Como preparar uma feijoada dos deuses, sem segredos
A cozinha brasileira é tão rica, ampla e variada, que é injusto dar o título de comida típica do país a um único prato. Porém, entre todas as alternativas dignas de menção honrosa, a feijoada é uma das que mais se destacam.
Não poderia ser diferente: de norte a sul, do inverno ao verão, da mesa abastada à mais modesta, a combinação do feijão-preto com carnes de porco, mais uma penca de acompanhamentos para lá de apetitosos, é sempre sucesso.
Como preparar a feijoada perfeita
Marcelo Neri, a chef Malu Mello, do Rio de Janeiro, e o chef Melchior Neto, do Botequim Carioca, dão dicas para deixar a feijoada ainda mais irresistível.
- O feijão-preto precisa ficar de molho por 12 horas. É importante retirar a espuma formada durante a fermentação e, também, trocar a água algumas vezes durante o processo;
- As carnes devem ser dessalgadas previamente. Malu sugere começar o processo três dias antes, deixando as peças em água, que deve ser trocada a cada 8 horas;
- Sele todas as carnes antes de cozinhá-las, cortando primeiramente em pedaços grandes. Depois de cozidas, reduza a pedaços menores. "A carne-seca fica muito bonita: escura por fora e, por dentro, consegue-se identificar a carne vermelhinha", comenta Malu;
- Evite fazer a feijoada na panela de pressão, porque ela fica mais saborosa e encorpada quando é cozida lentamente;
- "Se possível, prepare a feijoada na véspera, porque os sabores vão se misturando mais e o prato fica mais saboroso ainda", sugere Marcelo;
- Para uma versão light, pode-se optar pelo cozimento de feijão-preto com carne-seca, calabresa e peito bovino. "O preparo é o mesmo da tradicional, colocando primeiro as carnes mais duras e adicionando as menos duras ao longo do cozimento do feijão, que deve ser feito lentamente", diz Melchior.
Um pouco de história
Uma das teorias mais comuns liga a feijoada ao passado escravista do país. Segundo Rodrigo Rainha, historiador, professor de História e gestor nacional dos cursos de licenciaturas da Estácio, uma grande mentira.
Segundo o especialista, a ideia não tem fundamento porque os serviçais precisavam de alimentos com sustância para suportarem as condições de trabalho a que eram submetidos. "Tinha que ser uma comida barata, mas que fosse forte em gorduras e carboidratos", comenta.
Além disso, as partes do porco que seriam menos nobres eram disputadas e tratadas como iguarias pelos senhores, como observa Marcelo Neri, professor do curso de Gastronomia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
De acordo com Marcelo, é mais provável que a feijoada tenha vindo dos cozidos europeus, como o "cocido" espanhol, o "cassoulet" francês e cozido português, pratos criados em momento de escassez de alimentos - entre os séculos 16 e 18. À época, legumes, leguminosas, carnes e embutidos (quando disponíveis) eram preparados todos numa mesma panela.
"O feijão-branco foi trocado pelo feijão-preto, muito provavelmente por uma escrava na cozinha da sua senhora que, em momento de aperto por não ter o feijão comumente utilizado, adotou o feijão-preto no preparo", comenta Rubia de Cássia Fonseca Iubel, professora do curso de Tecnologia em Gastronomia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
A configuração atual do combo da feijoada - feijões, carnes de porco, farinha, couve e laranja, além do arroz branco - só foi ganhar forma na segunda metade do século 19, segundo Rodrigo Rainha.
Em cada canto, um jeito
Marcelo lembra que o prato muda conforme a localização geográfica. "A feijoada nordestina, por exemplo, leva feijão-mulatinho no lugar do feijão-preto e pode ser acompanhada por maxixe, batata-doce, quiabo e jiló. Já a maniçoba é a feijoada da região norte do país, especificamente do estado do Pará, onde, ao invés do feijão, leva as folhas da mandioca trituradas - a maniva", mostra.
Mas, regra geral, a tradicional feijoada é feita com metade das carnes salgadas (como carne-seca e lombo) e outra metade com carnes defumadas (entre as quais a costelinha). Mesmo não sendo unanimidade, pé, orelha e rabo de porco são obrigatórios, pois dão sabor e consistência à feijoada, além do paio e linguiça. "Pode-se também optar pela carne fresca, como o lombo e a costelinha", acrescenta o professor da Mackenzie.