanhas Ban Kock Chang – onde, comentam colaboradores da vinícola, é bem possível topar-se com elefantes selvagens à solta (mas que não chegam a ser ameaça aos vinhedos). Assim como na vinícola GradMonte, os 150 metros acima do nível do mar da região são o salvo-conduto às abrasivas temperaturas tailandesas, influenciando na qualidade do terroir e nos bons rótulos lá produzidos.
Além dos vinhos expressivos, a excelente estrutura receptiva inclui um tour ao melhor estilo safari a bordo de jipes, passeios com elefantes nos vinhedos e restaurante de cozinha notável, com jazz ao vivo. Do alto do terraço do restaurante, a bela paisagem descortinando os vinhedos ajuda a explicar um pouco o impressionante fluxo de visitantes estrangeiros, chineses, em sua maioria – aos finais de semana, esse número chega à casa do milhar.
A colheita acontece entre março e abril, sendo que, por motivos logísticos, a vinificação em si é feita em Samut Sakhon, a meia hora de Bangkok. Cerca de 70% da produção é exportada, sendo que 50% desse total tem como destino o Reino Unido – os 20% restantes desembarcam em vizinhos asiáticos.
“Nossos carros-chefes são o espumante Brut Blanc de Blanc, o branco Colombard, o Shiraz Rosé, e o Chenin Blanc Premium”, afirma a solícita Chiraphan Permsuwan, gerente da vinícola. “Mas nosso campeão de vendas ainda é o clássico Shiraz, que foi o primeiro rótulo criado”, esclarece.
O portfólio contempla ainda outros espumantes e até vinhos de sobremesa. “Estamos prestes a inaugurar mais uma vinícola, ainda maior, aqui na região, para a qual praticamos atualmente estudos de viabilidade envolvendo castas de uvas 100% tailandesas”, revela miss Permsuwan.
Vinhos surpreendentes, bien sur. E sem qualquer previsão de disponibilidade no Brasil.