Diário de férias frustradas: "presa" no Peru, nossa repórter inicia saga
Assistimos espantados, eu e meu namorado, no hostel em que estávamos hospedados em Lima, ao discurso do presidente Martín Vizcarra, que anunciava o fechamento das fronteiras do Peru.
Não havia nenhum detalhamento quanto a como seriam tratados os estrangeiros no país ou os peruanos que residem fora, nem sobre até que horas voos ainda sairiam. Imediatamente liguei para o telefone de emergência do consulado, que apenas me disse que eu deveria entrar em contato com a cia aérea. O jeito era ir direto ao aeroporto, pensamos nós e, claro, todos os estrangeiros que estavam em Lima.
Ao chegarmos no Aeroporto Internacional Jorge Chávez, por volta da meia-noite, nos deparamos com centenas de pessoas - sendo que a maioria estava sem máscaras. A medida presidencial levou todos, peruanos e estrangeiros, a irem na contramão das orientações sobre como evitar o coronavírus, se aglomerando em filas e mais filas em busca de troca e compra de passagens e informações.
Nós passamos a noite inteira nos revezando entre a fila da loja da Avianca e a do Checkin. Na primeira: vazio. Nenhum funcionário apareceu até pouco antes das 6 horas da manhã. No segundo, informações falsas nos eram dadas. Disseram que o Brasil não estava recebendo ninguém de fora do país.
Ao longo da noite, tentamos de tudo para trocar nossas passagens e até mesmo comprar novas. A ideia era não criar pânico, mas às vezes era difícil não se assustar. Até suspeita de bomba teve, e o esquadrão foi chamado. Silêncio total. A bolsa deixada no saguão era alarme falso.
A essa altura, tentar entrar em contato com a embaixada era inútil: os telefones haviam sido desligados.
Passagens eram vendidas por até R$ 8 mil, mas nem assim era possível deixar Lima. Todos os voos da Avianca para o Brasil foram cancelados, nos disseram.
Quando finalmente o funcionário da Avianca chegou ao balcão nos disse que não sabia que horas atenderia, nem se o faria e se haveria resposta para os nossos questionamentos.
Após passarmos noite e dia tentando, sem sucesso, comprar passagens de outras cias aéreas, decidimos seguir nossa viagem com o voo que já estava programado para Cusco, onde acreditamos que podemos passar por uma melhor quarentena comparada a Lima.
Na capital, vimos o clima de tensão se elevar em pouco tempo, com corrida a supermercados e militares nas ruas. Mas ainda não sabíamos exatamente o que encontraríamos em Cusco. Como todos têm dito, "tudo muda muito rápido".
Chegada a Cusco
Ao pousarmos em Cusco, funcionários do aeroporto completamente vestidos em materiais cirúrgicos nos abordaram para medir nossas temperaturas: "Estás muy bien".
Sem nenhum sintoma, respiro aliviada e seguimos para buscar nossas bagagens e pegar um táxi até o Airbnb.
No Peru, é muito comum negociar o valor da corrida com os taxistas. Carros oficiais são minoria por aqui. Do lado de fora do aeroporto internacional Alejandro Velasco Astete, cerca de 20 motoristas ofereciam seus serviços a quem chegava ali. Tínhamos a informação de que o custo médio de uma corrida até o nosso destino seria algo em torno de 12 soles (R$ 17,46). O primeiro nos cobrou 40 (R$ 58,20), por fim negociamos com outro por 20 (R$ 29,10).
No caminho víamos poucas pessoas pelas ruas, mas ainda havia um ou outro restaurante aberto. O taxista nos informou que isso só continuaria até a meia-noite daquela segunda-feira (16). A partir de terça (17), tudo estaria fechado.
Eu não conhecia Cusco. Chegar na região onde iríamos nos hospedar me parecia estranho: era noite e as ruas estavam desertas, não vi quase ninguém exceto um único casal de turistas. Fora do centro histórico, na cidade que é cravada em montanhas, construções de tijolo me lembravam comunidades no Brasil.
Finalmente chegamos a nossa casa e fomos recebidos pelo administrador do imóvel, um peruano chamado Oliver. Muitíssimo educado e atencioso, ele nos mostrou em detalhes cada espaço, e o funcionamento de tudo. Trata-se de uma casa de três andares, na qual ele habita o primeiro piso, nós ficamos no segundo, e no terceiro há um casal de estrangeiros, ela da Guatemala, ele da Áustria. Nós cinco compartilhamos a cozinha e a sala.
Depois de nos mostrar toda a casa, Oliver nos trouxe ao terraço. Um espaço bastante agradável, com uma bela vista para a cidade. Nessa hora, não me contive: a sensação de chegar a um lugar seguro, confortável, e de me sentir acolhida me trouxe um choro de alívio após quase vinte horas em meio a um pandemônio desde o aeroporto de Lima.
Após nos acomodarmos, fomos ao centro histórico em busca de algo para comer. Era cerca de 21 horas, e todos os restaurantes estavam fechados, mas os mercadinhos permaneciam abertos e abastecidos. Apesar das ruas vazias, o clima geral era de tranquilidade, muito diferente de Lima onde havia militares nas ruas e corridas aos supermercados. De máscara, a senhora do caixa nos cumprimenta de maneira gentil e nos avisa que abriria de novo no dia seguinte. Compramos o necessário para aquela noite e seguimos para o nosso endereço, onde finalmente descansaríamos para mais um dia da nossa saga.
Enquanto isso, aguardamos uma atitude do governo brasileiro para que possamos retornar e cumprir a quarentena em nossas casas.
LEIA O SEGUNDO DIA DO DIÁRIO DA JORNALISTA "PRESA" NO PERU
Resposta da embaixada
Através de seu site, a Embaixada brasileira em Lima afirma que solicitou ao Ministério das Relações Exteriores do Peru esclarecimentos sobre autorizações e procedimentos para saída do território peruano por via terrestre com veículos particulares.
"Novas informações serão divulgadas tão logo haja resposta por parte do Ministério das Relações Exteriores peruano."
Resposta do Itamaraty
Em resposta oficial, o Ministério das Relações Exteriores informa que os "Consulados e Embaixadas do Brasil acompanham de perto a situação gerada por eventuais fechamentos de fronteiras por conta da pandemia de coronavírus, com especial atenção ao caso de turistas brasileiros buscando retorno".
Eles recomendam a todos os cidadãos brasileiros no exterior que mantenham a serenidade e observem estritamente as medidas determinadas pelas autoridades locais, e que, se necessário, busquem contato com o Consulado ou Embaixada do Brasil responsável pela região onde se encontram.
O órgão afirma que as embaixadas e consulados do Brasil continuam em funcionamento, mesmo com os depoimentos contrariando a afirmação.
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