Uma paulistana que encontrou qualidade de vida em Londres
Para a fotógrafa Talita Santos, episódio em que recuperou seu valioso equipamento esquecido numa estação londrina nos achados e perdidos ilustra a diferença entre viver na capital britânica e em São Paulo.
Era uma tarde de domingo. Julho de 2018. A bordo de um trem de Londres, Talita Santos estava feliz: havia passado o fim de semana na casa da irmã, comemorando e fotografando o aniversário da sobrinha — Laurinha tinha feito 9 anos.
Quando desceu na estação para ir embora para casa, virou-se para o filho, Eduardo, e perguntou a ele onde estava a mala com o equipamento fotográfico. "Ué, mãe, eu não peguei", disse o rapaz. Em uma fração de segundos, Talita calculou mentalmente o tamanho do prejuízo.
Seu laptop, uma câmera profissional com dois conjuntos de lentes, flash e outros equipamentos, tudo havia ficado esquecido antes do embarque, em plena Clapham Junction, considerada a estação de trem mais movimentada da Europa — chega a receber 180 locomotivas por hora.
"No total, devia valer umas 5 mil libras", recorda. "Fora que eu ia ficar sem trabalhar até comprar tudo de novo." Eduardo a convenceu a voltar as cinco estações e procurar algum funcionário. Menos de meia hora depois, a surpresa: o material perdido já estava na seção de achados e perdidos.
Eu chorava. Falava 'obrigada, Deus'. Mas não é só Deus que estava sendo bom com a gente, né? Vem da cultura também" Acredita Talita.
Esse episódio ilustra, para ela, a diferença entre viver na capital britânica, lugar que escolheu para morar, e São Paulo, metrópole onde nasceu e foi criada. É a materialização do que ela define como "qualidade de vida".
Atualmente, 220 mil pessoas nascidas no Brasil vivem no Reino Unido, assim como Talita. O que faz da nação o quarto lugar com mais brasileiros expatriados.
Começo difícil
Se a qualidade de vida está na segurança e na pontualidade dos serviços públicos, os olhos de Talita brilham mesmo quando estão atrás das lentes da máquina fotográfica.
Apaixonada por fotografia desde a infância, do tipo que adorava ser a que clicava os coleguinhas, ela trabalhava como assistente administrativa em uma empresa de telecomunicações quando, sem ensino superior e com um filho de 3 anos, decidiu tentar a sorte na Inglaterra. Era 2003, e sua irmã, Erika, já morava lá.
"Vim com a minha mãe, Darci, e a ideia era que o pai do meu filho viesse em seguida. Quinze dias depois de eu chegar, ele desistiu da ideia e terminou comigo", conta ela.
Com um inglês precário, o começo foi difícil. Talita entrou como turista, depois conseguiu um visto de estudante e trabalhava em um restaurante — como garçonete e caixa. Foi assim por três anos.
Então, decidiu retornar ao Brasil. Mas cada vez mais se sentia um pouco estrangeira em sua própria São Paulo natal. Em 2010, arrumou as malas novamente para voltar para Londres. Desta vez, contudo, era a hora de realizar o antigo sonho: iria se tornar fotógrafa.
"Comprei uma câmera de segunda mão e coloquei na minha cabeça: sou curiosa, se eu não tentar, nunca vou saber se vai da pé. O 'não", a gente nasce com ele. Então, saí tirando foto de tudo que é coisa: flor, paisagem, pessoa. Criei um portfólio bem pé-rapadinho mesmo e comecei a mandar para empresas", relata.
Não demorou muito e ela foi contratada para um frila: uma agência de marketing precisava que ela cobrisse um evento. Deu certo, e ela foi engrenando um trabalho atrás do outro. Atualmente, ela faz trabalhos como freelancer para dois estúdios fotográficos e também fotografa eventos e produz retratos de pessoas por conta própria.
A brincadeira de infância, em seu caso, virou profissão.
Viagem ao Brasil -- mas só como turista
Neste retorno à Inglaterra, encarou a ilegalidade nos dois primeiros anos. Foi a preocupação com o filho que fez com que ela buscasse se fixar de acordo com a legislação. Precisou contratar um advogado e cumprir uma série de critérios para pleitear uma residência temporária — o que conseguiu.
Agora, aos 41, está noiva de um inglês, Tom. Toda a vida de Talita acabou se organizando na Inglaterra, aliás. Darci, sua mãe, tem 66 anos e diz que "só quer sair daqui para ser enterrada no Brasil, quando morrer". "Só para dar trabalho", comenta Talita. "Já falei para ela que não é nada fácil [o traslado de um corpo]."
Eduardo, o filho, tem agora 21 anos. Trabalha em um café, pensa em começar a universidade no ano que vem. Há poucos meses, resolveu sair de casa para morar com a namorada. Talita entende, mas diz que tem saudades — esta palavra tão brasileira, tão língua portuguesa.
Desde que se mudou de vez para Londres, só foi ao Brasil uma vez, em 2018. Planejava ir no ano passado, para apresentar São Paulo ao seu futuro marido. A pandemia adiou os planos, e agora eles têm passagem marcada para março. "A ideia é passarmos três meses", relata. Quer se esbaldar na feira — e promete tomar suco todos os dias, de maracujá, de melancia, de caju.
"Feira não tem para ninguém, queria que tivesse uma aqui perto de casa, como as de São Paulo", comenta ela. "Eu morava pertinho de uma feira, lá na Aclimação [bairro da região central da cidade]. Fruta do Brasil é diferente, tem outro sabor. Aqui não é a mesma coisa."
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