Na entrada do santuário Arakurayama Sengen, no alto de Fujiyoshida, cidade ao sudeste da província de Yamanashi, antes de encarar 398 degraus montanha acima, uma placa antecipa aos desavisados que, até a próxima primavera, a plataforma de observação mais cobiçada do complexo estará interditada para obras.
Um financiamento coletivo angariou 4 milhões de ienes (quase R$ 205 mil) para uma reforma de ampliação do pequeno deque, construído há seis anos, e de onde são registradas, desde então, as fotografias que imprimem um dos roteiros no Japão mais difundidos para o mundo.
É de lá que os visitantes têm um enquadramento único do imponente Monte Fuji com o memorial da paz Chureito, em primeiro plano, à direita, e ambos emoldurados por um 'mar' de folhas de cerejeiras entre março e abril, ou de bordo-japonês, em novembro.
O espaço do deque ficou apertado e, com a pandemia do novo coronavírus, viu-se que seria 'sanitariamente incorreto' manter tanta gente aglomerada nos poucos metros quadrados, como detalhou o aviso.
Apesar de frustrado em não conseguir a foto icônica, assim como outros visitantes que também foram surpreendidos naquele domingo de outono, considerei que esse seja talvez o melhor momento mesmo — no pior dos cenários enfrentados pelo turismo no país — para realizar adaptações exigidas para a nova realidade.
A lenta retomada turística
O Japão está fechado para o turista internacional desde abril de 2020. Até o momento não vejo que há qualquer lampejo de reabertura das fronteiras, ainda mais agora com o temor de novas variantes. Em número de visitantes, os dados da Organização Nacional do Turismo no arquipélago revelam o tamanho do impacto que a pandemia trouxe para o setor nos últimos dois anos.
De janeiro a outubro de 2019, o Japão recebeu 26,9 milhões de turistas. Já no mesmo período de 2020, somente quatro milhões entraram no país e, com a manutenção das restrições impostas pelo governo, apenas 213 mil passageiros desembarcaram nos aeroportos japoneses neste 2021, sob criteriosas regras de quarentena.
Diante de um cenário catastrófico na economia, o turismo doméstico começa a dar sinais de (lenta) recuperação, apostando em programas que oferecem ao público interno descontos em passeios, hospedagens e gastronomia.
Em outubro passado, logo após o cancelamento do segundo estado de emergência, que limitou horário de restaurantes e quantidade de público em eventos — como nas Olimpíadas —, a população voltou a viajar. Foram mais de 32 milhões de hospedagens em todo o país — número que forçou o novo primeiro-ministro, Fumio Kishida, a considerar inclusive um novo orçamento para impulsionar o setor.
A volta do turismo doméstico
Para impulsionar a retomada turística, o governo japonês ensaia, para o início do ano que vem, o retorno do programa de incentivo ao turismo doméstico, 'Go to Travel' (Vá viajar, em tradução livre), suspenso no final de 2020 diante do aumento nos casos de Covid-19.
A campanha foi revisada e deverá subsidiar 30% dos custos de uma diária por pessoa. O limite do desconto para hospedagens será de 10 mil ienes, quase R$ 500. O viajante receberá ainda 3 mil ienes em cupons de compras e, outra boa notícia, poderá finalmente transitar entre as províncias — algo que foi exaustivamente solicitado a se evitar, após casos de propagação do vírus entre turistas.
Quando estava em vigor em 2020, a campanha aumentou o consumo interno em 1,46 trilhão de ienes entre julho e dezembro. Foi uma corrida on-line para garantir reservas em meio aos temores de viajar para destinos como Tóquio e Osaka, dois epicentros dos contágios naquele período.
Para mitigar os riscos de novas infecções e tentar garantir efeito final positivo do programa, o governo pretende exigir para adesão que os viajantes forneçam comprovante de vacinação ou apresentem um teste de covid-19 negativo.
Cenário de incerteza com a nova variante
Entretanto, desde a suspensão do segundo estado de emergência, no final de setembro, até alcançar 77% dos 126 milhões de habitantes vacinados, em novembro, o Japão acompanha um declínio íngreme nas contaminações e mortes pela nova doença.
Uma das capitais mais populosas do mundo, Tóquio não teve mais do que 40 casos positivos diários desde meados de outubro. Das 47 províncias japonesas, pelo menos 20 não registram sequer novos casos em semanas.
Mas, à medida em que a Terra do Sol Nascente começa a respirar mais aliviada, a sombra da propagação da nova variante Ômicron, identificada na África do Sul, fez o governo japonês cancelar a entrada de empresários, estudantes e estagiários, que até então estavam recebendo visto especial. Japoneses e residentes estrangeiros que retornem de 27 países e territórios agora deverão passar de três a 10 dias do período de quarentena em uma instalação designada pelo governo.
Até 1º de dezembro, o Japão tinha apenas duas notificações de passageiros que entraram no país e foram confirmados com a nova variante do coronavírus: um diplomata vindo da Namíbia e outro passageiro do Peru.
Preparando o terreno para futuros visitantes
Mesmo sem acessar o famoso deque do santuário em Fujiyoshida, ter conhecido a magnífica região dos Cinco Lagos, no sopé do Monte Fuji, foi a oportunidade de testemunhar como a província de Yamanashi tem conseguido blindar suas fronteiras e deixar os 810 mil habitantes sem a presença do coronavírus há tempos.
Ao redor do badalado lago Kawaguchi, após um hiato de dois anos a Maratona do Monte Fuji reuniu, naquele domingo, cerca de cinco mil corredores para uma prova que sentenciou a retomada dos grandes eventos na região.
A maioria dos restaurantes, hotéis e museus que circundam o lago também estavam movimentados, e os turistas eram informados logo na porta dos estabelecimentos que aquele era um local certificado pelo governo por atender medidas de prevenção de doenças. Desde maio de 2020 as autoridades japonesas credenciam estabelecimentos comerciais em toda província com o selo Green Zone (Área Verde), após criteriosas exigências que precisam ser contempladas pelo empresário.
Com diferentes nomes e apelos, a implantação de diretrizes básicas no combate à pandemia por todas as províncias, atrelado ao estilo de vida do povo japonês (que em nenhum momento descuidou-se do uso já recorrente de máscaras), o país começa desfrutar de doses de liberdade merecidas, também preparando generosamente um terreno seguro para seus futuros visitantes.
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