Defumar é nova onda para os amantes de carne. Saiba mais sobre a técnica
Mesmo com o preço elevado das carnes no país, o brasileiro continua mantendo o fogo de sua paixão: o churrasco. De alguns anos para cá, o "churras" de fim de semana tornou-se mais do que um hobby para alguns e, nessa esteira, vem se consolidando um movimento que toma fôlego a cada dia, o dos churrasqueiros, assadores e defumadores.
Este último grupo se especializa em defumar a carne por longas horas, dentro de equipamentos feitos especialmente para isso, chamados de pits. A chave para esta técnica, no entanto, está na lenha.
Diferentemente do churrasco comum, que usa fogo alimentado com carvão, ela utiliza lenha seca, de alguns tipos específicos de árvores, principalmente a macieira e a noz pecã. Essas lenhas produzem uma fumaça aromática, que acrescenta perfume e sabor à carne.
"Defumar é expor qualquer alimento à fumaça, mas existem condições, temperaturas e variáveis nesse processo que podem mudar completamente o resultado", explica o pit master Bruno Panhoca.
Modelos de defumação
De acordo com Panhoca, alguns teóricos dividem a defumação em três modelos:
- a frio, usada para conservação dos alimentos e adição de sabor. "Nesse processo, a fumaça está sempre em temperatura ambiente. Ela penetra muito bem na carne e promove duas coisas: uma leve desidratação e a oferta de substâncias que são bactericidas, como aldeídos, cetonas, fenóis, cresóis, que ajudam a conservar os alimentos". Esse é, senão o primeiro, um dos métodos mais antigos para conservação de comida (principalmente carnes) da história da humanidade.
- a quente, que é a usada para fazer bacon e pastrami, por exemplo. "Aqui, a fumaça está entre 80 a 85 ºC. Isso promove um pouco de desidratação e adiciona muito sabor de fumaça, porque o tempo de exposição é maior, mas não vai fazer uma cocção total do alimento", explica o pit master.
- a superquente, a especialidade de Panhoca. "Aqui trabalha-se com a fumaça acima de 90 ºC até cerca de 120 ºC, 130 ºC. Isso vai fazer uma cocção completa do alimento, alterando-se completamente a textura interna da carne, derretendo a gordura, quebrando o colágeno", diz ele. Como resultado desse processo, temos uma carne assada pronta para ser consumida, mas sem o propósito da longa conservação.
Técnicas variadas de defumação
O popular De Betti, pilotado por Rogério De Betti (cuja família está no ramo de carnes há 100 anos) é um dos entusiastas da técnica. Tem um açougue na capital paulista, que leva seu sobrenome, além de um espaço chamado de Quintal De Betti, onde serve cortes preparados tanto na grelha, usando carvão, e também os defumados a lenha.
"A técnica que uso é a do 'low and slow', ou seja, a carne fica por bastante tempo em baixa temperatura. Uma costela eu faço em 12 horas, a 100 ºC", diz ele. Em termos de lenha, De Betti prefere usar apenas pecã ou macieira.
No Quintal De Betti, o profissional usa uma outra técnica, a do fumeiro, que consiste em defumar as carnes numa sala fechada, de modo que a fumaça ocupe o ambiente inteiro. "É uma defumação praticada no Recôncavo Baiano, que remonta aos escravos", conta ele.
Dá para defumar em casa
No defumador ou na churrasqueira:
Já existem até equipamentos para o preparo dos defumados de maneira doméstica, como é o caso do Ugly Drum Smoker, desenvolvido pelo pit master Anderson Amar, da SMK BBQ, de São Paulo, que hoje fornece até para o Canadá. "Esse é um dos equipamentos que a gente fabrica, temos pits maiores, voltados para churrasqueiros profissionais", diz Anderson. O Ugly, em formato de tambor (e que cabe até em quintais pequenos), tem o custo de R$ 1.800 e pode ser customizado de acordo com a preferência do cliente.
Mas dá até para arriscar uns sabores defumados na churrasqueira de casa. "Nesse caso, pode usar somente a lenha ou um mix de carvão e lenha", diz Renato Andrade, da Special Meats. "Você faz o seu braseiro e vai colocando a lenha, o quanto queira, e depois é só por o alimento a ser defumado e deixar absorver a fumaça", completa.
Hoje, o churrasqueiro que deseja adquirir as lenhas de maçã ou pecã fornecidas pela Special Meats pode entrar em contato diretamente com a empresa via rede social ou comprar os sacos em revendedores, como o açougue De Betti, entre outros locais, como boutiques de carnes por todo o Brasil.
As carnes ideais
Para usar as técnicas de defumação em casa, Bruno Panhoca sugere usar cortes baratos e duros, como a ponta de peito bovina (brisket), ou ainda carnes que têm sabor mais neutro, como porco e frango.
Costelinhas suínas ficam particularmente boas com esse tipo de preparo, e exigem até menos tempo para ficarem prontas.
"Costumo dizer que fumaça é ingrediente, tão importante quanto o sal, a pimenta, o alho", diz Panhoca. "Ela não pode ser a dona completa do sabor, mas também não pode passar despercebida", completa.
Qual lenha usar?
Como explica Renato Andrade, da Special Meats, de São Paulo, a lenha usada precisa ser seca, de procedência conhecida e cortada em tamanhos especiais para isso.
Numa viagem aos Estados Unidos, um dos sócios percebeu que, por ali, fazia-se defumação com lenhas frutíferas ou de castanhas e trouxe a ideia para cá. "O carvalho, muito usado nos Estados Unidos, não tem por aqui. E a cerejeira, também comum por lá, no Brasil oferece galhos muito finos, que não atendem ao padrão que queremos", explica ele.
Árvores que têm madeira resinosa ou oleosa, como eucalipto, pinus, manga e jaca, não são indicadas, pois interferem negativamente no sabor das carnes, deixando-as amargas.
"No American Barbecue, a gente usa lenhas que adicionam muito sabor na carne. As ideais são as frutíferas e as de castanhas. A de macieira e de pecã são excelentes, mas tem-se usado também de laranjeira, café, goiaba", conta Panhoca. "Ainda não temos uma literatura específica sobre o uso dessas lenhas para defumação no Brasil, então estamos descobrindo tudo empiricamente", completa.
"A laranja rende uma fumaça pungente, aguda, bem intensa, que vai competir com o alho e a cebola em termos de sabor. Já a macieira é uma lenha mais doce, de fumaça igualmente adocicada, com perfil suave na boca e no olfato", ensina Panhoca. A pecã, como afirma Renato, é bem utilizada para cortes de carnes vermelhas, com uma fumaça ligeiramente mais intensa que a produzida pela macieira.
A importância da procedência
Saber de onde vem a lenha não é importante apenas por questões legais, como o fato de ter nota fiscal para o produto, mas também por segurança alimentar. Antes de ir para o mercado, a lenha precisa passar por um período mínimo de quatro meses de secagem, tanto para que a umidade esteja no teor correto, quanto para evitar resíduos de eventuais pesticidas aplicados anteriormente nas árvores.
"O pessoal acha que a gente vai lá e corta o pé de maçã para fazer a defumação. Não é assim. Nós identificamos as árvores de produtores que estão fazendo a poda ou erradicando a produção por vários motivos, como baixa produtividade, ou porque querem plantar outra coisa no lugar. Então, fazemos negócio", diz Renato. O profissional afirma que tem amparo legal para trabalhar. "Nossa legislação permite que árvores exóticas, não nativas, possam ser utilizadas como lenha", diz ele.
Quer aprender mais? Tem curso para isso
Hoje já existem cursos para tornar o churrasqueiro caseiro ou profissional ainda mais especializado. Alguns deles acontecem no Rincón Escondido, na Vila Madalena (São Paulo),
De família uruguaia, Alan Edelstein recebe apaixonados por churrasco de todo o Brasil, interessados nas técnicas de assar, grelhar e defumar cortes variados, e compartilha esse conhecimento em encontros regados a bebidas e, claro, muita carne.
Para saber mais e se inscrever nas atividades do Rincón, é preciso fazer contato pelo site da empresa.
No dia em que acompanhamos o curso de parilla, o chef Francisco Mancuso preparou um ancho defumado e mostrou aos alunos toda a técnica aplicada no preparo da carne, que revelou-se, ao final, muito macia e com uma defumação presente, porém suave.
A placa instalada logo na entrada da casa já dá o tom do que virá a seguir para os amantes da carne: "La vida es una sucesión de asados" ("A vida é uma sucessão de assados"). E, por que não dizer, de acasos.
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