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Estudo revela detalhes sobre como eram feitas as múmias egípcias

Foto de arquivo divulgada pelo Ministério de Turismo e Antiguidades egípcio em 17 de fevereiro de 2021 mostra uma vista da múmia do antigo rei egípcio Seqenenre Taa II, "o bravo", que reinou no sul do Egito cerca de 1.600 anos AC - Ministério de Antiguidades do Egito/AFP
Foto de arquivo divulgada pelo Ministério de Turismo e Antiguidades egípcio em 17 de fevereiro de 2021 mostra uma vista da múmia do antigo rei egípcio Seqenenre Taa II, "o bravo", que reinou no sul do Egito cerca de 1.600 anos AC Imagem: Ministério de Antiguidades do Egito/AFP

Esteban Pardo

da Deutsche Welle

17/02/2023 10h02

Descoberta sem precendentes ajuda a esclarecer lacunas sobre o processo de mumificação no Egito Antigo. Por exemplo, quais substâncias e misturas eram usadas no embalsamento e como elas eram utilizadas precisamente.

Cientistas descobriram uma antiga unidade de embalsamento no Egito. A descoberta, sem precedentes, permite entender melhor o complexo processo pelo qual as múmias eram feitas, bem como a própria língua egípcia.

A unidade, localizada a cerca de 30 km ao sul do Cairo, data de entre 664 e 525 a.C. e consiste em uma estrutura acima do solo e de várias peças subterrâneas de até 30 metros de profundidade.

As substâncias encontradas foram identificadas como vindas de lugares tão longínquos como o Sudeste Asiático, o que revela como era ampla a rede comercial necessária para o processo de embalsamento.

Receita desconhecida

Até agora, os cientistas haviam obtido informações sobre a mumificação sobretudo a partir de velhos textos em papiros, de historiadores gregos e das próprias múmias egípcias. Essas fontes indicavam que embalsamento era um processo complexo que envolvia diferentes misturas de óleos especiais, resinas e betume.

Porém, apesar de os cientistas serem capazes de determinar mais ou menos por que e onde algumas dessas substâncias eram usadas para embalsamar, eles não conseguiam fazer isso para todos os ingredientes. Os textos antigos até davam os nomes dos ingredientes, mas traduzir termos relacionados a velhas substâncias é algo desafiador. Assim, até hoje se debate a quais substâncias alguns nomes se referem.

Arqueólogo egípcio inspeciona a múmia de uma mulher encontrada em 2018 dentro de um sarcófago preto esculpido em madeira decorado com folhas douradas, que data do Período Tardio do Egito, que vai do século 7 ao 4 a.C - Khaled Desouki/AFP - Khaled Desouki/AFP
Arqueólogo egípcio inspeciona a múmia de uma mulher encontrada em 2018 dentro de um sarcófago preto esculpido em madeira decorado com folhas douradas, que data do Período Tardio do Egito, que vai do século 7 ao 4 a.C
Imagem: Khaled Desouki/AFP

E apesar de os pesquisadores poderem analisar as substâncias encontradas nas múmias antigas, eles frequentemente não podiam determinar onde, por que ou como elas foram usadas.

Num estudo publicado em janeiro na revista Nature, os autores encontraram e analisaram exatamente o que pesquisadores precisavam para preencher as lacunas de conhecimento: 31 recipientes de cerâmica, ainda cheios de substâncias, de uma oficina de embalsamento de 600 a.C. Alguns tinham até mesmo as instruções de como e onde aplicar substâncias específicas.

Por exemplo, num pote dizia que a substância deveria ser usada para embalsamar a cabeça. Outro, explicava aos embalsamadores que deveriam usar a substância para obter um odor "agradável".

Múmias até de felinos foram exibidas durante o anúncio de uma nova descoberta da equipe de arqueologia da necrópole de Saqqara, no Egito, em 2019 - Khaled Desouki/AFP - Khaled Desouki/AFP
Múmias até de felinos já foram exibidas durante o anúncio de uma nova descoberta da equipe de arqueologia da necrópole de Saqqara, no Egito, em 2019
Imagem: Khaled Desouki/AFP

"Antes desse [estudo], tínhamos nomes de coisas, mas nunca realmente soubemos o que elas eram, e supúnhamos que elas fossem isso ou aquilo", explica a professora de egiptologia Salima Ikram, da Universidade Americana no Cairo, que não participou da pesquisa.

Descobertas centrais

O estudo, que foi conduzido em Saqqara, uma grande necrópole antiga localizada a 30 km ao sul do Cairo, reuniu arqueologistas, especialistas em línguas antigas e químicos.

"Nós [classificamos os ingredientes] identificando as substâncias químicas dentro dos vasos e as relacionando com os nomes do lado de fora", explicou o professor de arqueologia Philipp Stockhammer, da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique.

Essas correlações permitiram aos pesquisadores entender melhor compreensões anteriores de termos egípcios antigos como antiu, que tradicionalmente era associado à mirra, e sefet, que tradicionalmente era descrito como um óleo não identificado.

Arqueólogos descobriram em 2019 em Minya, a 340 km de Cairo (Egito), uma rara tumba com dezenas de múmias 'jovens' - Mohamed El-Shahed/AFP - Mohamed El-Shahed/AFP
Múmias jovens, descobertas raras feitas em 2019 por arqueólogos em Minya, a 340 km de Cairo (Egito)
Imagem: Mohamed El-Shahed/AFP

Agora os pesquisadores descobriram que antiu não era mirra, mas uma mistura de óleos de coníferas com gordura animal — um unguento — e que sefet também era um unguento perfumado contendo aditivos de plantas, como óleo de cipreste ou elemi.

Os cientistas também identificaram resinas tropicais, como elemi, que podem vir de tão longe quanto do Sudeste Asiático ou de florestas tropicais africanas, e dâmar, também do Sudeste Asiático. Ambas eram conhecidas por seus perfumes agradáveis e propriedades bactericidas e fungicidas.

"Isso nos mostra que a indústria do embalsamento foi basicamente impulsionadora dos primórdios da globalização, porque significa que você realmente tinha de transportar essas resinas por longas distâncias desde o Sudeste Asiático", comenta Stockhammer.

Colaboração entre Egito e Europa

Os recipientes tinham de ser preparados e analisados, mas as leis do Egito não permitem que pesquisadores removam exemplares antigos do país.

O Egito segue descobrindo novas relíquias. Em 2020, 59 sarcófagos de 2,6 mil anos foram encontrados em perfeitas condições. As múmias eram de sacerdotes e oficiais e estavam enterradas em tumbas verticais - MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS - MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS
O Egito segue descobrindo novas relíquias. Em 2020, 59 sarcófagos de 2,6 mil anos foram encontrados em perfeitas condições. As múmias eram de sacerdotes e oficiais e estavam enterradas em tumbas verticais
Imagem: MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS

Assim, os cientistas colaboraram com o Centro Nacional de Pesquisas, no Cairo, para fazer as análises no Egito. A falta desse tipo de colaboração é o motivo por que ainda não havia sido possível realizar pesquisas desse tipo, explica uma das autoras do estudo, Susan Beck.

Análise das substâncias

Para analisar as amostras, os pesquisadores borrifaram os vasos de cerâmica com solventes e extraíram os ingredientes de embalsamento. Depois, eles os analisaram com um processo conhecido como espectrometria de massa por cromatografia em fase gasosa.

Um dos sarcófagos mais recentes sendo aberto - MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS - MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS
Um dos sarcófagos encontrados mais recentemente sendo aberto
Imagem: MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS

"Imagine uma impressão digital química do recipiente e cada ingrediente também tendo sua própria impressão digital", explicou outro autor, Stephen Buckley, professor de arqueologia na Universidade de York e na Universidade Eberhard Karls, em Tübingen, na Alemanha.

Basicamente, o processo separa os componentes e, então, encontra impressões digitais moleculares dos seus elementos, o que permite aos pesquisadores identificar a receita de embalsamento original, explica.