A constante luta de Berlim por aluguéis mais baratos
Em referendo, 56,4% dos eleitores na capital alemã votaram a favor de expropriar milhares de residências de empresas imobiliárias.
Berlim tem atraído cada vez mais gente para a sua famosa atmosfera artística, liberal e de polo tecnológico. Nos últimos anos, a cidade ganhou uma média de 60 mil pessoas por ano. E, segundo previsões do Deutsche Bank, deve atingir 4 milhões de habitantes em 2030.
Outro aspecto da capital alemã, contudo, tem registrado altas mais elevadas (e preocupantes): o preço dos aluguéis.
Segundo um levantamento da imobiliária Guthmann, empresa baseada em Berlim, o aluguel na cidade aumentou 13,3% na comparação com o ano passado, atingindo uma média de 13,05 euros (R$ 82,00) por metro quadrado. O aluguel em prédios novos subiu 62,6% nos últimos cinco anos, contra 37,4% nos demais edifícios.
Outro estudo do portal de imóveis Immowelt indica que os preços subiram 42% nos últimos cinco anos, passando de uma média de 9 euros (R$ 57,00) por metro quadrado para 12,80 euros (R$ 81,00). Esse valor ainda é muito menor do que o custo do metro quadrado para aluguel em Paris (28,60 euros), Londres (26,07 euros) e Bruxelas (13,93 euros), mas maior do que em Viena (8,65 euros) e Budapeste (9,76 euros), segundo a consultoria Deloitte.
Habitação com valores acessíveis é um tema central para a população e governos da cidade-estado (quase sempre coalizões de esquerda). No mais recente esforço neste sentido — no domingo 26, durante as eleições federais e estaduais (para Berlim) —, 56,4% dos eleitores berlinenses (mais de 1 milhão de pessoas) votaram a favor de expropriar propriedades residenciais de grandes empresas em um referendo que coletou mais de 170 mil assinaturas para chegar às urnas. 39% votaram contra.
O referendo não é legalmente vinculante, mas força o novo governo e o Senado da cidade a criarem um projeto de lei que poderia levar a cidade a comprar cerca de 225 mil imóveis. O projeto focaria em estatizar, por um preço abaixo do valor atual de mercado, unidades residenciais de empresas que possuam mais de 3 mil dessas propriedades. A Deutsche Wohnen, por exemplo, é dona de cerca de 113 mil imóveis residenciais na capital.
"No passado, um referendo foi ignorado pelo governo de Berlim. Isto não será possível neste caso, pois uma clara maioria dos berlinenses se pronunciou a favor desta linha de ação", afirma à BBC News Brasil Wibke Werner, diretora administrativa-adjunta da Berliner Mieterverein e.V., a associação de inquilinos de Berlin.
Se o governo local ignorar este referendo, prossegue Werner, haveria "um grande ressentimento" entre o eleitorado e uma nova campanha por outro referendo, que colocaria "em votação uma lei concreta sobre socialização" desses imóveis.
Em uma população de 3,6 milhões de habitantes, mais de 1 milhão de votos a favor da proposta colocará o Senado sob pressão política "para reagir dentro de um tempo relativamente curto, de forma transparente e séria, demonstrando boa vontade", defende Christian Pestalozza, especialista em Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Livre de Berlim.
Apesar de a nova composição do Senado ainda não estar definida, a inatividade da Casa pode causar duas consequências extremas, acredita Pestalozza. "Os eleitores poderiam vingar-se dissolvendo a Abgeordnetenhaus (Casa dos Representantes), derrubando assim o Senado. Depois, poderiam iniciar um novo referendo propondo (e eventualmente aprovando) uma lei regulando a socialização [dessas propriedades]. Ou seja, tomariam o assunto em suas próprias mãos em vez de pedir ao Senado."
Há dúvidas, entretanto, sobre a constitucionalidade de uma possível lei baseada no referendo. A futura prefeita de Berlim, a social-democrata Franziska Giffey, é contra as expropriações, mas disse o governo local dará andamento no projeto, que seria analisado para verificar sua viabilidade. A conta para a cidade poderia ultrapassar 20 bilhões de euros (cerca de R$ 127 bilhões).
Luta constante
Berlim têm tentado impedir que seus aluguéis se tornem tão caros quanto em metrópoles europeias como Londres e Paris, uma vez que apenas 17,4% de seus habitantes são donos de imóveis na cidade, contra 82,6% de inquilinos, de acordo com o órgão federal de estatísticas do governo alemão.
A ideia por trás da expropriação é impedir que o aluguel dos imóveis estatizados suba demais. Por outro lado, críticos alegam que o projeto não resolve o problema habitacional, porque não cria novas residências. Neste contexto, tal lei deve enfrentar batalhas legais por parte de setores e empresas afetadas.
"As empresas imobiliárias afetadas dificilmente forneceram novas moradias no passado, mas aumentaram seus aluguéis modernizando e re-arrendando apartamentos existentes. O objetivo [do referendo] é dar mais peso ao interesse público na política habitacional e ver a oferta de moradia como um serviço de interesse geral no futuro", acredita Werner.
Para a representante da Berliner Mieterverein e.V., "obviamente" novas construções são necessárias, mas focando "no segmento acessível, orientado para as necessidades da população berlinense". "O referendo tornará mais difícil para investidores exclusivamente orientados ao lucro, que veem o aluguel de casas exclusivamente como um modelo de negócio para aumentar seus ativos para implementar sua estratégia comercial em Berlim."
Preços fora de controle
Não é por acaso que habitação acessível é um tema importante para os berlinenses. É comum encontrar na cidade empresas oferecendo quartos minúsculos em repúblicas (por volta de 10 metros quadrados) por mais de 500 euros por mês (R$ 3,2 mil) a depender da localização. Em regiões nobres e "na moda", como Prenzlauer Berg, pode ser difícil encontrar até mesmo um quarto por menos de 600 euros (R$ 3,8 mil).
Alugar apartamentos inteiros costuma ser ainda mais exaustivo. Não raro, os interessados competem com mais de 40 pessoas pelo imóvel desejado.
A Guthmann estima que haja um déficit habitacional de cerca de 205 mil unidades na capital alemã. Ademais, a empresa aponta que desde 2010, o segmento de aluguéis entre 5 e 8 euros por metro quadrado (o mais acessível para a população) tem encolhido. Já o mercado para habitações mais caras, acima de 14 euros por m², tem ganhado cada vez mais espaço.
Berlim enfrenta diversos desafios para construir mais moradias, que vão desde a dificuldades para obter permissões de construção, escassez de matérias-primas, e custos mais elevados com terrenos. Por isso, Pestalozza argumenta ser improvável que Berlim consiga regular sozinha aspectos tão profundos do mercado imobiliário. "Somente uma reforma drástica a nível federal ajudará."
Proteções aos inquilinos
Os preços dos alugueis em Berlim já são parcialmente controlados desde julho de 2015 via lei Mietpreisbremse, regulada em âmbito federal. Entre diversos pontos, a lei proíbe proprietários de imóveis de cobrar preços abusivos, usando como base valores comparativos locais de aluguel. Mas há diversos problemas com a execução da medida.
Por exemplo, em geral, cabe ao inquilino confrontar o senhorio na Justiça para forçar uma redução do aluguel, uma ação que implica em custos legais. Os donos também podem demorar para apresentar os documentos a fim de atrasar o processo. Diversos imóveis não são cobertos pela lei e modernizações do imóvel (mesmo que desnecessárias) permitem aos donos cobrar mais no aluguel.
Na Alemanha, inquilinos possuem direitos sólidos em contratos de aluguel. Entre eles, o fato de que contratos considerados abusivos por parte dos proprietários não são válidos mesmo que tenham a assinatura do locatário. O valor da caução é limitado ao equivalente a três meses de aluguel e o preço do aluguel, em geral, só pode subir a 15% em um período de três anos e deve ser o mesmo por 12 meses.
Além disso, inquilinos não podem ser despejados sem justificativas válidas. É preciso dar aviso prévio de três meses aos inquilinos, mas esse prazo aumenta conforme o tempo vivido no local. Outra vantagem é a existência de contratos sem tempo de duração, que geralmente permitem aos inquilinos viverem por diversos anos em um mesmo imóvel sem grandes aumentos de aluguel.
Tentativa ousada fracassou
No começo de 2020, entrou em vigor em Berlim uma ambiciosa lei que congelava os aluguéis por cinco anos no nível de junho de 2019 e limitava os preços máximos dos arrendamentos. Em muitos casos, proprietários foram forçados a abaixar os aluguéis em centenas de euros por mês.
O objetivo era controlar os preços e dar ao mercado e o governo tempo para construir novas habitações. Associações imobiliárias e proprietários protestaram contra o teto e o caso chegou à Corte Constitucional Federal, a mais importante do país, em abril deste ano. A corte decidiu que a medida era inconstitucional porque Estados não teriam poder de controlar aluguéis.
Por enquanto, a nova tentativa de Berlim em reduzir os preços de aluguel via referendo tem um futuro incerto. Mas Werner acredita que, talvez, seja possível pressionar o setor imobiliário sem que a lei precise ser aprovada.
Para isso, o governo berlinense precisaria convencer as companhias a baixarem os aluguéis sozinhas ou a aceitarem um congelamento ou abdicarem de modernizações exageradas, em troca de obterem condições melhores para construírem imóveis com perfil mais barato. "No entanto, é questionável se a iniciativa [privada] acabaria por concordar com tal solução", diz.
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