Prejuízo de R$ 9 mil e férias frustradas: a saga para voltar da Colômbia
Tirar férias é um momento sempre esperado pelo trabalhador "privilegiado" que tem os benefícios de carteira assinada. Para mim, esse sentimento não foi diferente e março chegou a minha vez. Depois de mais de 2 anos, eu conseguiria viajar com a minha mulher e, por isso, planejamos com antecedência para conhecer a Colômbia, mais precisamente Cartagena e Santa Marta, cidades da costa caribenha do país.
Deixamos o Brasil no dia 7 de março e voltaríamos só depois de duas semanas. A ideia era fazer uma viagem que aliasse praia, trilhas, cachoeiras e passeios por pontos históricos. Porém, boa parte do planejado não aconteceu. Assim como muitos outros brasileiros, meu momento de lazer foi afetado pela pandemia do coronavírus. Vivemos uma saga para retornar para casa antes, com medo de acabar ilhado em outro país e sem ter onde ficar.
Por que viajou?
Sei que você deve estar questionando: "Mas por que viajar para fora do país em um momento como esse?". Bom, cheguei a pensar em cancelar a viagem antes, mas boa parte das estadias reservadas já estavam pagas e o cancelamento resultaria em perder dinheiro. O mesmo aconteceria com passagens áreas.
Com poucos casos da doença no Brasil no início de março e nenhum na Colômbia, ninguém estava disposto a cancelar reservas sem cobrar. Restava torcer para o vírus demorar para chegar na América do Sul
A saída no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, foi tranquila. A chegada em Bogotá, capital da Colômbia e onde fiz escala, tinha fila na imigração. Todo turista deveria ter temperatura medida e respondia um protocolo questionando sobre sintomas da covid-19 ou se teve contato com pessoas alguns países. Apesar do controle, a entrada no país não teve problemas. E tranquilos foram os primeiros dias de férias.
Sem um celular com internet e procurando "desligar" do dia a dia do noticiário, quase não me informei. O pouco que lia era nos hotéis que tinham wi-fi ou em conversas com amigos e familiares.
Além disso, um ou outro profissional de turismo comentava sobre a situação mundial envolvendo o coronavírus, mas nada que parecia tão próximo.
Quando ligou o sinal amarelo
Nosso primeiro sinal de alerta veio uma semana depois, durante um passeio no estado de Guajira, que faz divisa com a Venezuela e que tem um deserto onde fica o ponto mais ao extremo norte da América do Sul.
Na estadia, em um local simples, que nem água encanada tinha, uma mulher pediu mais detalhes sobre de onde eu vinha e por onde já tinha passado, ao saber que era um brasileiro. Segundo ela, o governo colombiano tinha pedido mais detalhes de turistas de alguns países. Apesar disso, seguimos no passeio, que estava no segundo dos três dias.
No dia seguinte, retornando para Santa Marta, que fica no estado de Magdalena, já notei nos lugares que parei que a cobertura das televisões colombianas tinha mudado. O coronavírus era assunto dominante e boa parte dos telespectadores prestavam atenção no noticiário.
Algumas pessoas na rua, principalmente aqueles que lidavam com turistas, estavam usando máscaras. Em outra parada, onde tive acesso à internet, descobri que o número de casos no Brasil já passava de cem, inclusive o presidente Jair Bolsonaro realizava exames por suspeita de estar infectado, e a Colômbia também já tinha feito os primeiros registros da doença.
Postagem de moradora de Santa Marta, no sábado, 28/03, com a Colômbia em quarentena.
Mais indícios do problema
Chegando no novo hotel, o processo com dados mais detalhados de onde eu vinha se repetiu e a pessoa que fez minha recepção deu a mesma explicação. Além disso, ressaltou que muitos pontos turísticos em Cartagena, para onde iria em dois dias, e mesmo Santa Marta, já estavam fechando para turistas.
Apesar disso, em Minca, região de montanhas na cidade de Santa Marta onde tinha chegado, tudo funcionava normalmente. Era domingo de noite, todas nossas próximas estadias estavam confirmadas, mas os casos estavam aumentando e o governo colombiano estudando medidas para enfrentamento do vírus.
Embora preocupado, tentei aproveitar o primeiro dia em Minca. As conversas sobre o vírus e como ele estava afetando a Colômbia se repetiram em mais locais. Alguns turistas que conheci também já relatavam problemas que enfrentavam. Um espanhol chegou a citar que nem turistas poderiam deixar a Colômbia nos próximos dias, fato que também já tinha ouvido de um colombiano.
A informação não parecia correta, já tinha procurado sobre isso em sites colombianos ou em informações da embaixada. Porém, preocupava, uma vez que a Colômbia já tinha fechado seus aeroportos para chegada de estrangeiros e para saída de colombianos.
Postagem do jornal local de Santa Marta, na sexta-feira, 27/03.
A decisão pela volta
À noite, vieram os sinais que deixaram eu e minha esposa preocupados de vez e nos fizeram decidir pelo retorno antecipado para o Brasil. Primeiro, todos nossos hotéis dos últimos seis dias de viagem, que seriam em Cartagena, cancelaram nossa estadia.
As fronteiras marítimas e terrestres estavam fechadas no país. Para piorar, tinha acabado de ler o relato da colega de UOL Luciana Sarmento, que estava "trancada" sem voo no Peru. Isso aumentou nossa preocupação sobre acabar preso em outro país e sem ter um lugar para ficar, uma vez que poucos hotéis estavam aceitando estadia e todos eram caros.
Mesmo Minca, que no dia anterior estava tranquila, teve seu cenário modificado em 24 horas. De um pequeno centrinho movimentado, a região agora só tinha dois lugares abertos para jantar. Nas televisões, apenas notícias sobre o vírus e as medidas do governo de isolamento. Poucas pessoas estavam na rua.
Neste meio tempo, corri atrás de uma solução, que, no momento, era interromper as férias e voltar para o Brasil. Porém, isso também não era fácil.
A busca por uma saída
O site da companhia área que iríamos retornar não ajudava, não funcionava para remarcação de passagens e não tinha informações sobre a situação de voos em países da América do Sul. Não recebemos nenhum contato com recomendações e, quando tentávamos alterar o voo sem custo, não apareciam opções de voo.
Procurar respostas via redes sociais tampouco adiantou. Pedimos ajuda para amigos e familiares no Brasil, que tentaram contato por telefone com a empresa, mas também sem sucesso. O site da embaixada brasileira na Colômbia também não ajudava, pois só tinha informações vagas.
Os problemas enfrentados no Brasil chegaram até nós por meio dos familiares. Eu e minha mulher temos pessoas próximas na família no grupo de risco que estavam aflitos, inclusive, minha mulher tem problemas respiratórios. Nossa preocupação dobrou com a possibilidade do Brasil ter as mesmas medidas que os países vizinhos e fechar fronteiras para a nossa entrada.
Postagem do jornal local de Cartagena, no sábado, 28/03.
Preço caro pelo retorno
Sem ter mais o que fazer, fomos dormir. Nossa esperança era voltar para Cartagena na manhã seguinte e tentar alguma ajuda no consulado brasileiro. Porém, em meio à preocupação de não conseguir voltar para o país, perder futuros compromissos profissionais e ficar na Colômbia sem acesso a saúde, dormir não foi uma opção viável.
Durante a insônia da noite, minha mulher conseguiu, depois de muitas tentativas, remarcar as passagens, porém, com um alto custo. Tentamos novamente falar com a companhia área, mas sem sucesso. O preço era abusivo, mas optamos por pagar pelo cartão de crédito mais de R$ 8.000 parcelados, dinheiro que não temos, e tentar conversar com a empresa área depois.
Com o primeiro desafio superado, agora era preciso pegar dois transportes coletivos para fazer a viagem de pouco mais de quatro horas. Levantamos cedo imaginando que não seria fácil chegar e arrumamos tudo rápido. No miniônibus que saia de Minca, a espera já foi maior, poucos turistas estavam saindo.
Mas o pior veio em Santa Marta, onde as empresas que faziam a viagem até Cartagena já estavam com todos ônibus cheios pela manhã. Muitos turistas tentavam deixar a região, uma moça argentina quase chorava desesperada para tentar retornar para casa e outros turistas se mostravam apreensivos.
Sem nenhum coletivo que chegasse a tempo, só havia uma alternativa: foi necessário pegar um táxi que custou mais de R$ 500. Era isso ou o risco de ter que tentar falar novamente com a companhia área. Chegando em Cartagena, o cenário parecia de guerra. Poucas pessoas na rua, boa parte do comércio fechado e alguns militares faziam patrulha.
Postagem de uma rede de hotelaria de Cartagena, na sexta-feira, 27/03.
O aeroporto estava lotado de turistas. Os guichês das companhias aéreas tinham grandes filas. Este cenário me fez sentir sortudo porque resolvemos tudo pela internet, mesmo assim, tentamos conversar novamente com a companhia área, mas as respostas foram vagas.
Pegamos nosso primeiro voo até Bogotá. Diferente de outros dias, o aeroporto da capital colombiana estava tranquilo e sem filas na imigração. O voo para São Paulo só tinha brasileiros praticamente e estava cheio. Algumas pessoas espiravam e tossiam e não usavam máscaras, o cenário preocupava um pouco, mas parecia um sonho perto da possibilidade de ficar preso em outro país.
O desembarque em São Paulo aconteceu sem nenhum controle da imigração brasileira. Não havia medição de temperatura ou algum cadastro para nós e nem para voos que chegavam da Espanha e dos Estados Unidos, naquela altura já com muitos casos de coronavírus.
Em um carro de aplicativo de transporte para ir até em casa, experimentei uma sensação inédita: a felicidade de ver o poluído rio Tietê. Cheio de dívidas para voltar para o Brasil e com as férias interrompidas, o único sentimento que tinha era de alívio por estar rumo à quarentena em casa.
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