Nascida em Poção, a 240 quilômetros de Recife, Dona Odete herdou o saber e o talento da renda renascença, arte de origem europeia trazida ao Brasil pelas freiras católicas no Nordeste nos anos 1930.
Foi por volta dos 12 anos que aprendeu a arte que perdura rendando até os dias de hoje, com 91 e o esforço da vista tomada pela catarata.
"Eu me lembro do primeiro dia que eu fui trabalhar e conheci a renda. E tem muitas coisas dos dias de hoje que eu não lembro, mas não sei por que a minha memória disso não se esquece", conta a senhorinha condecorada como mestra-artesã de Pernambuco.
Nos fios da memória
Dona Odete era a aluna mais nova da turma de principiantes formada por Elza Medeiros, conhecida como Dona Lala.
Naquele período, a renda ainda era uma atividade sigilosa das freiras. Mas o segredo da arte das linhas emaranhadas vazou quando Maria Pastora - que trabalhava em um convento em Olinda, foi passar férias em Poção e ensinou a renda à Lala.
Lala fez uma peça que chamou a atenção de Dona Áurea Jatobá, uma mulher de posses que teve a ideia empreendedora de produzir renda em grande quantidade e exportar para o Recife.
E, assim, Lala foi encarregada de formar um grupo para ensinar a fazer renda, em tempos que ela era vendida como artefato com ares de requinte para as damas da sociedade. E Odete menina passou a produzir toalhas, colchas e roupas das seis da manhã às seis da tarde em ponto.
Na década de 50, a artesã estava com 20 e poucos anos quando assumiu o comando da turma depois que um "causo" aconteceu na pequena Poção. Lala fugiu com o namorado para uma cidade vizinha, abandonou a turma de alunas rendeiras, e Odete assumiu o cargo, passando de trabalhadeira para rendeira-mestre.
"Dona Áurea ficou aperreada com os trabalhos que tínhamos que terminar e me convidou para assumir o lugar de Lala", conta.
Aos 25 anos, ela se mudou para Pesqueira (a 29 quilômetros da cidade natal) e deu aulas do artesanato até alcançar a aposentadoria.
Poção se tornou a maior cidade produtora de renda renascença do país, e mestra Odete é responsável por ter instruído mais de 5 mil alunos até aqui.
Cheguei a ensinar 40 alunas ao mesmo tempo"
Dama da trama
Tudo começa com um esboço riscado em papel vegetal colocado com papel pardo embaixo apoiado em uma almofadinha redonda.
A primeira camada serve para marcar o desenho a ser feito, o segundo para dar firmeza ao molde.
A trama é formada como uma espécie de mosaico de tecido, onde se juntam pedacinhos de diferentes pontos (há mais de cem diferentes, com nomes como pipoca, xerém, vassourinha, abacaxi e mais), feitos de linha e lacê.
Eu fico futucando o dia inteirinho. Não posso parar de rabiscar e alinhavar a renda. Trabalho todo santo dia até as 22 horas"
"Quem quiser aprender, pode vir, as minhas portas estão abertas", diz, sem rastro de fadiga.
O reconhecimento pela história que teceu ultrapassa décadas e continua em evidência. Em agosto de 2019, Odete ganhou prêmio e foi homenageada pelo Ministério da Cultura que a reconheceu como mestra-artesã. Participou de reportagens na TV, de diversas edições da da maior feira de artesanato da América Latina - a Fenearte (Feira Nacional de Negócios do Artesanato) e estão escrevendo um livro sobre sua história de vida e arte.
"Eu estou chamando a atenção e eu nem gosto. É todo mundo que quer entrevista, vem gente de todo o Brasil todo aqui. Toda semana vem gente falar comigo", explica Dona Odete.
"Eu vou até onde eu puder. Um dia de renda é um dia sem mazela. Só vou parar no último dia da minha vida"
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