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Tem chá-mate no seu copo - e não é do jeito que você conhece

Cariri do Caribe, criação de Laércio Zulu - Fernando Ctenas
Cariri do Caribe, criação de Laércio Zulu
Imagem: Fernando Ctenas

Pedro Marques

Colaboração para Nossa

20/03/2020 04h04

Combinar chá com destilado não é exatamente uma novidade no mundo da coquetelaria. Quem gosta muito da mistura são os irlandeses, que há séculos têm a tradição de tomar chá preto no café da manhã - e não tardou muito tempo para que algum gênio de lá decidisse juntar a bebida com o uísque local para ver o que acontecia.

Acabou criando o clássico Tea and Lime, que leva uísque irlandês, chá preto de pêssego, limão espremido e bastante gelo.

Nos últimos anos, bartenders de todas as partes passaram a explorar mais o ingrediente e seus diferentes sabores, de hibisco a hortelã, para produzir novas leituras de gim-tônicas, martínis e outros coquetéis.

Chá com uísque não é novo e conquista irlandeses há tempos - Unsplash - Unsplash
Chá com uísque não é novo e conquista irlandeses há tempos
Imagem: Unsplash

Made in Brazil

Até pelo fato de nossa coquetelaria importar muitas modas de outros países, um tipo de chá bem brasileiro acabou passando batido: o mate.

E tanto o fresco, consumido gelado como tereré no Mato Grosso e Mato Groso do Sul, e o tostado, popular nas praias do Rio de Janeiro e nas cuias com água quente do Sul do país, têm tudo para aparecer mais em drinques nos bares brasileiros (especialmente quando passar o caos provocado pelo coronavírus).

"É um ingrediente com bastante potencial, faz parte do dia a dia, mas ainda é pouco explorada", afirma Carolina Oda, embaixadora do BCB São Paulo — feira de destilados para profissionais que começou na Alemanha, com o nome de Bar Convent Berlin, foi para os EUA, no Brooklin, e, depois, para o Brasil.

Como exemplo, Oda destaca o sucesso da bebida Xeque-Mate, feita em Belo Horizonte com mate, xarope de guaraná, limão e rum. Vendida em garrafas de plástico ou vidro, a Xeque-Mate ganhou versão em lata e foi sucesso no Carnaval mineiro. "Fiquei chocada, está em todos os lugares. Às vezes a gente precisa sair de São Paulo para ver que outras coisas caíram no gosto das pessoas", diz ela.

Outro ponto levantado pela especialista é que mais chefs estão usando os ingredientes. "Tem até sobremesa feita com mate", diz ela, que acredita que essa comunicação da cozinha com o bar vai ajudar a trazer novas ideias para os bartenders.

Chá-inspiração

Mate Fizz, criação de Laércio Zulu - Fernando Ctenas - Fernando Ctenas
Mate Fizz, criação de Laércio Zulu
Imagem: Fernando Ctenas
Rodando o Brasil com o Molhando a Palavra, projeto voltado para divulgar a cultura da cachaça que tem um canal no YouTube, o barman e consultor Laércio Zulu conta que se interessou pelo ingrediente em sua primeira viagem a Porto Alegre (RS) em 2015.

"Fui a um mercado e saí cheio de ideias. É um produto barato, fácil de encontrar e de trabalhar", explica. Por outro lado, Zulu comenta que, à época, havia resistência ao mate. "Sempre ouvia alguma coisa na linha: 'Ah, isso é mais para o Sul (do país).'", lembra. Hoje, no entanto, o produto é mais aceito, garante o barman.

"Precisei de alguns anos para ser ouvido e ver os bares aceitarem minhas sugestões", diz Zulu, que criou coquetéis que seguem uma linha mais refrescante, como o Mate Fizz, com cachaça branca, rapadura, limão rosa, mate verde e cidra seca, e o Cariri do Caribe (tequila ouro, mate tostado, vermute tinto, clara de ovo e limão).

Campeão da edição brasileira do Bacardí Legacy com o Brado, drinque feito com chá preto e rum, Mario Oliveira, do restaurante Nakka Jardins, concorda que o ingrediente deve ser mais aproveitado. "Antes de usar chá preto, fiz vários testes usando mate e funcionou muito bem", conta Oliveira. Ele só desistiu de fazer a bebida com mate porque um dos requisitos do Legacy, que é um concurso de coquetelaria mundial, é que as receitas tenham ingredientes fáceis de ser encontrados no mundo todo.

Brado, drinque feito com chá preto e rum, criado por Mario Oliveira - Divulgação - Divulgação
Brado, drinque feito com chá preto e rum, criado por Mario Oliveira
Imagem: Divulgação

Tanto Oliveira quanto Zulu afirmam que os destilados combinam muito bem com mate verde ou tostado. "Tudo depende do resultado que você quer", pontua Oliveira. "Particularmente, gosto muito do toque vegetal que (o mate) agrega, que combina fácil com quase todos os destilados, do bourbon à cachaça branquinha", acrescenta Zulu.

Como norte, Oliveira sugere que o mate verde seja misturado a bebidas brancas, enquanto o torrado abre possibilidades para drinques com destilados envelhecidos em madeira.

O Tea and Lime, mencionado no começo da reportagem, é um bom parâmetro: no lugar do chá preto, poderia entrar mate tostado. E, para um toque mais brasileiro, é só trocar o uísque irlandês por uma boa cachaça envelhecida e completar o copo com bastante gelo.