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Casa centenária em SP é tombada após bisneta de imigrante fazer restauração

"Guardiã" da Casa Amarela, Janice de Piero acaba de conseguir aprovação do tombamento da residência, uma das mais antigas da Vila Romana, zona oeste paulistana - Reprodução/Estadão
'Guardiã' da Casa Amarela, Janice de Piero acaba de conseguir aprovação do tombamento da residência, uma das mais antigas da Vila Romana, zona oeste paulistana
Imagem: Reprodução/Estadão

São Paulo

27/11/2021 18h21

Do alto de uma ladeira, uma casa centenária é uma das raras testemunhas remanescentes do início da urbanização da zona oeste paulistana. A residência resistiu ao tempo, mas não sem passar por degradação e ser até alvo de boatos de ser mal-assombrada. A situação, porém, passou a mudar a partir dos anos 1.990, graças à "guardiã", que lhe trouxe um novo nome: Casa Amarela da Vila Romana.

O espaço hoje está recuperado e preservado. A arquitetura originalmente simples, com fachada neoclássica, é um dos motivos para que seja visto como uma joia do bairro, e da cidade. O reconhecimento não é apenas popular, mas também oficial, com o tombamento aprovado na última segunda-feira (22).

Na decisão, o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico (Conpresp) destacou o caráter "cultural, artístico e, em especial, afetivo" da casa para a população. A fim de garantir a visibilidade do imóvel, o terreno vizinho não poderá ter construções com altura acima de cinco metros.

Erguido num sítio do imigrante italiano Angelo de Bortoli, para ser uma residência de aluguel para conterrâneos, o imóvel data de 1.921. Ele foi passado de geração a geração até chegar à "guardiã", a artista Janice de Piero, de 63 anos, bisneta do primeiro dono.

Sem muros

Fachada da Casa Amarela da Vila Romana - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Fachada da Casa Amarela da Vila Romana
Imagem: Reprodução/Instagram

Ao se casar, Janice se mudou para o endereço, onde há duas residências, iniciando uma série de reformas paulatinas, com o trabalho braçal de parentes. O imóvel principal tem a fachada frontal amarela, com o topo triangular, com esquadrias de madeira pintadas de verde. A porta de entrada e as janelas são voltadas para a rua. Não há muros.

Dentro, não há corredores entre os três cômodos: sala, quarto e cozinha. Há ainda um banheiro, originalmente externo. "Não tem nada que as casas hoje em dia têm, com grades, proteções. É de um outro tempo. Eu mesmo, quando a olho, parece que entro para outra dimensão", descreve a artista.

A Casa Amarela foi, aos poucos, transformada parcialmente em ateliê. Com o restauro, passou a chamar mais atenção e se tornou referência local para atividades socioculturais, como rodas de conversa, clubes de leitura e exposições. "Todo o mundo queria ver como é, então comecei a abrir para as pessoas", relata. A verticalização do bairro também contribuiu para o destaque do espaço. "Várias casinhas lindas foram se perdendo. A minha passou a ser valorizada."

Ao longo dos anos, o local ainda recebeu exposições e projetos artísticos relacionados com a vizinhança. Um deles reuniu, por exemplo, móveis e objetos antigos para dar ideia de como o era a vida no espaço há quase 100 anos. Janice descreve o trabalho como "arte relacional", por aproximar a trajetória da casa e do bairro, e destaca seu cunho político, por se opor a um desenvolvimento urbano que ignora memória e afeto. "A casa não é só minha, tem a história de todo o mundo, principalmente das pessoas mais velhas do bairro. Não é só para ser bonita. É uma casa de resistência."

Hoje, na Vila Romana, há outros quatro bens da primeira metade do século passado tombados: a Sociedade Beneficente União Fraterna, o conjunto da Igreja São João Maria Vianney (templo católico e sobrados geminados), a antiga Fábrica Companhia Melhoramentos e o conjunto de seis casarios da Rua Coriolano.

Tombamento

Foi neste contexto que Janice pediu o tombamento da casa, em 2017, acatado na última segunda após estudos do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Prefeitura, e aval do Conpresp. O pedido não enfrentou tantas dificuldades, pois ela já tinha um acervo de fotos e documentos sobre o espaço, incluindo um livro de quase 50 anos, escrito por um tio-avô.

Do "bisnono", como diz, ela sabe que chegou ao Brasil no fim do século 19, aos 18 anos, sem dinheiro, analfabeto e às próprias custas, sem passar pela imigração ou pela antiga hospedaria do Brás. "Olha que corajoso", orgulha-se. Hoje, ela considera a casa a sua maior obra enquanto artista, arte-educadora, professora e cidadã. "Essa casa é importante para minha vida. E para a cidade."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.