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Canadá e Dinamarca resolvem 'guerra amigável' por ilhota remota do Ártico

Ilha Hans - Toubletap/Creative Commons
Ilha Hans Imagem: Toubletap/Creative Commons

da AFP, em Ottawa

15/06/2022 11h17

O Canadá e a Dinamarca finalmente resolveram um conflito "amigável" de décadas por um pequeno, árido e desabitado território do Ártico, combatido com armas especiais: bandeiras, uísque e licor.

Ambas as partes anunciaram formalmente o acordo para dividir a Ilha Hans e criar a primeira fronteira terrestre entre o Canadá e a Europa em uma cerimônia em Ottawa, com a presença dos ministros das Relações Exteriores do Canadá e da Dinamarca.

Dividir a ilha e resolver o conflito de 49 anos será considerado um modelo para a resolução pacífica das disputas territoriais, em contraste com a guerra desencadeada pela invasão russa da Ucrânia desde o final de fevereiro.

"O Ártico é um farol para a cooperação internacional, onde prevalece o estado de direito", disse a ministra canadense das Relações Exteriores, Melanie Joly.

"Como a segurança global está ameaçada, é mais importante do que nunca que democracias como Canadá e Dinamarca trabalhem juntas, com os povos indígenas, para resolver nossas diferenças de acordo com o direito internacional", ressaltou.

A guerra do uísque

A disputa pela Ilha de Hans — de 1,3 quilômetros quadrados e localizada entre Ellesmere e Groenlândia — começou em 1973, ano em que foi traçada uma fronteira marítima entre o Canadá e a Groenlândia, território autônomo que integra o reino da Dinamarca.

Dinamarqueses e canadenses sobrevoam a ilha de helicóptero há décadas para reivindicá-la, provocando protestos diplomáticos, campanhas online e até um pedido canadense para boicotar os doces dinamarqueses.

Durante essas visitas ministeriais, cada lado colocava uma bandeira e deixava uma garrafa de uísque ou licor tradicional para o outro lado desfrutar.

O comandante da fragata HDMS Triton da Marinha Real Dinamarquesa após hastear a bandeira na Ilha Hans em 2003 - Per Starklint/Creative Commons - Per Starklint/Creative Commons
O comandante da fragata HDMS Triton da Marinha Real Dinamarquesa após hastear a bandeira na Ilha Hans em 2003
Imagem: Per Starklint/Creative Commons

"Muitos a chamaram de guerra do uísque. Acho que foi a mais amigável de todas as guerras", disse Joly sobre a disputa que atraiu nada menos que 26 ministros das Relações Exteriores ao longo dos anos, em coletiva de imprensa com seu homólogo dinamarquês, Jeppe Kofod.

Este último lembrou que a resolução do conflito surge, no entanto, em um momento em que "a ordem internacional baseada em regras está sob pressão" e os valores democráticos "estão sob ataque".

Inspirar outros

"Vemos graves violações das normas internacionais se desenvolvendo em outra parte do mundo", acrescentou, referindo-se à guerra na Ucrânia. "Pelo contrário, mostramos como disputas antigas podem ser resolvidas pacificamente seguindo as regras", disse o ministro dinamarquês, que espera que essa experiência "inspire outros países a seguir o mesmo caminho".

Os dois líderes trocaram garrafas e riram das sugestões de que o Canadá agora poderia se juntar à UE, pois compartilha uma fronteira terrestre com a Europa.

O local é inabitável, mas com o aquecimento global está atraindo mais tráfego de navios para o Ártico, abrindo-o para a pesca e exploração de recursos, embora talvez não na área específica da Ilha de Hans.

A Ilha Hans vista pelo satélite World Wind da NASA em 2005 - NASA/Creative Commons - NASA/Creative Commons
A Ilha Hans vista pelo satélite World Wind da NASA em 2005
Imagem: NASA/Creative Commons

O especialista em assuntos do Ártico Michael Byers observou que "a ilha é tão incrivelmente remota que é economicamente inviável contemplar qualquer atividade séria lá".

No entanto, adiar a resolução dessa disputa territorial foi um bom teatro político para ambos os países."Foi uma disputa de soberania totalmente livre de riscos entre dois aliados da Otan por uma ilha pequena e insignificante", disse Byers à AFP.

A Dinamarca temia que perder a batalha pela ilha prejudicaria as relações com a Groenlândia. Por sua parte, o Canadá queria evitar que a perda do território enfraquecesse sua posição em uma disputa maior com os Estados Unidos pelo mar de Beaufort, no extremo noroeste do Canadá, que se acredita ser rico em hidrocarbonetos.