No auge da Era da Borracha, começo do século XX, Belém do Pará contava com 45 consulados e um porto sempre lotado de navios. Famílias ricas mandavam lavar roupas em Paris. Companhias de ópera inglesas e francesas se apresentavam no Teatro da Paz, uma réplica menor do Scala, de Milão.
Antes de Pereira Passos abrir as avenidas no Rio de Janeiro, Antonio Lemos, em Belém, seguindo Haussman, em Paris, fez o mesmo. Nas últimas décadas do século, minas de ouro, manganês, ferro, prata e metais estratégicos foram descobertas, provocando uma corrida ao Pará de milhares de pessoas com sonhos de riqueza, que logo desmoronaram. Depois, as grandes multinacionais tomaram conta.
Economicamente, o Pará é um dos Estados mais ricos do país, mas financeiramente, um dos mais pobres, mercê de maus políticos.
A cozinha é a mais genuinamente nacional, pois vem dos índios. A maniçoba, um dos pratos mais famosos, precisa passar uma semana cozinhando para matar o veneno.
Há alguns anos os chefs brasileiros e estrangeiros começaram a vir provar os sabores dos temperos.
Somos insulares. Para visitar nossos vizinhos, é preciso pegar um Boeing. Duas horas para Manaus, hora e meia para São Luiz. E por aí, vai. Para visitar a segunda maior cidade, Marabá, pegue um Boeing. Para Santarém, o mesmo, ou passe dois dias de barco.
Por isso tudo, nossos artistas precisaram criar seus trabalhos sem grande influência do que é feito no resto do mundo, o que ocorreu até que a internet veio aproximar tudo.
Se as distâncias para vizinhos e outras cidades são grandes, imaginem para Rio de Janeiro e São Paulo, centros geradores da Cultura nacional. Há como que uma grande parede, uma "Wall", como no "Game of Thrones" para ser vencida e mostrar seu trabalho na grande mídia.
Minha mãe é de Muaná, cidade do Marajó. Pela minha avó paterna, há Soure, do outro lado da ilha. Aqui houve escravos negros, mas principalmente índios. Temos uma tez morena, da mistura com os brancos. Nossa fala é melodiosa, incluímos na linguagem palavras do nheengatu, mas conjugamos corretamente os verbos, na segunda pessoa do singular.
Uma pena que a tv, com seu "ipanemês" esteja impondo outras palavras. A selva concreta desafia a imensa floresta que resiste (até quando?) às motosserras e cobiça.
Belém é uma cidade com dois milhões e meio de habitantes, muitos deles, gente que achou que ficaria milionária trabalhando no garimpo e nada conseguiu. A cidade cresceu muito e como sempre acontece no Brasil, sem nenhum planejamento. Há muita miséria e muita riqueza. Há uma floresta de concreto, fincada na maior floresta tropical do mundo.
Se dependesse da natureza, não estaríamos aqui. A umidade chega a 95%. Com o calor, o corpo fica molhado de suor. Um turista disse que aqui até a chuva é quente. Quase abaixo da linha do Equador, no verão, chove todo dia. No inverno, o dia todo.
Imaginem a perplexidade de uma pessoa que vive do outro lado da Baía do Guajará que diariamente atravessa para vir vender açaí.
Há um choque entre os dois mundos. Em um, a vida saudável, sem pressa, sem tempo correndo, só verde. No outro, a fumaça dos carros, o calor que os prédios refletem, e a pressa descontrolada das pessoas e seus compromissos inadiáveis.
Sou escritor. Escrevo em diversos gêneros, inclusive para teatro — em Belém temos ainda a tradição de grupos de teatro. O meu é o Cuíra, que em nheengatu significa ter muita vontade de fazer alguma coisa.
Escrevi em jornais. Livros de poesia marginal, crônicas, teatro, todos de maneira independente. Poucos leram. Escrevi um romance e uma editora paulista, Boitempo, publicou.
Alguns livros depois, na Feira de Frankfurt, os direitos foram adquiridos e romances lançados na Europa. Na França, pela Editions Asphalte, meu primeiro romance, aqui chamado "Os Éguas" e lá, "Belém", ganhou um prêmio chamado Chaméleon na Universidade Jean Moulin em Lyon.
Por coincidência estava saindo aqui "Pssica", livro novo. Rio e São Paulo se interessaram. Jornais abriram espaços. Feiras mandaram convites. Direitos de três livros vendidos para o cinema. Acaba de sair um livro novo, "BelHell", que na França chama-se "Casino Amazonie". É meu quinto livro por lá. Os franceses são curiosos. Acham que meus livros quebram o sonho da selva romântica.
Escrevo sobre minha cidade e seus habitantes. Somos humanos, cruéis, amorosos, esperançosos, vingativos, gananciosos. O que há de novo é o estilo, com frases curtas, mantendo um ritmo, impedindo o leitor de parar de ler antes do final. E em tudo, a cidade.
Em Belém comecei a também ser mais conhecido. O mundo de hoje, com internet e redes sociais também facilitou. Há escritores jovens, escrevendo gêneros como ficção científica, fantasia e terror.
O Pará tem o tamanho de um país. Para integra-lo, somente a cultura. Estive em Parauapebas, no sul. Fui de Boeing. Há gente do Piauí, Maranhão, Tocantins e Minas Gerais. Poucos paraenses. Cidade rica por conta dos impostos decorrentes das minas. Só o trem que duas vezes por dia leva nossas riquezas, tem alguns quilômetros de extensão. Há uma linha especial para Belo Horizonte, de onde vêm garbosos engenheiros, verdadeiros donos da cidade.
Ser do norte é inventar seus próprios caminhos. É misturar tudo o que vem de fora, pela internet, TV, livros, jornais e cinema e acrescentar o nosso mundo. Nossa perplexidade entre a selva concreta e a selva amazônica.
É tentar vencer essa parede enorme e chegar à grande mídia. Mesmo tendo algum êxito na França, aqui no Brasil, ainda há muito o que conquistar para ser conhecido. Ser do norte é ser um forte.
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