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Humanos pré-históricos já cozinhavam 780 mil anos atrás, diz estudo

Até agora, a evidência mais antiga de comida cozida era de cerca de 170 mil anos atrás - BreakingTheWalls/Getty Images/iStockphoto
Até agora, a evidência mais antiga de comida cozida era de cerca de 170 mil anos atrás
Imagem: BreakingTheWalls/Getty Images/iStockphoto

Fred Schwaller

da Deutsche Welle

22/11/2022 09h44

Novo estudo mostra que Homo erectus cozinhava muito antes do que se pensava. Evidências sugerem que nutrientes necessários para o crescimento do cérebro podem ter vindo do peixe cozido.

Quando exatamente aprendemos a cozinhar os alimentos é um dos momentos evolutivos mais importantes da nossa espécie. É o que nos transformou em humanos modernos.

"Cerca de 1 a 2 milhões de anos atrás, os humanos pré-históricos desenvolveram corpos mais altos e cérebros maiores. Acredita-se que dietas ricas em calorias, e o ato de cozinhar em particular, levaram a essa mudança", disse David Braun, professor de antropologia no Columbian College of Arts and Sciences em Washington, D.C.

Um novo estudo, publicado na revista científica Nature Ecology and Evolution, sugere que hominídeos já cozinhavam alimentos há cerca de 780 mil anos. Até agora, a evidência mais antiga de comida cozida era de cerca de 170 mil anos atrás, com os primeiros Homo sapiens e Neandertais usando fogo para cozinhar legumes e carne.

Primeiras fogueiras para cozinhar são anteriores ao 'Homo sapiens'

O novo estudo mostra que o Homo erectus, um ancestral dos humanos modernos, cozinhava alimentos muito antes do que se pensava.

"Redefinir esta data em mais de 600 mil anos para trás tem implicações para a reconstrução da história evolutiva dos humanos pré-históricos", disse à DW Jens Najorka, coautor do estudo, do Museu de História Natural de Londres.

A equipe de pesquisadores encontrou as evidências em um sítio arqueológico localizado no norte do Vale do Jordão, na atual Israel. O local, chamado Gesher Benot Ya'aqov, é conhecido por datar de cerca de 780 mil anos atrás.

Acredita-se que comunidades de Homo erectus da chamada cultura acheuliana viveram na região. Elas tinham uma dieta variada, incluindo caça de grande porte, frutas e legumes, além de peixes de água doce do lago paleolítico Hula, que ficava nas proximidades. Mas até agora, os especialistas não sabiam se os alimentos eram comidos crus ou cozidos.

Dentes de peixe queimados revelam antigas práticas culinárias

A equipe analisou restos de dentes de peixe (de carpas e barbos) encontrados nas proximidades de lareiras em Gesher Benot Ya'aqov.

Ao analisar a estrutura cristalina dos dentes, os pesquisadores descobriram que eles foram cozidos a menos de 500 graus Celsius.

"Isso sugere que o peixe foi cozido em uma temperatura controlada, em vez de simplesmente queimado", disse à DW o coautor do estudo, Irit Zohar, da Universidade de Tel Aviv, em Israel. "Até agora, ninguém conseguiu provar que o Homo erectus cozinhava. Esta é a primeira evidência de que ele tinha a capacidade cognitiva de controlar o fogo e cozinhar alimentos."

Dentes de peixes de 780 mil anos foram encontrados cozidos  - Divulgação/Tel Aviv University - Divulgação/Tel Aviv University
Dentes de peixes de 780 mil anos foram encontrados cozidos
Imagem: Divulgação/Tel Aviv University

Por que é importante saber quando os humanos começaram a cozinhar

O desenvolvimento da culinária foi um grande momento na evolução humana.

"As pessoas pensam que a evolução do Homo erectus para o Homo sapiens tinha que ser associada a uma mudança na dieta e ao uso do fogo para cozinhar alimentos. Há mudanças na mandíbula e na anatomia do crânio que sugerem isso", disse Zohar.

Cozinhar torna a carne, o peixe e os vegetais mais fáceis de digerir, permitindo o crescimento do corpo e do cérebro de forma muito mais eficiente do que ao comer alimentos crus. O cozimento também torna os alimentos muito mais seguros para comer, pois mata potenciais patógenos.

"Pela hipótese da culinária, já esperávamos que os primeiros humanos cozinhassem alimentos há tanto tempo assim, mas nunca obtivemos a prova. Agora a temos, e isso confirma nossas hipóteses sobre a importância do hábito de cozinhar para os primeiros humanos", disse Braun, que não integrou o estudo.

Os humanos teriam seguido os peixes para fora da África?

De acordo com Zohar, os humanos pré-históricos migraram da África por meio de lagos e rios de água doce. Locais de assentamentos e atividades humanas iniciais são sempre encontrados perto de água doce.

"Claro que eles são uma fonte de água, mas acho que o que é negligenciado é a importância dos peixes como fonte de alimento estável [para os primeiros humanos]", disse Zohar.

Os peixes são uma rica fonte de proteínas e nutrientes e, ao contrário dos animais de caça, estão disponíveis para consumo durante todo o ano.

"Algumas pessoas pensam que os primeiros humanos só comiam peixe quando não havia mais nada disponível. Nosso estudo sugere que isso não é verdade - descobrimos que os peixes eram cozidos em todas as épocas do ano, sugerindo que eram um componente importante da dieta". Zohar disse.

Pesquisadores estudaram restos do Homo erectus do início do Pleistoceno Médio em Gesher Benot Ya'aqov, atual Israel - Divulgação/Tel Aviv University - Divulgação/Tel Aviv University
Pesquisadores estudaram restos do Homo erectus do início do Pleistoceno Médio em Gesher Benot Ya'aqov, atual Israel
Imagem: Divulgação/Tel Aviv University

Como o 'Homo erectus' capturava peixes?

Para Braun, uma das questões em aberto é como o Homo erectus pescava.

"Não há evidências de tecnologia de pesca naquela época. Os autores encontraram 5 mil dentes no local — uma quantidade considerável de peixe cozido em uma pequena comunidade", disse Braun.

Segundo os autores, a água nas zonas úmidas era muito rasa, ou seja, as pessoas não precisavam necessariamente de tecnologia como redes ou varas para pescar.

"Achamos que eles usavam as mãos, como as pessoas ainda fazem com peixes de rio nos dias de hoje", disse Zohar.

Acredita-se que a pesca costeira com ferramentas como lanças e redes seja um desenvolvimento relativamente recente na história humana. O anzol mais antigo remonta a 42 mil anos, o que significa que os humanos se debateram com peixes por centenas de milhares de anos antes de encontrarem métodos mais confiáveis do que simplesmente "pegar com as mãos".