Amor não é turismo: histórias de casais separados pela pandemia
Usando hashtags como #LoveIsNotTourism, casais binacionais pedem que países abram exceções de viagem em meio ao fechamento das fronteiras. "É muito ruim não saber quando nos veremos de novo", diz brasileira na Alemanha. No interior do estado americano do Texas, a grávida Corsi Crumpler não consegue acreditar que poderia até mesmo frequentar cassinos e bares, em meio a uma pandemia, mas não pode ter o pai de seu filho segurando suas mãos quando chegar a hora de dar à luz.
A ourives de 28 anos nunca quis se tornar uma ativista social. Com base na papelada que seu advogado apresentou para seu noivo irlandês em fevereiro, Corsi planejava seu verão dos sonhos: um casamento, um novo lar juntos e a chegada de seu bebê Taos.
Mas a crise da covid-19 frustrou seu plano quando as fronteiras dos Estados Unidos e da Europa foram fechadas em março, deixando o futuro marido Sean Donovan de mãos amarradas em Dublin.
"Não tenho nem palavras para descrever o estresse que tudo isso me causou", afirma Corsi, gestante de 39 semanas. "Não previa que, cinco meses depois, meu noivo não iria conseguir sentir nenhuma vez o chute do bebê, nem ajudar a montar o berço e o quarto da criança. Ou seja, fazer todas as coisas que vêm junto com o fato de se tornar pais pela primeira vez."
Enquanto as taxas de contágio seguem altas nos Estados Unidos, só o medo de ser infectada já é um fator agravante, diz a americana, mas ver o governo do presidente Donald Trump rejeitar repetidamente a ideia de isentar viagens para casais com relação duradoura - enquanto flexibiliza para atletas, por exemplo - traz uma agonia adicional.
Corsi conta que tem sido ignorada constantemente por um funcionário consular apenas por tentar obter informações sobre o status de imigração de Sean. Agora, ela passa seus últimos dias de gravidez mostrando nas redes sociais que o que ela vive hoje é o auge da hipocrisia do governo em relação aos "valores familiares" que a atual gestão tanto defende.
Quando o amor faz lobby
Corsi e Sean são apenas um dos milhares de casais em todo o mundo na mesma situação. Separados pela pandemia, eles têm se organizado na internet para exigir dos governantes que suas viagens sejam classificadas como essenciais e possam ser realizadas sob as restrições atuais.
O movimento tem usado as hashtags #LoveIsEssential (amor é essencial) e #LoveIsNotTourism (amor não é turismo), e os casais se comprometem a fornecer testes negativos de coronavírus às suas próprias custas na partida e na chegada, usar máscaras em aeroportos e aviões, ir direto para a quarentena e ficar em casa com seus entes queridos.
Esse é o tipo de sistema criado recentemente pela Dinamarca, o primeiro país a implementar uma isenção para casais. O governo oferece esse privilégio para não residentes da União Europeia (UE) que estejam em um relacionamento com um residente dinamarquês por um "certo período, normalmente de três meses" e tenham "se encontrado pessoal e regularmente".
O site do governo dinamarquês adverte que "casais cujo relacionamento se baseou apenas em contato por escrito e telefônico não são considerados como tendo um propósito digno de acordo com as atuais restrições de entrada".
Na última semana, a Áustria e a Noruega também seguiram o exemplo dinamarquês.
Ele no Brasil, ela na Alemanha
Os planos da gerente de marketing brasileira Stella Richetti, que vive na Alemanha há dois anos, e do engenheiro civil colombiano Santiago Navarrete, residente no Brasil, também foram prejudicados pelo fechamento das fronteiras da UE, que ainda segue em vigor para viajantes de países onde a pandemia é considerada não controlada, como o Brasil.
Junto há quatro anos, o casal planejava desde o início de 2019 a mudança de Santiago de Porto Alegre para Bonn, no oeste da Alemanha, para que os tempos de relacionamento à distância ficassem para trás. A viagem estava prevista para abril deste ano.
O colombiano deixou seu apartamento no Sul do Brasil no início de março e, em Bonn, Stella alugou um novo lar para o casal e aguarda a chegada do namorado. "Não esperávamos que o bloqueio por causa do coronavírus fosse demorar tanto. Senão, ele teria postergado a saída da casa dele no Brasil. Mas, por conta do fechamento das fronteiras, ele ficou sem lugar para morar e está atualmente vivendo com amigos", conta a brasileira.
O visto de seis meses para Santiago procurar emprego na Alemanha chegou a ser aprovado pelas autoridades alemãs em fevereiro, mas ainda não foi emitido por conta do bloqueio das fronteiras desde março. Stella frisa que o processo "está congelado e, mesmo se ele estivesse com o visto em mãos, não conseguiria entrar na Alemanha neste momento, pois esse tipo de visto está na lista de propósitos de permanência que não dão direito à entrada".
"É difícil ficar sozinha em tempos de pandemia. Nós viajávamos e nos víamos pessoalmente a cada três meses", explica Stella. "Infelizmente não posso largar tudo aqui agora e ir para o Brasil passar uma temporada com ele, porque comecei recentemente em um novo emprego. É uma paranoia diária, pois ele está 'vindo' para Bonn desde março", conta.
O casal ainda checou com o consulado alemão se ele poderia entrar no país através da chamada reunião familiar, mas essa modalidade apenas considera casais que são casados formalmente.
Em meio à agonia, Stella aderiu com afinco ao movimento #LoveIsNotTourism na internet. "Pensei que estávamos isolados e esquecidos, mas, depois de conhecer o movimento, descobrimos que existem muitos casais na mesma situação", diz. "É muito ruim não saber quando iremos nos ver novamente e colocar nossos planos em prática depois de tanto planejamento."
"Vale quase tudo"
De forma incansável e esperando que a Alemanha siga o exemplo da Dinamarca, como pede a hashtag #DoItLikeDenmark (faça igual à Dinamarca), o programador Sascha Sommer reuniu fotos, chats na internet, vídeos, passagens aéreas e outras provas de seu caso amoroso com a professora Zuri Ferguson, de Nova York, para apresentá-los às autoridades e obter uma isenção de viagem.
"Temos familiares que podem provar que estamos em um relacionamento", afirma Sascha, descartando qualquer sensação de invasão de privacidade. "Eu faria qualquer coisa - quase qualquer coisa - para me reencontrar com ela."
Esse "quase tudo" tem um significado muito maior para Sascha: ele tem um problema cardíaco que o coloca no grupo de risco, então viajar para se encontrar com a namorada em certos países - como Croácia ou Irlanda, que estão permitindo a entrada de cidadãos americanos - está fora de questão.
Suas perspectivas de uma reunificação em solo alemão ficaram um pouco maiores na terça-feira (14/07), com a ajuda do eurodeputado alemão Moritz Körner, que assumiu a causa do casal e escreveu pessoalmente a chefes de cada país da União Europeia para incentivar isenções de viagem para casais.
Não apenas porque Körner "continua acreditando no amor", mas porque a Dinamarca deu um exemplo de bom senso nesse momento complicado. "Eu não vejo a Dinamarca sobrecarregada por todos os coronavírus que esses casais estão trazendo para o país", frisa.
É por isso que, na segunda-feira, ao usar a palavra na reunião da Comissão de Liberdades Civis do Parlamento Europeu, Körner fez o pedido para o ministro do Interior alemão, Horst Seehofer.
Apesar de funcionários do governo em Berlim terem afirmado anteriormente que o processo de verificação do status dos casais seria muito complicado, agora Seehofer disse estar certo de que uma "solução sensata" pode ser encontrada.
Körner conta que acompanhará o progresso prático nos próximos dias e espera que esse seja um ponto de virada para o movimento, num momento em que a Alemanha ocupa a presidência rotativa da União Europeia até o final do ano. "Se a presidência alemã [da UE] realmente enfrentar [a questão], claro que outros países iriam segui-la nessa decisão", argumenta o deputado.
Zuri Ferguson ainda não fez as malas para deixar os Estados Unidos, mas diz estar animada com o anúncio público feito pelo ministro da Alemanha. Ela acaba de enviar e-mails individuais sobre seu caso para mais de 250 parlamentares alemães.
No caso da americana Corsi Crumpler, por outro lado, é quase certo que boas notícias não virão tão rápido. Embora a Irlanda tenha decidido admitir até mesmo turistas americanos, Washington não mostra sinais de reciprocidade para casais que não são casados, independentemente das circunstâncias. Prestes a nascer, seu bebê Taos já começa a dar sinais de que não poderá esperar pela chegada do pai.
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