Diário de férias frustradas: rotas de fuga, voo lotado e desespero no Peru
Hoje é domingo, sexto dia de nossa quarentena aqui em Cusco, e a ordem é manter a cabeça no lugar, o que, admito, foi mais difícil nos últimos dois dias.
Na busca por respostas mais concretas sobre quando e como vamos voltar para casa, grupos (sim, há mais de um e nem sei precisar quantos) de WhatsApp são lotados com as mais variadas informações.
Entre tantas mensagens, é compartilhado na sexta-feira (20) um vídeo do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) detalhando a dificuldade nas negociações para garantir voos do Peru ao Brasil, o que eleva a ansiedade dos brasileiros. Segundo ele, diante das particularidades do aeroporto de Cusco, o que inclui o tamanho da pista e a altitude, não há pilotos disponíveis para fazer a rota e a solução encontrada pelas autoridades é transportar os brasileiros por via terrestre.
É claro que o que maioria das pessoas quer é simplesmente voltar para casa. Seja de avião ou de ônibus. Mas a possibilidade da via terrestre preocupa pelas condições das estradas peruanas, conhecidas por serem extremamente perigosas. Acidentes não são incomuns.
Possíveis rotas de "fuga"
Imaginamos dois trajetos possíveis. Ir de Cusco até a fronteira com o Brasil, no Acre, numa viagem de 12 horas, cruzando a Amazônia, ou ir até Lima, num percurso de 20 horas, atravessando os Andes. Qualquer uma das opções depende de autorização do governo. O fechamento de fronteiras é por via aérea e terrestre. Não há maneira de deixar o país que não seja via embaixada.
De qualquer forma, tudo são especulações. A embaixada não endossa o vídeo do senador.
Minha preocupação com a demora nas tratativas, que não são fáceis, sabemos, é que as medidas se agravem ainda mais, e que a quarentena no Peru seja estendida. Nesse caso, como continuar nos sustentando como turistas em Cusco? Pagando hospedagem, alimentação, por quanto tempo? E quanto aos nossos empregos, que nos aguardam no Brasil?
À noite somos surpreendidos com uma nota da embaixada, anunciando um voo da Latam que levará brasileiros de Cusco ao Brasil. Ainda que eu não esteja na lista de passageiros, apenas comemoro a boa notícia. Afinal, a repatriação segue. E agora, direto de Cusco.
Havia uma esperança...
Durmo feliz e sou acordada pelo meu namorado, por volta das 5 horas do sábado (21), me dizendo que o ministro da Defesa do Peru, Walter Martos, havia anunciado horas antes que "as facilidades [de repatriação] para estrangeiros no Peru" terminariam no dia seguinte. Domingo, as fronteiras seriam completamente fechadas e ninguém mais sairia.
Diante da notícia, decidimos tentar a sorte indo ao aeroporto de Cusco, mesmo não tendo nome na lista de passageiros divulgada pela embaixada, na expectativa de uma chance de encaixe ou da chegada de outro voo, já que este seria, segundo o ministro peruano, nosso último dia para deixar o país.
Juntamos todas as nossas coisas, montamos as nossas mochilas e caminhamos, num frio de 8 graus, até a Plaza de Armas, onde os brasileiros devem se concentrar para a ida ao aeroporto. Toda a operação é organizada pelo exército peruano. Na praça, que está bloqueada por policiais, só brasileiros entram.
Às 6h30, nos organizamos em uma fila de cerca de 300 pessoas. Chegam ao menos dois caminhões do exército, três ônibus do governo, e uma van para nos levar ao aeroporto.
Espera ao relento
Chegando lá, somos deixados do lado de fora, na rua mesmo. Os policiais, únicas autoridades no local, nos organizam em duas filas na calçada: uma daqueles que têm nome na lista para embarcar e outra dos que não têm e buscam uma alternativa. Há idosos e crianças entre nós, sem a garantia de que irão viajar.
O policial pede então para que um brasileiro leia os nomes, um a um, usando um megafone. Só entra no aeroporto quem é chamado. Durante a leitura, é claro, confusão. Há quem tivesse o nome na lista da embaixada e não embarcou.
Além disso, 17 pessoas que chegaram a entrar no aeroporto tiveram que voltar para a rua, pois não havia mais espaço na aeronave, que decolou lotada rumo a Lima. De lá, cerca de 200 brasileiros partiriam até Guarulhos (SP). Os passageiros que decolam são apenas clientes da Latam.
O voo partiu sem nós
Continuamos na fila, à espera de que um segundo voo chegue ainda no sábado. Uma jovem nos conta que os dois voos que saíram de Lima na sexta-feira tinham cerca de 70 lugares vazios.
Fico sabendo, por meio de uma fonte, que a Latam tem pelo menos mais um avião previsto para ir até Cusco. A informação nos dá esperança, mas o governo peruano não autoriza o voo.
Por telefone, o Itamaraty nos diz que, apesar do anúncio do ministro peruano, as repatriações continuarão ocorrendo. Por volta das 13 horas, uma pessoa consegue contato com o embaixador, que manda avisar que não haverá mais voos, e nos pede para voltar para nossos hotéis e casas alugadas.
De volta à "casa"
Voltamos à Plaza de Armas em ônibus do Exército, e de lá caminhamos de volta para nosso AirBnb em Cusco, que já chamamos de "casa".
Os brasileiros listam no grupo de WhatsApp quem ficou. Pelas nossas contas, somos ao menos 190 em Cusco e 60 em Lima, sem contar aqueles que estão em outras localidades mais distantes, como Arequipa e Iquitos. Não há um número oficial da Embaixada.
Segundo o Itamaraty, neste domingo chegam um diplomata e um militar a Cusco para ajudar nas negociações. O que nos resta é aguardar a continuidade da repatriação. Já não houve voos neste domingo, e não sabemos se haverá ou se teremos de ficar aqui até o fim da quarentena, marcada para 31 de março.
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