Viajei e não postei: fui ao Caribe e não coloquei nada nas redes sociais
O Caribe é, sem dúvida, um dos lugares mais instagramáveis do mundo. Tem água tão azul que parece ter sido tingida por anilina, solão, peixes coloridos, areia branquinha, plantas, frutas e por aí vai? Quase tudo pode render um fotão para os stories ou para deixar o feed invejável.
Só que eu estive lá e não postei nada. Nadinha.
Estou longe de ser uma voyeur introspectiva no Instagram. Posto bagunça, posto filhos, leituras, bastidores de trabalho, uns memes bobos e viagens sempre. Mas, dessa vez, decidi ficar quieta. E vou explicar o motivo.
Quando recebi o convite de Nossa para embarcar em uma viagem promovida pela MSC Cruzeiros, em agosto passado, eu estava um trapo. Cheia de trabalhos para entregar, ainda sofrendo a exaustão mental que o isolamento provocado pela pandemia nos deixou, tensa com o futuro do país e há anos sem férias de verdade.
"Mãe, estou preocupada. Você pede para eu repetir coisas e, quando eu repito, reage como se fosse sempre a primeira vez", me disse um dia minha filha de 11 anos.
Odeio confessar, mas eu estava, sim, à beira de um burnout, como confirmaram minha analista e minha psiquiatra.
Fiz as contas para avaliar o custo-benefício de ter que atrasar algumas entregas para poder descansar um pouco e voltar muito mais produtiva do que fui.
Como descansar no meio do trabalho?
E, então, aceitei. Não seria possível, porém, me desligar completamente do trabalho. A própria viagem era trabalho. Assim resolvi que apertaria a tecla off para outras coisas.
Não contei para quase ninguém sobre a viagem, aprontei minhas malas e embarquei rumo a Miami. De lá sairia o cruzeiro Seashore para uma incursão de sete dias pelo Caribe. Na primeira e na última noites, navegamos no entorno de Cuba. Depois, paramos na Jamaica, nas ilhas Caimã, em Cozumel (México) e em uma ilha particular da MSC Cruzeiros nas Bahamas.
Fiz algumas fotos, mas nenhuma delas foi publicada nos meus perfis.
Ainda.
A ideia não era apenas ficar longe das redes. Eu queria viver de novo aquela paz que sentia antigamente, quando viajar significava ficar longe de verdade. Antes das redes sociais (do Instagram principalmente), eu saía de férias e esquecia a senha do e-mail, do cartão, o endereço de casa. Naquela época (que foi outro dia, mas parece uma outra era), eu escrevia diários, não fazia stories. Falo no singular, mas imagino que esta seja uma experiência coletiva.
É claro que dá vontade de compartilhar alegrias. Eu sou gente que acredita que a vida é melhor se dividimos os bons momentos. Mas, quando posto imagens de viagem, é como se ficasse um pouco presa. Uma parte de mim não tira férias.
É quase inevitável conferir quem visualizou os stories, ler e responder comentários. Se o roaming não funciona o tempo todo, o período com internet disponível no restaurante ou hotel fica comprometido com a atenção voltada para o mundo que está muito além do destino de viagem. Todos aqueles conselhos de saúde mental — curtir o momento, estar presente nas ações aqui e agora — nada disso acontece.
Viajando sozinha
Tem outra coisa que também me faz falta. Quando viajo, principalmente se estou sozinha, costumo viver uma experiência de autoconhecimento, ainda que discreta. Isso porque acabo me encontrando com o diferente, sejam lugares, culturas ou situações, e, sobretudo, pessoas. A cada papo com alguém completamente novo, é como se descobrisse uma novidade em mim.
Na viagem, percebi que, ao longo do tempo, com as redes sociais cada vez mais presentes na vida, essa sensação foi diminuindo. Pode ser a maturidade — já estou há muito tempo comigo, talvez não tenha muito o que descobrir (duvido, sempre tem). Mas eu acredito que isso acontece porque a minha bolha virtual fica me lembrando daquilo que eu já sei sobre mim.
Os algoritmos são loucos por comportamentos repetitivos, afinal. Agem e reagem à minha persona comum, rotineira.
Quando estive no Caribe, os códigos não perceberam, mas, em vez de gatos me olhando com cara de fome, toda manhã eu dava de cara com o mar lá fora. Gosto de dormir no escuro, mas lá fiz questão de deixar a porta aberta para a varanda da cabine, para ouvir o mar e sentir a maresia.
Em vez de correr para libertar o cachorro para o quintal ou trabalhar duro para tirar as crianças da cama, antes de qualquer coisa, eu costumava me desvencilhar do abraço gostoso dos travesseiros e parar. Me sentava na beira da cama e gastava uns bons minutos treinando meu olhar a apreciar um horizonte infinito, com tons de azul que fazem o céu se confundir com o mar.
Fantasiei que poderia flagrar algum peixe bem grande, como aquele de "O Velho e o Mar", história que Hemingway escreveu por aquelas bandas. Não encontrei nenhum animal aquático, infelizmente. Mas vi aves lindíssimas que acompanhavam o navio e, vez ou outra, usavam a estrutura dele para se proteger.
Uma semana fora não foi o suficiente para tirar todo o peso que eu, assim como milhões de mulheres e mães, venho carregando nas costas nestes tempos difíceis que temos vivido. Mas funcionou como um bom remédio paliativo e um exercício de reflexão sobre o quanto disponibilizamos de nossa vida, de coisas e momentos tão caros, a um universo movido por máquinas que, lá na frente, visam lucro.
Não voltei pronta para fazer campanha contra mundo virtual ou cancelar meus perfis. Não acredito em um mundo sem tecnologia, mas naquele em que nós, humanos, ainda sejamos capazes de usá-las a nosso favor. Não o contrário. Espero repetir essa experiência em viagens futuras e recomendo fortemente a quem estiver a fim de curtir as férias de verdade.
Na volta a gente posta.
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