Quem se depara com a obra de Julio Verne pensa que ninguém viajou tanto quanto ele. Sua obra parece a programação do Canal OFF. "Vinte Mil Léguas Submarinas", "Volta ao Mundo em Oitenta Dias", "Cinco Semanas em Um Balão". No entanto, Verne estava longe de ser um explorador. Seus relatos eram frutos de pesquisa incansável e imaginação infinita, mas quase nenhuma vivência.
Era, como se diz hoje em dia, um "poser". Julio Verne rodou o mundo e as galáxias sem sair do escritório.
Quando criança, Verne sonhava em ser marinheiro. Aos onze anos, fugiu de casa e embarcou como imediato (o famoso pau-pra-toda-obra) num veleiro pra Índia. Seu pai, um rico advogado, procurou o filho desesperadamente até encontrá-lo já em alto-mar. Arrependido, Verne voltou pra casa e prometeu ao pai que, a partir dali, só viajaria com a imaginação.
Durante essa pandemia, me descobri um Julio Verne. Que prazer navegar pelo mundo sem precisar sair de casa. Rapaz, como é bom viajar sem ter que passar por nenhuma fila de raio-X. Viajar é bom, mas sair de casa é chatíssimo. Ainda mais depois do confinamento.
Criei raízes profundas na cozinha de casa. Estou apegadíssimo à minha poltrona. Por sorte, o advento do 4G me permite poupar muito tempo — e dinheiro. Da minha poltrona, conheço o mundo — em sua melhor versão.
A vida do Verne hoje seria muito mais fácil graças à internet. Pobre do viajante imaginário que não tinha acesso ao Google Earth. Hoje tudo mudou. Já nem é preciso imaginar pra sair de casa. Poucos cliques te teletransportam para outro continente.
Tenho uma amiga que passa o dia em sites de apartamentos, imaginando como seria sua vida ali. Em sua homenagem, cunhei o termo "pornografia imobiliária"
A pessoa, quando adulta, deixa de fantasiar com a visita do encanador e passa a sonhar com piso de taco e cozinha planejada. Mas não só com isso. A realidade do Brasil tem me feito sonhar com outros continentes. Nesse desastre em que nos metemos, tornei-me um viciado em pornografia geográfica. O Google Maps funciona pra mim como um XVideos — um portal pra vidas que nunca vou viver.
Acabo de passar uma tarde agradável em Baku — capital do Azerbaijão — tomando um café à beira do Mar Cáspio. Gosto de jogar o bonequinho amarelo em países distantes e me perder pelas ruas de uma cidade pra qual nunca irei.
Dizem que o trânsito de Moscou é infernal. Não pra mim, que graças à fibra ótica trafeguei na velocidade da luz, pulando por cima dos carros sem correr risco de vida. Dizem que Veneza tem cheiro de cocô — não senti o fedor, daqui do meu escritório. Tampouco me incomodei com os pombos ou com o calor infernal. Imagina que delícia Paris sem ter de lidar com franceses?
O leitor talvez dirá que tem alegrias que só mesmo a viagem presencial proporciona. O sabor das comidas, o cheiro das especiarias, o papo com desconhecidos. Infelizmente, com a atual cotação do real, vamos ter que ficar só na punheta.
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