Isolada na Palestina, família brasileira critica ações de repatriamento
Residentes em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, o casal Feras Fares Hasan Kanan, de 41 anos, e Aida Saker Makhif (40), está retido, junto com o filho (6) e a sobrinha (20), na pequena cidade de Bayt Rima, próxima à capital Ramallah, no Estado Palestino.
A família embarcou para a Palestina de férias em janeiro e o retorno estava previsto para o dia 16 de março. No entanto, dias antes após autoridades palestinas notificarem sete casos de coronavírus, as fronteiras terrestres do Estado Palestino foram fechadas — e a Cisjordânia não tem aeroporto.
''Pretendíamos ficar uns 50 dias na casa dos meus sogros, que são palestinos. Porém, quando vimos que a situação estava ficando feia tentamos antecipar as passagens", conta Aida. A família apressou-se para tentar cruzar a fronteira com a Jordânia, mas ela já estava fechada. "Também tentamos sair por Israel, mas os caminhos estavam bloqueados'', diz a brasileira, cujo marido é palestino e vive há 15 anos no Brasil. O filho do casal é brasileiro, mas tem dupla cidadania. Já a sobrinha, Samia, é nascida no Brasil.
Na pacata cidade de Bayt Rima, assim como em todo o território palestino, o comércio de lojas, bares e restaurantes permanece fechado devido a pandemia. "Apenas os supermercados e farmácias ficam abertos, mas fecham cedo, às 17 horas. Depois desse horário, você não encontra mais nada aberto. E aqui não existe serviço de delivery", lamenta Samia.
A rotina da família, que está confinada na casa dos pais de Feras, tem sido assistir televisão, ler jornais e falar com os familiares e amigos via internet enquanto aguarda uma resposta do governo brasileiro por meio do Ministério de Relações Exteriores.
Em nota divulgada à reportagem de Nossa no último domingo (19), o departamento de Comunicação Social do Ministério afirmou que ''O Escritório de Representação do Brasil em Ramallah tem conhecimento da situação dos brasileiros retidos na Palestina, em decorrência das medidas de isolamento decretadas pelo governo jordaniano, que fechou todas as suas fronteiras. Foi oferecida, no dia 16 de março, a opção de retorno ao Brasil por Tel-Aviv, solução que não foi aceita pelos brasileiros, os quais preferiram esperar a reabertura da fronteira terrestre com a Jordânia, o que ainda não ocorreu".
A família contesta a argumentação do governo brasileiro. "No dia 16 de março, ligou uma representante da Embaixada do Brasil em Ramallah e falou que teria um possível voo, mas a viagem seria somente para mim e para a Samia. Meu filho, que tem dupla cidadania, e meu marido, que é palestino, não estariam incluídos. Também não nos deram a certeza de que conseguiríamos passar a fronteira para Israel", diz Aida.
Não foi uma ajuda, foi apenas uma informação de voo, que seria pago pela gente e custaria, em média, R$ 7 mil por passageiro"
De acordo com Samia, funcionários do Escritório de Representação em Ramallah teriam comunicado recentemente a família que haveria um voo disponível para o Brasil no dia 16 de abril. "Mas não sei de onde tiraram esta informação. Também disseram que teria um último voo de Tel Aviv para o Brasil no dia 28 de abril. Falaram ainda que teríamos que procurar uma agência de viagens e nos virar para chegar até Tel Aviv, em Israel", conta. "Mas não tem como: quem conhece a história da Palestina e de Israel sabe que há muitas barreiras e, além disso, está tudo fechado agora".
Se pudéssemos passar, iria somente eu e a minha tia. Não tem como deixar o restante da família aqui só porque são palestinos"
A família queixa-se do jogo de ''empurra-empurra'' das embaixadas do Brasil em Israel, Jordânia e Palestina. ''Não temos uma ajuda concreta. Fica um escritório jogando a responsabilidade para o outro", diz Samia. "A gente telefona para a Embaixada do Brasil em Tel Aviv e eles mandam entrar em contato com o escritório em Ramallah, onde não sabem nos informar direito".
Outra preocupação dos brasileiros é o que o visto de turista está prestes a expirar. "Vence em 29 de abril e não sabemos nem como renovar os vistos porque está tudo fechado. O escritório de representação do Brasil na Palestina nos fornece números de telefones para ligar e obter informações, mas ninguém atende'', reclama Aida.
Segundo Gustavo de Lima Pereira, professor de Direito Internacional da PUCRS, o fato de uma pessoa ter mais de uma nacionalidade (neste caso brasileira-palestina, como o filho do casal) não é um impeditivo do exercício da soberania do Estado de Israel de definir de quem ingressa em seu território ou quem sai. "Ainda mais em uma situação em que estamos vivendo agora", salienta.
Mesmo que um palestino tenha outra nacionalidade, Israel tem o direito de não aceitar esta pessoa''
Questionado como Israel poderia proceder para liberar um turista palestino-brasileiro para transitar em seu território e embarcar em Tel Aviv com destino ao Brasil, o professor sugere duas hipóteses. "Ou seria por livre e espontânea vontade ou por uma tentativa de um diálogo diplomático entre o Ministério de Relações Exteriores do Brasil com Israel".
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty está em contato com 14 brasileiros na Jordânia e 10 na Palestina. Ainda não há previsão de retorno dos compatriotas ao país.
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