Medo, frio e descaso: o drama de brasileiros presos no aeroporto de Lisboa
"Acampados" em frente ao Aeroporto de Lisboa, em Portugal, cerca de trinta brasileiros esperam, desde o último sábado (25), a chance de voltar ao Brasil em meio a pandemia do coronavírus. Sem qualquer assistência oficial, eles contam apenas com a ajuda da população local para se protegerem do frio e se alimentarem.
Embora todos eles já estejam cadastrados na lista de contatos do Consulado, não conseguem embarcar em nenhum dos voos de repatriação.
"Vi notícias sobre na TV e nas redes sociais, então fui até o aeroporto procurar por alguém que pudesse contatar a Cruz Vermelha Portuguesa", conta a brasileira Fernanda Barros ao Nossa. "Quando cheguei vi muitas pessoas, incluindo idosos e crianças pequenas. Eles estão aglomerados para não passar frio à noite".
Fernanda, que está presa em Portugal, mas na casa de um amigo, e impedida de voltar à Alemanha, observa ainda a omissão de serviços do governo brasileiro aos desabrigados.
"Me disseram que a polícia portuguesa estava ameaçando usar força para tirar eles da frente do aeroporto. Enquanto isso, o consulado não atende, não responde os e-mails", acrescenta. "Vi um senhor com diabetes que tava de cadeira de rodas, com uma ferida aberta no pé. Alguma coisa precisa ser feita. Estão todos desesperados. Existe um voo programado para quarta-feira (29), mas já está cheio e não vai levá-los de volta", relata a estudante de Direitos Humanos.
"Estamos cansados e desgastados"
Essas são as queixas de Eliene Cristina de Andrade, que faz parte do grupo. A goianense, que foi até Portugal a trabalho há aproximadamente um ano, perdeu todas as oportunidades de emprego de faxina e assistência à terceira idade com o coronavírus e agora "tenta sobreviver" em meio ao caos com o marido, que chegou ao país cerca de quinze dias antes do surto.
"Com tudo parando, não pudemos fazer mais nada. Ficamos sabendo dos voos de repatriamento, o consulado passou o contato para nos cadastrarmos, mas não tivemos nenhum retorno", conta ao Nossa. "Viemos para o aeroporto, ficamos na fila e quando chegou nossa vez, nosso nome não estava na lista. Entrou todo mundo e a gente ficou".
Com "sorte", como conta Eliene, a população local está ajudando com casacos, cobertores e comidas "o tempo todo". Por outro lado, "o governo não faz nada".
"Estamos enfrentando frio e perigo, porque tem um vírus que pode nos matar", lamenta. "A gente só quer voltar para a casa. Aqui ninguém tem dinheiro para pagar hotel, hostel ou qualquer outro lugar. Não tem como permanecermos aqui desse jeito. Não era essa a ideia, a gente veio para trabalhar e voltar com nosso dinheiro. Porém, aconteceu tudo isso. Temos que ter alguma solução. Precisamos de ajuda".
A pressão psicológica dos funcionários do aeroporto e da polícia local também foram citadas pela brasileira.
"Os outros passam e olham para a gente como se fossemos animais", diz. "Já deu, tem que ficar aqui e um lado a polícia, do outro um funcionário, aí aparece uma pessoa e diz que o 'vírus está aqui'. É um vexame".
Resposta do Consulado
Questionada sobre quais serão as medidas tomadas e os motivos pelos quais esses brasileiros não estão recebendo o devido apoio, a Embaixada do Brasil, em Lisboa, alegou que ofereceu estadia para o grupo, em uma igreja evangélica local, mas eles se "recusaram a ir para pressionar o governo".
"Não é no grito que funciona", alegou o Ministro Eduardo Hosannah, Consul-Geral Adjunto, ao Nossa. "Uma igreja limpou os quartos, higienizou as camas, pegou o carro e foi até o aeroporto. Oferecemos pousadas para todos, mas eles negaram porque ficaram para pressionar. Depois disso, pedimos para que se cadastrassem para podermos encaixá-los. O que não pode é achar é que, criando tumulto, eles vão entrar no avião".
O Ministro Eduardo Hosannah declarou ainda prioridade aos turistas e pessoas vulneráveis — o senhor apresentado no início da matéria, com ferimento no pé, inclusive já estaria retornando ao Brasil.
"Eles se cadastraram, mas alguns vão receber passagem, outros não. Nesse caso, os mais fragilizados, sim", declarou. "O primeiro objetivo foi resgatar a população de turistas. Enquanto ainda havia voos comerciais, conseguimos encaixar esses brasileiros turistas que estavam perdidos em Portugal. Quando os voos comerciais foram encerrados, negociamos os voos humanitários".
"Nossos recursos têm objetivos e critérios. Não é um 'oba-oba'. O resto, como todo mundo, vai ter que aguentar. Temos que aguentar, não tem jeito", acrescentou ele, reafirmando a necessidade do preenchimento do formulário para a posterior análise. "Tem gente querendo se aproveitar e conseguir uma passagem de graça para o Brasil".
Após a conversa com o Ministro, o Nossa entrou em contato mais uma vez com o grupo de brasileiros. Na conversa, eles disseram que o veículo que teria oferecido estadia para eles da igreja não se identificou como uma medida do Consulado e não direcionou a oportunidade para todos.
"Vieram oferecer ajuda para uma mulher com uma criança e um senhor com o pé enfaixado. Quanto aos outros, eles não ofereceram", diz Eliene. "Eles olharam para quem tem mais necessidade, mas nós também somos seres humanos. Como a gente não ia aceitar ajuda se estamos aqui justamente pedindo por isso? Se eles tivessem dito que eram do Consulado, a fim de nos proporcionar todo o apoio necessário, você acha que estaríamos aqui passando humilhação e com gente filmando a gente como se fosse bicho?".
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