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"Fugir" para praia ou sítio é melhor? Exemplo da Espanha sinaliza que não

Deslocar-se para praia ou campo pode implicar um forte impacto nos sistemas de saúde e abastecimento de regiões mais vulneráveis - iStock
Deslocar-se para praia ou campo pode implicar um forte impacto nos sistemas de saúde e abastecimento de regiões mais vulneráveis
Imagem: iStock

Adriana Setti

Colaboração para Nossa

21/03/2020 04h00

No dia 11 de março, quando Madri tinha 1.024 casos confirmados de covid-19, creches, escolas e universidades foram fechadas na região, que despontava como a mais afetada da Espanha. A medida foi tomada na capital antes que o presidente Pedro Sánchez decretasse o estado de emergência no país, em 14 de março, estabelecendo uma quarentena de duas semanas e restringindo os deslocamentos de pessoas pelo território nacional aos estritamente necessários.

Nos três dias de brecha entre a suspensão das aulas e a oficialização da quarentena, jovens que estudam na capital correram para as casas de seus pais em outras partes do país. Aproveitando a possibilidade de fazer home office e a pausa escolar, milhares de madrilenhos também saíram da cidade para fugir da epidemia e - por que não? - aproveitar o bom tempo à beira do Mediterrâneo.

Grande parte deles dirigiu-se a Múrcia, no sul do país, onde muitos moradores da capital mantêm suas casas de praia. Àquelas alturas, a região (cujo PIB é 40% inferior ao de Madri) era uma das menos afetadas da Espanha pelo coronavírus, tendo registrado seu primeiro caso em 8 de março, três dias antes da chegada de "turistas" procedentes da metrópole.

O movimento vamos a la playa foi duramente criticado em toda a Espanha. Nas cidadezinhas praianas de Múrcia, muros amanheceram com mensagens como "madrileños go home". Outras ainda menos amistosas se proliferaram pelas redes sociais.

O coronavírus viaja

Mais regiões que receberam um grande número de "fugitivos" uniram-se aos protestos, incluindo a Andaluzia, destino escolhido pelo ex-presidente José María Aznar e sua esposa, Ana Botella (ex-prefeita de Madri), como refúgio à beira-mar - o casal, que vive na capital, é proprietário de uma mansão em Marbella.

Em 13 de março, aquilo que todos temiam foi confirmado. Um madrileno de 88 anos, recém-chegado de trem a Múrcia, foi internado em estado grave no hospital de Los Arcos de Mar Menor, em Pozo Aledo, após dar positivo por coronavírus.

No mesmo dia, o governo murciano decretou o confinamento obrigatório em sete municípios costeiros, restringindo a liberdade de circulação de mais de 500 mil pessoas. Ainda assim, hoje, uma semana depois, a região já contabiliza 204 infectados.

mapa murcia - iStock - iStock
Múrcia, na Costa Blanca espanhola, teve que restringir a liberdade de circulação de mais de 500 mil pessoas
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Regra do salve-se quem puder

À primeira vista, pode parecer legítimo escapar de uma grande cidade em nome da saúde familiar, principalmente para quem tem o privilégio de uma casa na praia ou um sítio no interior. O caso de Múrcia, no entanto, chama a atenção para o perigo que os deslocamentos representam dentro de um quadro de pandemia.

Além de colocar em risco a vida de outras pessoas, "fugir" de uma zona de contágio comunitário também pode implicar um forte impacto nos sistemas de saúde e abastecimento de regiões mais vulneráveis. Em outras palavras, é um ato que não preza pelo coletivo, um salve-se quem puder.

Não à toa, mesmo com o estado de emergência em vigor, o responsável por prevenção e segurança da prefeitura de Barcelona, na Catalunha (segunda região mais afetada da Espanha), veio a público na tarde de ontem para fazer um apelo aos cidadãos, às vésperas do fim de semana. "As pessoas têm que ficar nas suas casas. Não tem sentido deslocar-se para fora de Barcelona. Esperamos que todo mundo entenda e fique", disse Albert Batlle.

Barcelona coronavirus - Gabriel Bouys/AFP - Gabriel Bouys/AFP
Quarentena: os moradores de Barcelona só podem sair de casa em situações especiais, definidas por decreto
Imagem: Gabriel Bouys/AFP

No País Basco (terceira comunidade autônoma em número de casos), a polícia bloqueou estradas e distribuiu multas pesadas para impedir que os moradores das grandes cidades, como Bilbao e San Sebastián, mantivessem seus planos de viagem no feriado de San José.

"Quarentena não é férias"

É louvável, portanto, que a prefeitura de São Sebastião tenha suspendido o alvará de funcionamento de hotéis, pousadas e restaurantes a partir do dia 23, e que o acesso a Ilhabela seja bloqueado para turistas a partir de hoje, dia 20. Outros municípios do litoral brasileiro, onde os hospitais não teriam a capacidade de absorver uma afluência repentina de pessoas doentes, também estão tomando medidas para evitar uma possível "invasão".

Mas, acima de tudo, é importante que a população compreenda a importância vital de ficar, literalmente, em casa para o bem de todos. E que, nas atuais circunstâncias, o conceito de "casa" não se estende ao sítio no interior, a uma segunda residência no litoral ou à fazenda nos confins do Brasil. "Quarentena não é férias", como disse o prefeito do Guarujá Válter Suman (PSB) na última quarta-feira, enquanto percorria pessoalmente as praias cheias da cidade paulista, na tentativa de conscientizar os turistas inoportunos.