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OPINIÃO

Nas viagens, Glória Maria era gente como a gente, que paga mico e sai rindo

Glória Maria viajou o mundo para aprender, mas o que fez foi nos ensinar - Reprodução
Glória Maria viajou o mundo para aprender, mas o que fez foi nos ensinar
Imagem: Reprodução

Colaboração para Nossa

03/02/2023 04h00

Glória Maria cobriu guerra, jogos mundiais, posses de presidentes. Mas nada deve ter deixado mais marcas na memória nacional que as suas viagens.

Foi entrando nas nossas casas para mostrar aventuras por 163 países que Glória conquistou nossos corações mostrando a beleza da diversidade do mundo — e despertou em tanta gente o desejo de viajar.

Com seu espírito livre e amor pela vida, mostrou como rezam as mulheres muçulmanas do Irã, as esquisitices (aos nossos olhos) que comem os chineses, como pescam os homens da Nigéria.

E ao retratar com naturalidade as diferenças no jeito de viver, de trabalhar, de casar e de morrer dos povos de todo o planeta, a primeira repórter preta da televisão brasileira nos ensinou que, apesar das diferenças, no fundo somos todos iguais.

"A alma, os desejos, as frustrações e as expectativas das pessoas são os mesmos. Em qualquer cultura, todos querem a mesma coisa: ter saúde e ser feliz", contou em uma de suas entrevistas.

Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Nas viagens que lotaram de carimbos os 15 passaportes de seus 50 anos de jornalismo, o que mais a fascinava era o encontro com as pessoas. "Gosto de viajar para entrar mais profundamente no ser humano", dizia.

Como aprende quem é picado pelo mesmo bichinho que viciou Glória Maria em estar sempre na estrada, poucas experiências trazem maior sensação de enriquecimento cultural que as viagens. "Viajar me ensinou sobre a gente, a vida, nossas vontades e nossos medos", disse.

Com suas centenas de reportagens, Glória mostrou a importância dos deslocamentos a outras terras para aprendermos a respeitar as vidas diferentes daquela à qual estamos acostumados em nossa rotina.

Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Estivesse Glória Maria anônima morando em Ibiza, na Espanha, como quando se apaixonou por um cigano, ou cercada pela parafernália da TV Globo cobrindo a Copa do Mundo da França de 1998, sua alma de viajante era sempre a mesma.

Se não dominava a língua, abria aquele sorriso largo ou tascava logo um abraço para se conectar com o anfitrião. Assim, criava caminhos para apurar histórias que surgiam justamente a partir da química dos encontros que fazemos ao viajar.

Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Referência no jornalismo televisivo, documental e de viagens, Glória Maria acabou imprimindo uma marca pessoal ao praticar o chamado jornalismo gonzo — aquele em que o narrador se mistura profundamente à ação, sujeito às situações mais absurdas para mostrar a exata experiência ao vivo, sem máscaras.

Quem esquece de quando ela fumou maconha na Jamaica, em 2016, e virou meme? Ou de sua estreia no gonzo com aqueles olhos arregalados ao saltar de asa-delta da Pedra Bonita, no Rio de Janeiro, em 1980?

VT no qual Glória Maria fuma maconha em tribo da Jamaica foi transmitido em 2016 - Reprodução de vídeo - Reprodução de vídeo
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Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Reconhecida como "corajosa" por Pedro Bial, "desbravadora" por Sandra Annenberg e "criadora de trilhas" por William Bonner, Glória Maria se dizia medrosa. Teve medo de saltar de bungee jump de uma altura equivalente a um prédio de 78 andares na China, em 2017, mas não deixou de se lançar. "Sou movida pela curiosidade e pelo susto", contou.

Era justamente esta naturalidade para expor as suas vulnerabilidades, como ser humano e turista, que aproximava Glória Maria do público. Era gente como a gente, que paga mico e sai rindo.

Glória Maria, viagens - Reprodução - Reprodução
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Ao transparecer seus receios e afetos — pelas viagens, pelas pessoas, pela aventura, Glória ganhou essa aura de heroína. Se ela viajava assim e dava tudo certo, por que eu não posso me lançar também?

Mostrou que o mundo é pequeno para quem é destemido, que mesmo uma mulher preta em um país desigual, filha de um alfaiate e uma dona de casa, pode rodar o planeta e entrevistar até o Michael Jackson e a Madonna.

E reforçou que nada, nesta curta existência na Terra, vai nos dar maior sensação de estarmos vivos do que as viagens.