A vila indiana onde os nomes das pessoas são músicas
Em uma aldeia remota de Meghalaya, os moradores têm três nomes: um nome normal, uma música distinta e uma melodia mais curta que é semelhante a um apelido.
O canto estridente das cigarras chegou aos meus ouvidos na densa selva subtropical enquanto dirigia pela estreita estrada esculpida nas colinas íngremes.
Depois de uma curva, um som diferente ecoou pelo vale — este mais suave, melodioso, quase misterioso.
Algumas curvas perigosas depois, surgiram as primeiras casas de Kongthong, acompanhadas por melodias pairando no ar enquanto um morador chamava outro.
Situada entre as montanhas orientais Khasi, no Estado de Meghalaya, no remoto nordeste da Índia, a vila de Kongthong só é acessível por uma viagem de três horas de carro da capital do Estado, Shillong.
A civilização é esparsa nesta região, e a vila é cercada por cumes altos magníficos e desfiladeiros vertiginosamente profundos.
Também é o lar de uma tradição única chamada "jingrwai iawbei", que prospera aqui há séculos.
De acordo com esta tradição, cada recém-nascido em Kongthong recebe da mãe tanto um nome normal quanto uma música melódica distinta ao nascer.
Embora o nome seja usado apenas para fins oficiais, a música se torna sua identidade, à qual eles respondem ao longo de suas vidas.
Uma vez que uma pessoa morre, sua melodia morre com ela, para nunca mais ser repetida para ninguém.
"É uma expressão do amor desmedido e da alegria de uma mãe pelo nascimento do filho. É como uma canção do coração de uma mãe, cheia de ternura, quase como uma canção de ninar", diz Shidiap Khongsit, uma mulher pertencente à tribo Khasi — uma das três tribos de Meghalaya e aquela que habita Kongthong.
Ela usava um "jainsem simples" (traje tradicional parecido com um sarongue) e seu sorriso acolhedor estava misturado com suco de noz de betel (ou de areca) quando ela me convidou para uma xícara de chá em sua modesta casa.
Dentro da cabana de um cômodo com telhado de palha inclinado, sentamos de pernas cruzadas no chão de madeira.
Em um canto, Khongsit e seu marido, Bring Khongjee, se ocuparam acendendo o fogo.
Enquanto botava fogo na lenha ao soprar ar por um longo tubo, Khongsit falou sobre seus quatro filhos e cantou seus nomes musicais para mim — cada um com 14 a 18 segundos de duração e nitidamente distinto um do outro.
"Estas são as versões mais longas e originais que cantamos nos campos, quando é preciso chamar alguém pelas colinas e vales", explica.
No passado, as melodias eram usadas para não se perderem na floresta durante a caça, e também "para afastar os maus espíritos".
"Acreditamos que os maus espíritos que moram nas florestas não conseguem distinguir nossas melodias umas das outras ou dos gritos de animais. Portanto, nenhum mal acontece a você quando é chamado por sua música na floresta", diz Khongsit.
Ela explica que também existe uma versão mais curta, um trecho da melodia longa que se assemelha a um apelido, que é cantado quando seu interlocutor está mais perto, ao alcance da voz, digamos em casa ou no parquinho.
Quando ouvidas de longe, as músicas soam como assobios, e é por isso que Kongthong é conhecida como "Vila do Assobio".
Enquanto Khongsit me entregava uma xícara de chá vermelho bem quente, servido sem leite e com uma generosa porção de açúcar, perguntei a ela sobre a origem dessa prática.
"Ninguém pode dizer ao certo quando começou, mas a maioria concorda que existe desde que Kongthong surgiu", responde ela.
"Kongthong em si está aqui antes mesmo de o reino de Sohra ser estabelecido por nosso povo e por aqueles de outras aldeias na área."
Considerando que o reino de Sohra foi fundado na vizinha Cherrapunji, famosa por ter sido o lugar mais úmido da Terra, em algum momento do início do século 16, podemos estimar a idade da vila ? e por tabela, a origem da prática ? em mais de 500 anos.
No entanto, em todo esse tempo, o costume nunca foi documentado, até recentemente.
Piyashi Dutta nasceu e foi criada em Shillong e atualmente é professora assistente na Amity School of Communication em Noida, perto de Délhi.
Ela tomou conhecimento sobre Kongthong enquanto pesquisava sociedades matrilineares para seu doutorado.
"Meghalaya é uma sociedade matrilinear, onde os princípios, ethos, tradições e costumes matrilineares estão profundamente enraizados no sistema e são transmitidos oralmente de geração em geração", diz ela.
"Kongthong não é exceção. Aqui, a prática das melodias ou músicas como nomes está enraizada em seu ethos cultural e passada adiante oralmente. É também uma manifestação de sua matrilinearidade."
"Jingrwai iawbei" significa uma melodia (jingrwai) cantada em homenagem à ancestral original ou à primeira mãe do clã (iawbei).
"Então, uma conotação simbólica também está ligada à prática — de que você não está apenas atribuindo uma música a um recém-nascido, mas também prestando uma homenagem e pedindo a bênção de sua ancestral original."
Na verdade, o artigo de Dutta sobre Kongthong publicado em 2016 no Indian Sociological Bulletin, é a primeira documentação da prática.
No mesmo ano, o premiado cineasta indiano Oinam Doren lançou um documentário de 52 minutos intitulado "My Name is Eeooow" sobre Kongthong e sua tradição única.
O filme, que ganhou o Tangible Culture Prize no 15º RAI Film Festival em Bristol, no Reino Unido, explora o que acontece com essa expressão maternal de amor quando os filhos saem do ninho para cidades maiores e são expostos a estilos de vida modernos.
Até pouco tempo, se mudar para Shillong ou outras cidades era algo praticamente inédito em Kongthong, embora só tenha escolas até o ensino fundamental.
Mas, recentemente, um número cada vez maior de jovens está saindo para estudar e buscar oportunidades de emprego, e muitos estão perdendo o contato com suas tradições.
"Isso é algo que a comunidade deve resolver", diz Dutta.
"Talvez eles possam ter sessões comunitárias em que o significado da prática ancestral seja discutido e sejam avaliadas opções sobre como continuar, mesmo quando você está morando em outro lugar."
Para uma sociedade predominantemente agrária, a criação de empregos em outros setores, como o turismo, também pode ajudar a vila a reter ou atrair seus jovens de volta.
Enquanto eu estava em Kongthong, conheci Rothell Khongsit, que havia se mudado para Shillong para estudar e conseguir um cobiçado emprego público, mas desistiu e voltou para a vila ? para desgosto de sua mãe.
Agora ele é presidente do Comitê de Desenvolvimento da Vila de Kongthong e secretário da Sociedade Cooperativa de Agroturismo Indígena da aldeia.
"Eu não estava satisfeito com um bom emprego público na cidade grande", diz ele.
"Meu coração estava aqui na minha vila, e eu era apaixonado por promover nossa cultura."
Até recentemente, diz Rothell, os moradores não estavam cientes de que sua prática única poderia ser um atrativo para os visitantes.
"Para nós, está enraizado em nosso DNA. Uma mulher não é ensinada a compor uma música, isso acontece naturalmente após o parto. Aprendemos as músicas atribuídas a nós, assim como a nossos familiares e amigos, assim como nós aprendemos a nossa língua materna — ouvindo desde o nascimento."
Porém, ultimamente, diante do interesse crescente de pessoas de fora pelo lugar devido ao maior acesso e visibilidade, a vila está começando a perceber seu potencial turístico.
Em 2014, foi construída uma estrada para Kongthong que substituiu a antiga trilha de caminhada pelas montanhas; e um ano antes, uma hospedagem foi construída no vilarejo no estilo tradicional, usando materiais locais como bambu.
Desde então, a vila viu chegar lentamente viajantes de toda a Índia.
Em setembro passado, foi nomeada para o prêmio de Melhor Vila Turística da Organização Mundial de Turismo da ONU, que reconhece "vilas que adotam abordagens inovadoras e transformadoras para o turismo em áreas rurais em conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável".
Enquanto eu caminhava pela vila, fiquei impressionado com o quão atraente era. Vias sinuosas eram margeadas por plantas floridas repletas de borboletas coloridas.
Casinhas de sapê espalhadas casualmente por toda parte, davam a impressão de ser um projeto de arquitetura.
A vila também estava excepcionalmente limpa e sem lixo.
Enquanto Rothell me guiava para o campo de futebol e depois para um mirante, ambos oferecendo panoramas deslumbrantes dos cumes ao redor, ele me contou seus planos de desenvolver Kongthong como uma vila histórica.
"Este lugar não é para quem quer apenas visitar pontos turísticos; sinceramente, além da beleza paisagística natural, não há muito o que ver", diz ele.
"Kongthong é para aqueles com um gosto mais exigente, aqueles que querem experimentar a cultura rara e única que temos aqui, aqueles que se preocupam em ouvir, compreender e apreciar o que só podem encontrar aqui e em nenhum outro lugar."
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