Museus ucranianos observam retirada russa com desconfiança
Para entrar no Palácio Potocki, uma joia da arquitetura ucraniana, é preciso se identificar, passar por soldados armados e por baixo de alguns andaimes. Tudo isso para ver paredes vazias.
A vida recuperou alguma normalidade em Lviv, no oeste da Ucrânia, desde que as tropas russas deixaram a região de Kiev para concentrar sua ofensiva no sul e no leste do país.
Mas os museus da autoproclamada capital cultural continuam temerosos de que os invasores destruam a cultura ucraniana, assim como destruíram as cidades. "Gostaríamos de abrir um pouco mais, mas a segurança é difícil", justifica o vice-diretor da Galeria Nacional de Lviv, Vassyl Mytsko.
"Como podemos saber se os russos não estão reunindo forças novamente para lançar seus foguetes contra nós?", questiona. A equipe da galeria se surpreendeu quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro. "Não achávamos que os ataques iriam tão longe" até ameaçar Lviv, diz Mytsko.
Os curadores do museu ficaram, inicialmente, surpresos e começaram a empacotar esculturas e pinturas, algumas avaliadas em milhões, para levá-las para abrigos seguros.
O Potocki, que abriu apenas para a AFP, não é exceção. Os trabalhadores aproveitaram a ausência de telas para pintar as paredes. Desde o início de maio, dois outros locais da Galeria Nacional nos arredores de Lviv começaram a reabrir ocasionalmente ao público.
Mas não é possível que os museus da cidade abram suas portas "até que haja uma grande mudança, politicamente, ou no terreno", aponta Mytsko.
As tropas do Kremlin já bombardearam um museu perto de Kiev dedicado à artista Maria Primachenko, e outro, em Kharkiv, dedicado ao filósofo Grigori Skovoroda. Por isso, ainda são uma ameaça para Lviv. "Eles querem destruir a identidade ucraniana e suas raízes europeias", assegura.
Arrasado
O diretor do Museu de História de Lviv, Roman Shmelik, também desconfia do potencial risco. O acervo do museu está dividido em dez edifícios centenários, mas apenas dois deles abriram em 1º de maio — um deles, para seu café, e outro, para uma exposição infantil.
Os edifícios permanecem vazios, e seus tesouros foram transferidos para outro lugar. Shmelik lembra como os soviéticos controlaram Lviv na Segunda Guerra Mundial e transformaram o museu em uma "ferramenta de propaganda".
"Eles tiraram a exibição permanente e substituíram-na por uma que glorificava o Exército Vermelho", lembra, indignado.
Em todo país, os soviéticos "se comportaram como tratores", concorda Mykola Bevz, professora de arquitetura da Universidade de Lviv que ajudou a cidade a ganhar o "status" de patrimônio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Com seus 3 mil monumentos, Lviv estava mais capacitada do que outras cidades para evitar o "planejamento urbano" soviético, opina. Em primeiro lugar, porque o "berço do patriotismo ucraniano" caiu tardiamente nas mãos dos soviéticos e, em segundo, porque "houve um movimento intelectual que montou uma resistência hábil".
Além disso, os moradores de Lviv conseguiram salvar a parte histórica da cidade que deveria ser demolida para a construção de uma grande praça para desfiles militares, acrescenta Bevz.
Mytsko diz que seu antecessor na galeria, Boris Voznitsky, conseguiu enriquecer a coleção de obras religiosas do museu, apesar da política oficial soviética de ateísmo.
Shmelik, que se identifica com esses defensores da herança ucraniana, citou a importância de proteger os museus de Lviv "para contribuir para a formação da nossa identidade nacional".
Diante da afirmação do presidente russo, Vladimir Putin, de que não há uma identidade ucraniana, porque russos e ucranianos são um mesmo povo, Shmelik diz: "Somos ucranianos e não temos nada a provar".
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