Na Áustria, desfile de São Nicolau continua assustando como no século 19
O tradicional desfile de São Nicolau não muda há séculos na cidade austríaca de Bad Mitterndorf, o que já lhe rendeu uma prestigiosa classificação da Unesco.
Patriarcas desalinhados e chicotes que estalam na noite de neve são algumas das características deste costume cristão, que é realizado todo 5 de dezembro desde o século 19 e é considerado patrimônio mundial imaterial. Segundo a Unesco, é "um dos poucos que se conservam nesse estilo".
São Nicolau, celebrado no mundo germânico há séculos, é acompanhado nesta cidade alpina da Estíria (leste) por dezenas de personagens que se assemelham a um demônio.
Os "Krampus" cobertos de pele de carneiro preto atacam a multidão para puni-los por seus pecados, gritam de maneira assustadora e vestem máscaras de madeira esculpidas à mão.
Batizado de "Nikolospiel", espetáculo costuma atrair uma multidão, garante Alfred Speckmoser, de 54 anos, um dos organizadores desta encenação preparada desde outubro.
Demônios de inverno
Antes de vestirem suas fantasias, os participantes tocam música folclórica em uma taverna e bebem um chá para se aquecer, acompanhado por um bom copo de schnaps, aguardente de pêra destilada pelos agricultores locais.
Todos, 130 no total, são homens. A única vez que uma mulher foi aceita foi durante a Primeira Guerra Mundial, para representar o anjo da guarda. Animada pelo álcool, a procissão infernal parte ao anoitecer, passando de albergue em albergue.
Os "Schabs", doze silhuetas cobertas de palha equipadas com antenas de mais de três metros, abrem o caminho, expulsando os demônios do inverno com seus sinos ensurdecedores.
Em cada parada, a mesma cena se repete. São Nicolau pergunta às crianças, reunidas em torno de uma fogueira, sobre seus conhecimentos de catecismo e recompensa os mais estudiosos com doces. Então, a Morte aparece acompanhada de Lúcifer e seus cúmplices sequestram — de brincadeira — as crianças que se comportam mal para levá-las para o inferno.
"Quem nunca participou pode achar isso assustador", admite Daniela Pücher, uma moradora do vilarejo. Embora a prática tenha diminuído ao longo dos anos, "os mais jovens têm medo e se perguntam se se comportaram bem para escapar do diabo".
"Reforçar a fé"
"Há 150 anos, essa era uma maneira da Igreja Católica transmitir sua mensagem aos camponeses mais velhos que não sabiam ler, nem escrever", compartilha Martin Rainer, de 56 anos, chefe da associação organizadora.
Para Katharina Krenn, chefe do museu regional no Castelo de Trautenfels, "os jesuítas promoviam fortemente" o Nikolospiele para "reforçar a fé católica" ou "recatolicizar regiões protestantes".
Os textos não mudaram desde que foram transcritos da tradição oral em 1863. Eles estão "ultrapassados hoje", sublinha Herbert Neuper, de 77 anos. "Mas mostram como era antes." No entanto, isso não assusta os adolescentes, que, em tempos dominados pelas telas, trabalham arduamente para se integrarem na associação.
"Estamos muito orgulhosos de termos preservado nossa tradição em toda a sua autenticidade e temos certeza de que a transmitiremos como sempre foi, graças ao seu compromisso", disse Martin Rainer.
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