Diário de férias frustradas: incertezas e revolta de locais com turistas
LEIA O PRIMEIRO E O SEGUNDO DIA DO DIÁRIO DA JORNALISTA "PRESA" NO PERU
Chegamos hoje ao nosso quarto dia de quarentena em Cusco. Com tanta coisa acontecendo no Peru e no Brasil, e na expectativa de uma posição da embaixada sobre quando voltaremos para casa, fica difícil se desligar do celular.
Entre conversas com outros brasileiros, embaixada, amigos e família, vamos até a sacada da casa pegar um pouco de ar. Ao nos ver, uma vizinha que pendura roupas no varal começa a puxar papo e reclama: "Há pessoas andando nas ruas, indo ao mercado, sem usar máscaras. É preciso usá-las e também o álcool gel. Nós gostamos dos turistas, mas queremos que nos respeitem".
Em outro momento, outra vizinha grita de dentro da sua casa para turistas que caminham na rua: "Go home! Don't you know about the vírus?!" ("Vão para casa! Vocês não sabem sobre o vírus?!")!
Não tive a oportunidade de conhecer Cusco em condições normais, porém se trata de uma cidade absolutamente turística. Os moradores dependem do setor e, pelos relatos que ouvi, recebem muito bem quem vem de fora. Mas em tempos de epidemia de coronavírus, as relações podem se tornar mais complexas.
As saídas de casa se resumem a uma ida rápida ao mercado. As ruas seguem quase desertas e tudo está fechado, exceto os mercadinhos e farmácias.
Na área onde estou, um pouco fora do centro histórico, na chamada "parte alta", é possível caminhar sem cruzar com nenhum policial. As regras da quarentena valem aqui, é claro, mas não há tanto controle.
O cenário é diferente na parte baixa, onde se encontram mais turistas. Uma brasileira que também está Cusco me conta que o centro histórico está cheio de policiais e militares. Eles controlam portas de hotéis e só permitem a saída de uma pessoa sozinha, ninguém sai acompanhado.
Segundo ela, a quantidade de forças de segurança nas ruas aumenta exponencialmente à noite e ambulâncias circulam fazendo uma espécie de patrulha enquanto anunciam no alto-falante que estamos em quarenta e as pessoas devem ficar em casa e não sair na rua. De onde estamos, todos os dias, por volta das 20 horas, podemos ouvir o barulho das sirenes.
Desde quarta-feira (18), há um toque de recolher, e todos estão proibidos de sair nas ruas entre 20 horas e 5 horas. Oliver, nosso anfitrião, nos conta que o governo tomou essa medida porque muitas pessoas estavam se reunindo em encontros dentro de suas casas.
Apesar de estar aqui relatando as minhas férias frustradas, e o adjetivo se aplicar bem à situação, em muitos momentos me sinto sortuda. Estou em uma casa com estrutura, fomos acolhidos Há quem esteja passando por um momento muitíssimo pior, como o Marlucio.
Mas ontem chegou uma boa notícia. Foram anunciados os primeiros voos para levar os brasileiros de volta para casa. Listas com nomes de passageiros das cias aéreas Latam e Gol são divulgadas na página da Embaixada do Brasil no Peru. Fico feliz ao ver o nome do Marlucio na relação.
Ao saberem da novidade pela imprensa, parentes e amigos nos mandam mensagens eufóricos: "Vocês vão voltar!". Bem, não ainda. Nossos nomes não estão em nenhum das listas. E ainda não há uma posição sobre os brasileiros que estão em Cusco, nem sobre os clientes de outra cias aéreas. No nosso caso, a Avianca.
Eu, que antes estava confiante, passo a ficar um tanto aflita com a possibilidade de o nosso retorno levar muito mais tempo, e as coisas se complicarem ainda mais enquanto países ampliam medidas duras no combate ao coronavírus.
Ao primeiro sinal de desabafo no grupo de WhatsApp com meu irmão e primos, imediatamente pipoca na minha tela uma vídeo chamada. As lágrimas logo enchem os meus olhos em meio às risadas que eles me provocam. Tudo seria muito mais difícil sem família e amigos. Vamos a mais um dia.
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