"Mãe, minha DT vai te ligar. Atende".
A mensagem de Alice, minha filha de 12 anos, iluminou-me a tela do celular às 10h01 do dia 30 de novembro. DT é sigla para Diretora de Turma, professora responsável por cuidar de uma sala de aula. DT's só telefonam para os pais em caso de emergência. Por isso, a mensagem me deixou preocupada.
"O que aconteceu?", digitei, tão rápido quanto pude.
"A gente vai ter que ficar em isolamento até o dia 4", ela respondeu, de imediato. "Também precisamos fazer teste de covid".
Consultei o grupo de WhatsApp dos pais em busca de mais informações. Lá, especulava-se o que poderia ter acontecido. Uns diziam que uma professora havia testado positivo para o vírus minutos após ter dado aula para a turma. Outros sugeriam que alunos ainda não vacinados haviam contraído covid-19 — há na turma crianças com 11 anos, e a imunização em Portugal começa aos 12, a idade da Alice, que já recebeu as duas doses.
O fato é que, de alguma maneira, as crianças haviam sido expostas ao vírus. Pelo sim, pelo não, a recomendação era a de que todos voltassem para casa e retornassem dali a cinco dias, com teste negativo — e isso valia para todos, vacinados ou não.
Encontrei Alice na porta da escola, minutos depois, junto a um grupo de amigas, todas com ar desolado. Ao contrário do ocorrido no começo de 2020, quando a interrupção das aulas foi motivo de festa para os estudantes, dessa vez ninguém parecia feliz com a ideia de passar alguns dias em casa, assistindo aulas on-line, de pijama.
A memória recente dos longos e melancólicos meses de educação à distância ainda impede que a história do período seja romanceada.
"Ninguém aprende nada em aula online", resmungou Alice. "Não vai ser como antes", disse para minha filha, no caminho de casa.
É só uma precaução, logo vocês estão de volta à escola. Portugal é um dos países mais vacinados do mundo"
Este é o mantra ao qual, aqui em Portugal, todos tentamos nos apegar. Em termos de vacinação, há poucos lugares melhores para se estar atualmente do que nesta pequena nação da Europa.
O ranking varia a cada dia, mas enquanto escrevo este texto, no final da tarde de 8 de dezembro, Portugal ocupa o quinto lugar na tabela de vacinação mundial, com 87,78% da população totalmente imunizada (excluindo as doses de reforço). De acordo com os dados da Universidade de Oxford, as primeiras posições são ocupadas por Emirados Árabes, Singapura, Brunei e Cuba. De todo modo, entre os países europeus, Portugal está na liderança absoluta da vacinação, o que o torna um destino turístico dos mais atraentes.
Nos dias cálidos e ensolarados do último verão, as ruas estreitas das cidades mais famosas do país estiveram entupidas de viajantes.
Desaparecidas desde o início da pandemia, as malas de rodinhas voltaram a compor o cenário urbano. Setembro deste ano registrou um aumento de 95,8% de turistas em comparação ao mesmo mês de 2020 — ainda são 39,3% visitantes a menos do que em igual período de 2019, mas ainda assim é bastante gente.
Em meados de setembro, a apresentação do certificado de vacinação completa deixou de ser exigida à entrada de restaurantes. Cafés e confeitarias puderam receber toda a clientela, sem limite de lotação. As máscaras também deixaram de ser obrigatórias ao ar livre — nos primeiros dias foi estranho, mas logo me acostumei à ideia de levar minha cadela para passear com rosto e boca descobertos, sentindo o cheio da madeira queimada que, com a aproximação dos dias mais frios, começou a exalar das chaminés das casas e prédios do Porto, onde vivo.
Assim, a vida no país tornou-se bastante próxima da normalidade. Passamos a fazer, com relativa segurança, tudo aquilo que estava incluído em nossa rotina anterior à pandemia: frequentar bares e restaurantes, assistir a espetáculos, ir à academia de ginástica e reunir os amigos em jantares domésticos.
Passamos a viver assim, com as cidades e as pessoas revigoradas, porque o país (com o apoio da população) seguiu a cartilha para a contenção do vírus: confinamento, distanciamento social, uso de máscaras, medidas de higiene e vacinação em massa"
Claro, houve umas escorregadelas no meio do caminho. No final do ano passado, decidiu-se por certa flexibilização das regras sanitárias nas festas de Natal — o resultado foi uma explosão de casos de covid-19 no início do ano, com consequente endurecimento das regras de contenção.
Mas aprendeu-se a seguinte lição: por mais favorável que pareça o cenário, não dá para baixar a guarda com o covid-19, nunca"
Por isso, o governo acaba de anunciar novas regras a serem cumpridas desde 1 de dezembro. Uma delas é o retorno da exigência do certificado de vacinação para a entrada em restaurantes e hotéis. O documento também passou a ser cobrado antes do embarque nos voos com destino ao país — em alternativa, o viajante pode apresentar um comprovante de teste negativo.
Também determinou-se a postergação da volta às aulas nas escolas — pelo calendário, os estudantes deveriam retornar das férias de Natal no dia 2 de janeiro, mas vão ficar em casa até o dia 9. Em casa mesmo, de preferência, sem grandes passeios e interações sociais.
As novas medidas justificam-se não apenas pelo que ocorreu no último Natal, mas pelo temor de que novas variantes do vírus sejam resistentes às vacinas atuais — até o momento, 37 casos da variante ômicron foram identificados em Portugal. Há poucos dias, o país registrou o maior número de ocorrências de covid dos últimos quatro meses (também voltou a atingir níveis de mortalidade semelhantes a março) e a curva de contágio não para de subir.
De todo modo, a ampla cobertura vacinal espanta para alguma distância o temor de que os tempos tenebrosos de ruas completamente fantasmagóricas retornem.
Ao anunciar o novo pacote de medidas no dia 26 de novembro, o governo afastou a hipótese de ressuscitar o "estado de emergência" que vigorou no país no auge da pandemia.
Mas é preciso estar alerta. E, infelizmente, meio paranoico.
Por isso, Alice, muito aborrecida, teve que acompanhar as aulas sobre o Egito Antigo pelo computador, no começo de dezembro, bem como fazer um teste de covid-19 antes de retornar à escola, embora estivesse duplamente vacinada. O resultado saiu em poucas horas. Deu negativo.
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