Sob cuidados de ditador, cerveja da Coreia do Norte tem herança inglesa
Nação comemora 20 anos da Taedonggang. Para fabricá-la, sob ordens do ditador Kim Jong 2°, foi preciso transportar da Inglaterra uma cervejaria completa. Pandemia e sanções a tornaram um prazer proibido no exterior.
"Fresca, com uma nota final limpa", a cerveja lager Taedonggang é extremamente popular nas cervejarias de Pyongyang, nos meses de verão. O que muitos apreciadores não sabem é que esse sabor tão particular se deve a um legado estrangeiro.
A agência de notícias norte-coreana KCNA publicou recentemente uma reportagem celebrando as duas décadas da cervejaria criada "sob os cuidados do presidente Kim Jong 2° ", o líder da nação quando a construção começou, em 2000, com o fim de "produzir a melhor cerveja para o povo".
Seu filho, o ditador Kim Jong-un, acompanhou o progresso da Taedonggang, visitando o local diversas vezes "para encorajar seus diretores e operários a continuarem desenvolvendo o sabor e a qualidade da cerveja, assim exaltando a honra da fábrica em sua popularidade", prosseguiu a agência.
São produzidos 70 milhões de litros de cerveja por ano, usando água das fontes naturais do município de Milim, e cevada e lúpulo cultivados no norte. Seu volume alcoólico é de 5,7%, atipicamente alto para uma cerveja produzida no leste da Ásia — e também uma indicação de seu pedigree europeu.
Do sudoeste inglês para a capital norte-coreana
Em 2000, as relações entre a Coreia do Norte e o resto do mundo eram bem mais positivas do que hoje em dia. Relativamente bem financiado na época, o governo resolveu que queria uma cervejaria. Com praticamente nenhum know-how doméstico, decidiu-se que o modo mais fácil de atingir sua meta seria adquirir uma fábrica estrangeira.
O consultor de negócios alemão Uwe Oehms foi abordado para encontrar uma instalação adequada. Depois de vasculhar a Europa, ele descobriu que uma fábrica até então operada pelos cervejeiros ingleses Ushers na cidade de Trowbridge, condado de Wiltshire, no sudoeste, acabara de fechar, e seu equipamento estava à venda.
"Foi uma certa surpresa quando soubemos que o comprador era a Coreia do Norte", conta à DW o antigo cervejeiro-chefe Gary Todd, que foi encarregado de assistir na venda.
"Um dia chegaram aquelas autoridades governamentais e uns cervejeiros, embora estivesse bem claro que eles não sabiam nada de fazer cerveja. Também estavam envolvidos alguns engenheiros russos e, por causa de todas a línguas diferentes, foi um processo bem complicado."
"Levaram do equipamento às tampas dos sanitários"
Todd foi encarregado de instruir os inexperientes cervejeiros norte-coreanos sobre cada passo do processo de transformação das matérias primas em cerveja. O curso-relâmpago durou cinco meses, durante os quais a fábrica e todo seu equipamento iam sendo desmontados em volta, cuidadosamente embalados e preparados para embarcar rumo à península coreana.
"Eles estavam muito impressionados com o equipamento da Ushers e pareciam animados em poder levar tudo para a Coreia do Norte e montar lá" relata Todd. "Mas fizeram questão de levar absolutamente tudo o que havia no prédio. Eles quiseram todos os copos de plástico das máquinas de venda de bebidas, pois diziam que não iam ter em casa."
Quiseram até as tampas dos sanitários: lembro de um deles andando com uma tampa em volta do pescoço. E os parafusos do chão. Eles tiraram os azulejos das paredes, um a um, e os levaram embora." Relembrou Todd sobre a desmontagem da cervejaria.
Perto do fim da empreitada, os compradores o surpreenderam: "Eles disseram à gerência que queriam que eu fosse para a Coreia do Norte, para montar tudo e começar os processos de fermentação. Mas teria sido um compromisso de dois anos, e eu tinha uma jovem família e não quis ir."
Ainda assim, alguns anos mais tarde Todd pôde saborear uma garrafa de Taedonggang que um jornalista lhe trouxe como suvenir da fábrica em Pyongyang: "Era muito boa, muito melhor do que eu esperava, fiquei admirado. Era fresca, com uma nota final limpa."
Prazer proibido após sanções e pandemia
Os norte-coreanos também são orgulhosos de sua bebida nacional: "Lembro de ficar surpresa de quão 'profundo' o sabor era, pelo menos em comparação com as cervejas japonesas", comenta a norte-coreana Chung Hyon Suk, residente no Japão, que costumava visitar regularmente seu país natal. "Lembro que era mais escura do que a japonesa, com um gosto mais próximo da cerveja inglesa tipo ale."
"Há um monte de cervejarias ao longo do rio Taedonggang, no centro de Pyongyang, e no verão as pessoas vão, lá depois do trabalho, para relaxar e encontrar com os amigos. Meus amigos me contaram que era seu passatempo favorito quando fazia calor, e realmente popular entre a gente jovem."
Infelizmente as sanções contra a Coreia do Norte tornaram quase impossível comprar a cerveja no exterior, lamenta Chung. E com o fechamento da fronteira com a China, devido à pandemia de covid-19, ficou ainda mais difícil encontrar a Taedonggang no exterior.
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