A quarentena na "cidade dos brasileiros" na Rússia
A longínqua Kursk fica a cerca de 550 quilômetros de Moscou e, como boa parte do mundo, está em quarentena por causa da covid-19. Seus moradores podem sair de casa apenas para ir à farmácia ou comprar comida. Por isso, é à distância ou circulando pelo supermercado que José Edson Matos, estudante baiano de 23 anos, acena para os vizinhos. "No meu condomínio, moram entre 30 e 40 pessoas vindas do Brasil", diz ele. "Mas na minha universidade devem ter mais de 300".
Esse fluxo considerável fez Kursk ficar conhecida como "a cidade dos brasileiros" na Rússia. O ensino de qualidade e os preços bem mais baratos do que os das faculdades particulares brasileiras, principalmente para se formar como médico, são um grande atrativo para quem não tem medo do frio ou da diferença cultural. No Brasil, um curso de medicina pode custar a R$ 8 mil por mês; em Kursk são US$ 2.500 o semestre.
O que parecia ser uma boa escolha, porém, acabou virando uma equação complicadíssima de se sustentar por causa da pandemia de covid-19. Desde o fim de março, quando o vírus chegou pra valer na Rússia, muita coisa mudou para os estudantes.
As aulas foram suspensas ao vivo e seguem online, sem previsão de retornar à normalidade. Além do medo de se contaminar estando em um lugar distante e da obrigatoriedade de ficar em casa até pelo menos 30 de abril (segundo determinação do governo de Vladimir Putin), pagar as contas é agora um desafio.
A crise financeira e a disparada do dólar no Brasil podem obrigar muita gente a largar tudo. Vale lembrar que, na última semana, a moeda norte-americana ultrapassou o valor de R$ 5,50.
Boa parte dos estudantes de Kursk depende de recursos financeiros da família para viver, como é o caso do próprio José Edson, que estuda medicina com especialização em cibernética. "A gente acaba recebendo bem menos dinheiro. Nós temos um grupo no Whatsapp, com o pessoal daqui, e ficamos conversando sobre isso, se vai ser possível se manter. Meu pai, por exemplo, tem uma pequena empresa em Dias d'Ávila, perto de Salvador, e ela está de portas fechadas", diz ele.
Ninguém veio para cá porque é rico, né? Viemos porque o ensino é de qualidade e o custo-benefício valia a pena. A situação está bem delicada"
Crise em real, crise em euro
Quem também está sem saber como continuar por causa de questões financeiras é Ana Laura Prestes Ferreira de Sá, de 19 anos. Ela cursa o primeiro ano de Relações Internacionais na Universidade Estatal de Kursk e mora há quase dois anos na Rússia.
"Eu falo russo e tenho um canal no YouTube onde conto como está sendo a minha vida aqui", diz ela, que se mantém na cidade com o apoio financeiro da mãe e da avó. As duas moram na Espanha e perderam praticamente todo o rendimento financeiro com a quarentena imposta por lá.
Minha mãe trabalha com turismo nas Ilhas Canárias e começamos a ter problemas porque está tudo fechado. Ela precisou pedir dinheiro emprestado tanto para me sustentar aqui como para pagar as próprias contas"
Dentro desse cenário, ainda é preciso ficar atento para evitar a contaminação pelo coronavírus, já que os números não param de crescer. Na última segunda-feira, dia 27, a Rússia passou a China em número de casos, segundo dados oficiais.
São mais de 87 mil infectados e cerca de 6 mil novos confirmados por dia. "Como preciso tomar alguns remédios de forma recorrente, estou saindo mais para ir à farmácia mesmo. Mas é aquele esquema: usar máscara, encher a mão de álcool gel quando chega, limpar tudo que se compra e ficar em casa a maior parte do tempo", diz a jovem.
Multa caríssima e quarentena vigiada
Bem diferente do cenário que se vê no Brasil, onde o isolamento vem sendo constantemente burlado e a adesão ao #fiqueemcasa está em queda, quem for parado na rua em Kursk e não tiver um bom motivo para estar por lá paga multa - e das altas.
São 30 mil rublos, cerca de R$ 2.350, para pessoas físicas; se o "infrator" for membro do governo, agente público ou pessoas jurídica, o valor fica ainda mais caro. A ordem é controlar ao máximo a disseminação do vírus, que começou a se alastrar pelo país depois da pandemia já ter atingido com força boa parte da Europa e da Ásia.
Foi por causa deste controle que Gabriela Daher, de 21 anos, e o namorado, Ricardo Guimarães Teixeira, de 23, ficaram isolados em um hospital da cidade usado para monitorar quem chega de fora.
O objetivo é confirmar que a pessoa não possui covid-19 antes de sair circulando livremente. Foram 11 dias reclusos dentro de um quarto, conforme conta Gabriela:
"Ficamos separados, sem poder ter contato com ninguém, só com os enfermeiros. Comigo tinha uma outra menina que falava um pouco de russo e traduzia alguma coisa para mim. Fiz diversos testes de coronavírus, acho que uns quatro. Foi bem complicado"
O casal chegou dia 14 de março à Rússia vindo Goiânia. O objetivo também é estudar. "Hoje, estou cumprindo a quarentena em casa e saindo apenas para o essencial mesmo. Não é fácil ter aulas online, principalmente de medicina", fala Gabriela, que mora com Ricardo e também está sendo sustentada com recursos familiares.
"Apesar de tudo, estou gostando muito daqui. Se precisar, volto para o Brasil, mas se tiver a opção de ficar, eu prefiro. Sou muito grata pelo esforço deles em ainda poder me ajudar nesse sonho", diz ela.
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