Gordura suína deixa de ser vilã e conquista até chef de culinária saudável
Esqueça tudo o que você tem pensado sobre a gordura de porco nos últimos anos. Alçada ao posto de vilã da dieta saudável a partir dos anos 1970, época da expansão da indústria do óleo de soja, a banha, quem diria, está voltando em alto estilo pelas mãos de chefs de cozinha - inclusive pelos adeptos da culinária saudável.
Jefferson Rueda, da Casa do Porco, considerado o 39º melhor restaurante do mundo pelo ranking The World's 50 Best Restaurants, por exemplo, mantém a tradição caipira de usar gordura suína nos refogados. "Dizer que é um produto indigesto é mito. Considero uma gordura nobre e uso em doses homeopáticas para dar sabor", explica.
No Muquifo, a chef Renata Vanzetto tempera a entrada conchas do mar, que leva vôngoles e mexilhões, com alho assado por três horas em banha suína. "Poderia usar azeite ou manteiga, mas a banha potencializa o sabor e garante maior crocância", justifica.
Além do refogado, a banha pode ter papel importante nas massas de tortas. No restaurante Hospedaria, Fellipe Zanuto usa a gordura para turbinar sua receita com recheio de frango e garante que, assim, ela fica mais leve e crocante.
A vantagem da banha
Segundo Renata Braune, head chef da escola de culinária Le Cordon Bleu São Paulo, a banha suína sempre fez parte da cozinha clássica francesa.
Ela está visível em pratos como as terrines e as rillettes (preparo de carne semelhante ao patê) e invisível como tempero, nas bases de cebola e alho similares ao refogado brasileiro. Às massas, ela explica, dá untuosidade e maciez, e também deixa as frituras mais crocantes.
"Enquanto os óleos vegetais só agregam gordura, o azeite de oliva tende a imprimir um sabor característico que não combina com qualquer prato. Considero o sabor da gordura suína mais neutro", opina Renata.
Até a chef Lis Cereja, da Enoteca Saint Vin Saint, conhecida pela defesa apaixonada da cozinha saudável, usa gordura suína no restaurante, além de azeite orgânico e manteiga clarificada. Óleos refinados não têm vez.
"Sou vegetariana por uma questão pessoal, mas acredito que animais devem fazer parte de um sistema agrícola saudável para que ciclo se feche. Gorduras de animais saudáveis são muito melhores para a saúde do que óleos industrializados ultra processados."
Gordura em fatias
Na carona da remissão da banha suína, um corte de origem italiana, composto de pura gordura de porco, tomou conta dos menus gastronômicos - o lardo.
Trata-se de uma grossa camada de gordura retirada das costas do animal, com cerca de três dedos de espessura, temperada e curada. Cortado em fatias finíssimas, quase transparentes, o produto agrega uma explosão de sabor a qualquer prato.
Na Casa do Porco, ele aparece na finalização do macarrão à carbonara e na manteiga de lardo, servida como aperitivo com pão e fatias de mortadela artesanal.
Já o chef Pier Paolo Picchi, do restaurante Picchi, faz uma emulsão de lardo para acompanhar ostras frescas. E gosta tanto da iguaria que a oferece in natura, para que os clientes degustem com pão. "Se for de ótima procedência, pode ser consumido sem cozimento, apenas curado."
Do animal ao prato
Criador de porcos caipiras em Silveiras (interior de São Paulo), Rafa Bocaina, da Curiango Venda & Cozinha, é o fornecedor de Picchi, entre outros importantes estabelecimentos paulistanos.
Segundo ele, a qualidade de vida dos animais se reflete diretamente na qualidade da gordura - em seu sítio, os porcos são criados soltos e alimentados com capim, soro de leite fresco, centeio, aveia, linhaça, chia, gergelim, frutas e milho crioulo.
O tratamento que ele dispensa aos produtos, após o abate dos porcos, também faz diferença. A banha, vendida a chefs como Luiz Filipe Souza, do Evvai, e Ivan Ralston, do Tuju, ambos estrelados pelo Guia Michelin, tem textura homogênea que lembra doce de leite pastoso.
"Moo a banha bem fino, derreto com água em baixa temperatura e passo por peneira fina metálica antes de envasar. Acima de 23 ºC, ela fica inteiramente líquida", conta o produtor.
O lardo, por sua vez, temperado com sal marinho, alecrim, alho e pimenta-do-reino, passa por oito meses de cura à temperatura de 3 ºC.
"O que importa, no caso da gordura suína, é entender de que tipo de porco ela vem. Você não pode comparar a gordura de animais de criações intensivas, alimentados com dieta pobre, com a gordura que eu produzo."
Por enquanto, uma das barreiras para que a banha suína volte a ser um produto popular é o preço, já que a fabricação ficou praticamente limitada a produtores artesanais e, com isso, o produto não voltou às grandes redes de varejo.
Na loja online MercadoOrganico.com, por exemplo, a lata de 750 g de banha orgânica Viande sai por R$ 31.
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