Na porta da KaDeWe, a loja de departamentos mais famosa e sofisticada de Berlim, há uma grande fila e os clientes esperam debaixo de um frio de 0°C. Motivo: como em todas as lojas da Alemanha, no momento só é permitida a entrada de pessoas vacinadas ou recuperadas da covid-19.
Na porta, um funcionário checa todos os passaportes de vacinação e pede documento com foto. Depois disso, com máscara PFF2 no rosto, a experiência de compra é "normal". O mesmo se repete na Zara e na H&M que ficam há alguns passos, na maior avenida de compras da cidade.
A iluminação de Natal é linda e atrai turistas do mundo todo. É ali que fica um dos mercados de Natal mais famosos da Alemanha, o mercado da Breitscheidplatz. As barreiras "anticaminhão" na rua sempre me dão um arrepio: foram colocadas ali depois que um atentado terrorista, há cinco anos, matou 12 pessoas e deixou 48 feridas. Esse ano, apesar da beleza da decoração e do clima de Natal, há outras lembranças angustiantes.
A Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirch, famosa por ter uma das torres derrubadas como uma lembrança da guerra, há meses virou um centro de testagem. Em Berlim, há centros de testagem em todo canto. No momento, você pode fazer um teste antígeno de graça. Para entrar na feira de Natal, mais uma fila, mais uma vez o passaporte de vacinação é checado.
Todas essas medidas são apoiadas pela maioria da população. A Alemanha enfrenta uma terrível quarta onda de coronavírus. Em alguns dos dias do fim de novembro, os casos diários passaram de 75 mil e as mortes passaram de 500. Na TV, os noticiários exibem imagens de hospitais lotados e o "impossível" aconteceu: alguns estados tiveram que transferir pacientes de UTI em aviões do exército.
Não vacinado não entra!
O jeito de lutar contra a quarta onda (e forçar mais gente a se vacinar) decidido pelo governo foi permitir apenas a entrada de vacinados em quase todos os lugares. Segundo as regras atuais, só vacinados podem entrar em lojas, restaurantes e mercados de Natal. Se você pegar um transporte público, precisa do passaporte de vacinação. Nesses lugares, não vacinados podem até entrar; mas precisam ter um teste certificado feito nas últimas 24 horas — ou se retiram e pagam multa.
Perto da minha casa há um centro de vacinação desses e sempre que passo por lá há uma pequena fila.
Será que são anti vacina?', penso, andando rápido e mal respirando dentro da minha PFF2, que é a máscara obrigatória no país em lugares fechados, junto com a cirúrgica (máscara de pano não vale).
Essas pessoas da fila não são necessariamente "antivax", já que alguns eventos exigem, além do passaporte de vacina, um teste feito no dia.
A tal terceira dose
Apesar do clima melancólico desse inverno cheio de restrições, as medidas, pelo jeito, estão surtindo efeito. No meio de dezembro, pela primeira vez em meses, a curva parece ter se estabilizado. "A situação está lentamente se estabilizando e o declínio do número de casos é real. Mas os números ainda são muito altos. Essa tendência tem que se manter no Natal e temos que focar na campanha da dose de reforço", escreveu no Twitter o epidemiologista Karl Lauterbach, novo ministro da saúde do país.
Em seu último encontro para tratar da pandemia, no fim de novembro, a então chanceler Angela Merkel disse que 27 milhões de doses de reforço seriam oferecidas para a população. Lauterbach tem reforçado que a terceira dose é a grande arma contra a variante ômicron, já presente na Alemanha. No momento, cerca de 24% da população já tomou a dose de reforço. Ao assumir, o ministro disse que as vacinas seriam dadas "nas farmácias e nos supermercados".
Nós, que moramos aqui, gostaríamos de acreditar nisso; mas a campanha de vacinação na Alemanha é problemática. Até o momento, 69,7% da população está com as duas doses da vacina. E parte da população recusa a vacinação.
Semana passada arranquei um cartaz antivacina colado em um poste perto da minha casa.
Em cidades como Dresden, na Saxônia, manifestações antivacina atraem fascistas de grupos como o Pegida e se tornam violentas. Mas, e quem, como a maioria da população, quer se vacinar? Você consegue, mas não é assim tão fácil.
No momento, o booster é oferecido para todo mundo a partir do quinto ou sexto mês após a segunda dose, dependendo do estado. Alguns médicos, como o virologista pop star Christian Drosten, acham que o prazo deveria ser menor. "Se você tiver oportunidade de tomar, tome logo!", ele disse.
No meu caso, passei a ficar desesperada pela terceira dose. Depois de perguntar no Twitter se alguém conhecia um médico que administrasse o reforço depois de quatro meses e meio da segunda dose, consegui, via uma designer brasileira que mora em Berlim, o endereço de um médico que vacinava a todos, independente do tempo. Consegui marcar um horário. E, em um sábado de novembro, aguardei minha dose de reforço do lado de fora do consultório em uma fila que parecia a entrada de um dos clubes badalados de Berlim.
Sem descanso
Alguns amigos não tiveram a mesma sorte. "Você não vai acreditar, fomos a dois centros de vacinação e negaram nos vacinar porque hoje é sexta e completamos cinco meses da segunda dose só na segunda-feira", me conta uma amiga, revoltada. A boa e velha burocracia alemã não descansa nem no meio de uma pandemia.
A mesma amiga tinha ido comprar uma torta de chocolate na Ikea quando viu uma seta indicando "vacinação" — e conseguiu a dose no estacionamento da loja. "É bizarro, parece que quando a gente quer vacinar está indo comprar droga, tem que ter um canal, saber um macete", diz minha amiga. Verdade. As vacinações são feitas em consultórios médicos, mas é difícil conseguir um horário no momento. Existem centros de vacinação, onde as filas são grandes. E você ainda pode esbarrar na burocracia.
Agora que os números estão melhorando um pouco, podemos relaxar? Não. No momento em que escrevo, leio que há a possibilidade de que alguns estados entrem em lockdown parcial durante o Natal. Nas áreas mais atingidas, como a Saxônia, os mercados de Natal foram proibidos e assim permanecem.
"Eu estou muito preocupado. A ômicron pode ser um problema para a gente até o verão", diz Christian Drosten, em um programa de TV dominical. O médico, chefe de departamento de virologia da Charité, virou pop star e foi escolhido o homem do ano na Alemanha pela segunda vez. Ele não costuma errar em suas previsões.
No mesmo programa, disse que estamos caminhando para o fim da pandemia. "No máximo em três anos a pandemia terá virado endemia", disse, como se isso fosse uma boa notícia.
"O quê? Ainda vamos ter que aguentar três anos? Que notícia ótima", meus familiares gritam pelo telefone do Brasil, entre chocados e divertidos enquanto dou as "boas notícias".
Como diz o provérbio mais usado na Alemanha: agora 'é esperar pelo melhor; mas sempre estando pronto para o pior'".
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