Diário de férias frustradas: finalmente em casa após nove dias de angústia
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Hoje eu acordei confusa sem acreditar no que via: estava na minha casa em São Paulo. Sim, nós finalmente conseguimos voltar ao Brasil. Foram cerca de nove dias de incertezas e angústia, e os momentos finais não foram diferentes disso. Por um momento pensei que fosse ficar sozinha no Peru.
Eram 21 horas de segunda-feira (23) e completava exatamente uma semana que havíamos chegado àquela casa em Cusco, quando fomos surpreendidos com um post da Embaixada do Brasil no Facebook. O órgão confirmava a partida de um voo da Latam com destino a Guarulhos (SP) no dia seguinte. A notícia era ótima, só havia um problema: a lista de passageiros não havia sido divulgada. Segundo a embaixada, a relação estava nas mãos da cia aérea.
Nós nos perguntávamos: e se embarcarem apenas os clientes da Latam? Estrangeiros que compraram suas passagens pela Latam Peru terão preferência? Afinal, vamos embarcar ou não neste voo? Só quem já enfrentou uma saga de cerca de oito horas na rua, do lado de fora do aeroporto, para depois ter que voltar novamente ao AirBnb sabe o quão exaustivo e decepcionante é.
A embaixada não podia responder a nenhuma das nossas perguntas, então só havia um jeito de descobrirmos se estaríamos ou não neste voo. Seguimos as orientações e saímos de casa às 5h50 rumo a Plaza de Armas. Era lá que estávamos quando finalmente a lista de passageiros foi divulgada. O nome do meu namorado estava na relação. O meu, não. Tentamos chegar num acordo, mas não conseguimos. Ele queria trocar de lugar comigo, eu não queria deixá-lo para trás, não sabíamos se conseguiríamos embarcar os dois.
Da praça, subimos no ônibus do Exército até o aeroporto. Chegando lá, por volta das 7 horas, a polícia nos organiza em uma fila na calçada do lado de fora. Já vimos esse filme antes.
Enquanto aguardamos, vemos vários funcionários da prefeitura higienizar o outro lado da rua. Cobertos por um macacão da cabeça aos pés e usando máscaras, eles limpam as fachadas de comércios e casas com uma mangueira de pressão. Parece que estou assistindo a uma cena de "Chernobyl".
Com um megafone, um homem avisa aos moradores que está sendo feita a limpeza do local. Litros e mais litros de água com cloro são despejados bem ali na calçada onde nós, e certamente muitos outros estrangeiros, haviam sentado nos últimos dias enquanto aguardavam por um voo de volta para casa.
Já estávamos há mais de duas horas na rua quando a fila finalmente começa a se movimentar. Com uma lista nas mãos, um policial peruano e um dos funcionários enviados a Cusco pela embaixada do Brasil, João Fonseca, checam o nome de um por um da fila. Quem tem o nome na lista, entra no aeroporto. Quem não tem, fica do lado de fora.
Conforme a fila avança, ficamos sabendo que a lista não bate com a que tinha sido divulgada mais cedo. A incerteza continua até que chega a nossa vez. Com o nome na lista, meu namorado é enviado para dentro do aeroporto. Eu fiquei do lado de fora e colocada em outra fila. A separação aflige não só a mim, mas outras pessoas que também se encontravam na mesma situação, separadas de suas famílias. Entre elas, há uma mãe e um filho de 11 anos, um menino que tem um problema no tímpano e vinha sofrendo com os efeitos da altitude.
Todos que estavam com o nome na lista entraram no aeroporto. Cerca de 60 pessoas, incluindo eu, ficaram do lado de fora. A espera continua por cerca de uma hora até que vejo Fonseca saindo do aeroporto com um papel em mãos. Ele chama um, dois, três nomes até que escuto o meu. Mal posso acreditar. Entro no aeroporto, não sem antes ter a temperatura corporal medida, e vejo meu namorado lá dentro. Faço o check-in e nos abraçamos, emocionados, por estarmos juntos de novo e a caminho de casa.
Dentro da área de embarque, reconhecemos alguns rostos e comemoramos por cada um que conseguiu entrar. Ficamos sabendo que quase todos que foram ao aeroporto naquele dia estavam prestes a embarcar com a gente. Cerca de 10 pessoas teriam ficado do lado de fora, mas saber que voos da FAB darão sequência à repatriação no dia seguinte nos dá tranquilidade.
Já estávamos enfileirados para embarcar quando uma aeromoça peruana da Latam chega ao saguão. Sob aplausos dos brasileiros, ela passa acenando e grita: "Vamos para casa!".
Com todos embarcados, a aeronave segue do aeroporto internacional de Cusco até Iquique, no norte do Chile, onde para apenas para abastecer. De lá, voamos até Guarulhos. Os passageiros bateram palmas e comemoram antes de a aeronave decolar. Enquanto nos preparávamos para o pouso, a mesma aeromoça peruana que vibrou com a gente pelo nosso retorno diz ao microfone: "O sol sempre nasce depois da tempestade. Sejam bem-vindos". Mais aplausos e eu choro de emoção e alívio.
Agora é acompanhar a volta dos que ainda ficaram no Peru e continuar a quarentena, desta vez aqui em São Paulo. Saímos de uma pequena cidade dos Andes com apenas seis casos confirmados de covid-19 e chegamos a uma metrópole com 484 casos e 36 mortos. A ordem é redobrar os cuidados de higiene, manter o isolamento domiciliar e confiar que o sol voltará a nascer para todos nós.
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