Dias atrás flanei por Paris com um amigo brasileiro residente na Inglaterra. No centro do consumo da cidade, Boulevard Haussmann e suas lojas de departamentos, meu amigo ficou estarrecido diante do fato de que todos usavam máscaras.
Explico melhor. Estávamos diante das vitrines de Natal das Galeries Lafayette e do Printemps, as calçadas lotadas. Claro, admirar as decorações de Natal é ritual respeitado pelas famílias francesas. Adultos, idosos, adolescentes e até algumas crianças usavam máscaras ao ar livre. Meu amigo tinha acabado de desembarcar do Eurostar e o contraste com o modo de vida inglês era gritante; lá ninguém usa máscara.
Tive que explicar que o uso obediente da máscara é recente e fora do padrão francês. O que está por trás desse comportamento respeitoso de hoje é o medo do confinamento, o pavor de novas medidas coercitivas em função da pandemia.
Cerco apertando com a chegada do inverno e das festas
Hoje, a preocupação do governo francês diante da quinta onda, além de proteger a população, é preservar a economia. Como 90% dos franceses adultos estão vacinados (eu mesma já tomei minha dose de reforço, inclusive), Macron e seus ministros deixaram o comércio e a indústria aproveitarem a euforia dos gastos de fim de ano. Se não estivéssemos vacinados, estaríamos confinados há muito tempo.
Todas as medidas tomadas atualmente visam limitar as contaminações entre jovens e residentes com mais de 60 anos, sobretudo nesta época do ano com suas festas, compras e encontros familiares. Boates estão fechadas, o trabalho à distância é estimulado, deram início à vacinação de crianças entre 5 e 11 anos de idade.
Além disso, o governo tem pedido às famílias que limitem o número de pessoas nas festas familiares e que os lugares escolhidos para os encontros sejam arejados com frequência. É sugerido também que os mais jovens e os que circulam mais façam testes PCR antes de encontros com familiares e que os mais velhos evitem locais fechados nos quais não há uso de máscaras, como cafés e restaurantes.
De minha parte, sigo o que pode ser definido como auto-confinamento-sugerido, e parei de frequentar cafés e restaurantes. Mas é fácil no país da gastronomia comer muito bem sem frequentar estes dois tipos de lugares. Faço minha compras nas feiras ao ar livre e ali encontro tudo: refeições que esquento em casa, queijos, embutidos, frutas e legumes, peixes, carnes, pães, tudo com a alta qualidade tão apreciada pelos franceses.
Paris facilita a vida com restrições pandêmicas
Não é difícil viver restrições ligadas à pandemia em Paris. Neste auto-confinamento-sugerido eu poderia até eliminar galerias de arte e museus. Como diz uma amiga brasileira apaixonada pela cidade, ficar auto-confinada aqui é fácil, porque ao abrir a porta de casa praticamente entramos em um museu.
E ela tem razão. Pedalar pelas margens do Sena, subir até Montmartre, atravessar as pontes e perambular pelas ruas de Saint Germain de Près, flanar pelas ruas gastronômicas como Montorgueil, Cler, Martyrs... tudo isso são distrações dignas dos melhores museus do mundo.
O auto-confinamento aqui também é facilitado pelo fato de os transportes públicos parisienses serem excelentes, tanto o metrô como os ônibus.
Por incrível que pareça, a taxa de contaminação dentro do metrô é de 20%, segundo dados de novembro da LCI. O carro dividido com amigos ou família representa um risco maior, de 30%, assim como as viagens de trens de longa distância. E o risco de contaminação ao pegar um táxi sobe para 50%!
Quando li esses dados comparativos pela primeira vez fiquei surpresa. Metrô menos perigoso do que táxi? Mas é fácil entender. As estações de metrô possuem pé direito alto, o espaçamento entre as estações é curto e as portas se abrem o tempo todo; o ar se renova com frequência.
Nos ônibus, os trajetos entre os pontos de parada também são curtos e o ar se renova com facilidade a cada parada. E, medida suplementar pandêmica, de tempos em tempos o motorista aciona um mecanismo de renovação do ar.
Para os trajetos longos dentro de Paris uso o táxi, mas não pego táxi na rua. Já caí nas mãos de falsos táxis, taxistas anti-vacina e anti-máscara, além de táxis sujos e fedorentos. Chamo pelo aplicativo e escolho um carro grande tipo van, com barreira de separação entre o chofer e o cliente. Uso máscara e, o entrar no carro, já aviso que vou abrir a janela ao meu lado.
Desde que soube que a taxa de contaminação dos meios de transportes em comum é baixa, o deslocamento ficou ainda mais fácil. Nos horários de baixo movimento, no meio da manhã e no meio da tarde, pego metrô e ônibus; nos momentos de pico, opto pelo táxi. Acredite: já me aconteceu de fazer um trajeto longo de ônibus com apenas três outros passageiros.
O foco principal é na adaptação
Em 12 de dezembro, a OMS avisou que em poucas semanas a variante ômicron será majoritária na Europa. Soube em entrevista com o Ministro da Saúde francês, o médico-neurologista Oliver Véran, que destacou que outras novas variantes devem aparecer e que, talvez, dentro em breve, uma quarta dose da vacina seja necessária.
Paris, com seus milhões de turistas, é uma cidade cosmopolita. Muito antes do início da pandemia já víamos com alguma frequência vários deles flanando por aqui com máscaras. Esse gesto cotidiano, adotado há anos em outras partes do mundo, um gesto de proteção própria e do outro, se internacionalizou com a pandemia.
Há 15 anos, durante uma visita ao Brasil (moro em Paris há mais de 30 anos), combinamos de caminhar com amigos pelo Leblon, mas acabamos não indo porque meu marido estava meio gripado. Mais tarde, decidimos fazer um passeio de carro pela orla e paramos na farmácia para comprarmos máscaras. Meu marido é francês, cirurgião-dentista e sempre foi habituado com a proteção das máscaras. Usamos máscaras naquele dia no nosso passeio de carro e passamos a usar máscaras em longos trajetos de avião ou de trem.
Mais do que nunca, pensamos em termos de adaptação. Saber que voltar tudo "como era antes" é impossível. E me dou conta, hoje, o quanto esse pequeno detalhe de 15 anos atrás me ajudou imensamente na adaptação ao nosso novo modo de vida.
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