Entre índios e paraíso, brasileiros passam quarentena em veleiro no Panamá
Era para ser uma daquelas viagens perfeitas, a bordo de um veleiro, singrando águas calmas de ilha em ilha do Caribe.
Mas quando os índios da etnia Guna deixaram de fazer a rotineira ronda de canoa para venda de alimentos frescos, a família Machemer se deu conta de que algo diferente estava acontecendo.
O planeta parava por conta da pandemia de coronavírus, a comida a bordo ia escasseando e a âncora do catamarã já não podia sair do lugar.
Desde o dia 4 de março, o piloto aéreo Márcio e a professora de ioga Alessandra Machemer estão isolados com a filha de 15 anos no arquipélago de San Blas, uma faixa estreita de praias paradisíacas no Panamá.
"A gente não recebeu nenhuma notícia oficial. Percebemos que as coisas foram se modificando com o tempo e os índios começaram a não vir tanto ao barco", descreve Alessandra, em entrevista por telefone para o Nossa.
Ancorados em Guna Yala, destino caribenho com mais de 365 ilhas, os tripulantes estão impedidos de desembarcar e os indígenas locais só autorizam a aproximação de ilhas desabitadas. Em algumas delas, bandeiras vermelhas foram colocadas nas areias da praia para alertar sobre a proibição de desembarque.
"Eles são extremamente amigáveis, mas estão tentando preservar também a saúde deles", explica.
A viagem por San Blas deveria durar três semanas ("ou o tempo que a gente quisesse ficar") e seguiria até a costa norte dos Estados Unidos. Mas como portos do mundo também estão fechados, a família começa a se preocupar com outro problema.
Distantes de um centro urbano com melhor estrutura, Alessandra teme pela aproximação de temporada de furacões no Caribe.
"As janelas para velejar estão se fechando e a gente vai ter que ficar aqui até que outra coisa aconteça, como a abertura dos portos", explica, preocupada, embora a região não esteja na rota das grandes tempestades que costumam arrasar o Caribe, entre junho e novembro.
O casal está com a filha Carolina que, mesmo em quarentena forçada, segue com suas aulas online do Ensino Médio. Já o filho mais velho, Henrique, 19, voltou para o Brasil por conta do curso de Letras na UFRGS.
Confinados
Desde que compraram um veleiro na França, em 2018, a família já está acostumada com períodos de confinamento, incluindo uma travessia do Atlântico em 21 dias.
Mas dessa vez o futuro é incerto e não há como fazer nenhum tipo de planejamento. "São mais de dois meses no mesmo lugar e sem perspectiva para onde ir", confessa Alessandra.
A rotina no Panamá, quebrada pela passagem inesperada de golfinhos ou com prática de snorkel em áreas de corais, se resume à vida ao redor do barco e à espera de comida. A família chegou a ficar 24 dias sem receber nenhum produto.
Além da incerteza do abastecimento, que não acontece com a mesma frequência de antes da pandemia, a família precisa se preocupar também com a compra de gás de cozinha e fabricação de água potável.
Com quase 13 metros de comprimento, o catamarã é equipado com um dessalinizador, onde fazem até de 200 litros de água para consumo, diariamente. "Não temos as mesmas facilidades de quem está em um isolamento 'normal'. Tudo aqui é limitado, por isso temos que economizar", lembra a professora.
Em certo momento, na região do Cayo Lemones, as únicas opções de produtos frescos eram abacaxi, banana-da-terra, batatas, cebola e tomate.
"A gente não imaginou que ia ser tão difícil conseguir comida. Temos que nos virar com isso", conta. Mas logo na sequência, o marido Márcio relativiza. "Cada dia tem menos comida no barco e, cada vez, mais comida na mesa", analisa o patriarca dessa família de velejadores veganos.
Há dois anos divididos entre os compromissos em terra firme e as travessias marítimas, esses gaúchos de Canoas pretendem dar a volta ao mundo e têm publicado vídeos no canal do veleiro Biguá no Instagram e no YouTube, onde relatam esse e outros perrengues.
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