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Entre índios e paraíso, brasileiros passam quarentena em veleiro no Panamá

Família Machemer está há mais de dois meses em um veleiro em San Blas, no Panamá - Arquivo pessoal
Família Machemer está há mais de dois meses em um veleiro em San Blas, no Panamá
Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Vessoni

Colaboração para Nossa

15/05/2020 04h00

Era para ser uma daquelas viagens perfeitas, a bordo de um veleiro, singrando águas calmas de ilha em ilha do Caribe.

Mas quando os índios da etnia Guna deixaram de fazer a rotineira ronda de canoa para venda de alimentos frescos, a família Machemer se deu conta de que algo diferente estava acontecendo.

O planeta parava por conta da pandemia de coronavírus, a comida a bordo ia escasseando e a âncora do catamarã já não podia sair do lugar.

Desde o dia 4 de março, o piloto aéreo Márcio e a professora de ioga Alessandra Machemer estão isolados com a filha de 15 anos no arquipélago de San Blas, uma faixa estreita de praias paradisíacas no Panamá.

Família Machemer está há mais de dois meses em San Blas, no Panamá - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Família Machemer está há mais de dois meses em San Blas, no Panamá
Imagem: Arquivo pessoal

"A gente não recebeu nenhuma notícia oficial. Percebemos que as coisas foram se modificando com o tempo e os índios começaram a não vir tanto ao barco", descreve Alessandra, em entrevista por telefone para o Nossa.

Ancorados em Guna Yala, destino caribenho com mais de 365 ilhas, os tripulantes estão impedidos de desembarcar e os indígenas locais só autorizam a aproximação de ilhas desabitadas. Em algumas delas, bandeiras vermelhas foram colocadas nas areias da praia para alertar sobre a proibição de desembarque.

"Eles são extremamente amigáveis, mas estão tentando preservar também a saúde deles", explica.

Alessandra e Márcio nas tarefas diárias do veleiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Alessandra e Márcio nas tarefas diárias do veleiro
Imagem: Arquivo pessoal
A viagem por San Blas deveria durar três semanas ("ou o tempo que a gente quisesse ficar") e seguiria até a costa norte dos Estados Unidos. Mas como portos do mundo também estão fechados, a família começa a se preocupar com outro problema.

Distantes de um centro urbano com melhor estrutura, Alessandra teme pela aproximação de temporada de furacões no Caribe.

"As janelas para velejar estão se fechando e a gente vai ter que ficar aqui até que outra coisa aconteça, como a abertura dos portos", explica, preocupada, embora a região não esteja na rota das grandes tempestades que costumam arrasar o Caribe, entre junho e novembro.

O casal está com a filha Carolina que, mesmo em quarentena forçada, segue com suas aulas online do Ensino Médio. Já o filho mais velho, Henrique, 19, voltou para o Brasil por conta do curso de Letras na UFRGS.

A família completa no Caribe - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A família completa no Caribe
Imagem: Arquivo pessoal

Confinados

Desde que compraram um veleiro na França, em 2018, a família já está acostumada com períodos de confinamento, incluindo uma travessia do Atlântico em 21 dias.

A família em Benalmádena, em Málaga, na Espanha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A família em Benalmádena, em Málaga, na Espanha
Imagem: Arquivo pessoal

Mas dessa vez o futuro é incerto e não há como fazer nenhum tipo de planejamento. "São mais de dois meses no mesmo lugar e sem perspectiva para onde ir", confessa Alessandra.

A rotina no Panamá, quebrada pela passagem inesperada de golfinhos ou com prática de snorkel em áreas de corais, se resume à vida ao redor do barco e à espera de comida. A família chegou a ficar 24 dias sem receber nenhum produto.

Além da incerteza do abastecimento, que não acontece com a mesma frequência de antes da pandemia, a família precisa se preocupar também com a compra de gás de cozinha e fabricação de água potável.

Veleiro Biguá ancorado em Tobago Cays, nas Ilhas Granadinas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Veleiro Biguá ancorado em Tobago Cays, nas Ilhas Granadinas
Imagem: Arquivo pessoal

Com quase 13 metros de comprimento, o catamarã é equipado com um dessalinizador, onde fazem até de 200 litros de água para consumo, diariamente. "Não temos as mesmas facilidades de quem está em um isolamento 'normal'. Tudo aqui é limitado, por isso temos que economizar", lembra a professora.

Em certo momento, na região do Cayo Lemones, as únicas opções de produtos frescos eram abacaxi, banana-da-terra, batatas, cebola e tomate.

"A gente não imaginou que ia ser tão difícil conseguir comida. Temos que nos virar com isso", conta. Mas logo na sequência, o marido Márcio relativiza. "Cada dia tem menos comida no barco e, cada vez, mais comida na mesa", analisa o patriarca dessa família de velejadores veganos.

Veleiro na região das ilhas Turks and Caicos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Veleiro na região das ilhas Turks and Caicos
Imagem: Arquivo pessoal

Há dois anos divididos entre os compromissos em terra firme e as travessias marítimas, esses gaúchos de Canoas pretendem dar a volta ao mundo e têm publicado vídeos no canal do veleiro Biguá no Instagram e no YouTube, onde relatam esse e outros perrengues.