Entre vida normal e restrição: brasileiros relatam pandemia na Escandinávia
Na longínqua Escandinávia localizada ao Norte da Europa, próxima ao círculo polar ártico, a pandemia de coronavírus demorou para chegar. Noruega, Suécia e a Dinamarca fazem parte de uma tríade privilegiada, que ocupa o topo dos rankings de riqueza, bem-estar e felicidade no mundo. Mas nem por isso foram poupadas da doença.
No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo enfrentava uma pandemia de coronavírus. Neste dia, a Dinamarca fechou escolas e cancelou eventos. Seguida da Noruega, que tomou as mesmas medidas no dia seguinte.
Já a Suécia não impôs restrições e apenas aconselhou os cidadãos a tomarem uma série de cuidados para se proteger. Hoje, o país soma mais mortos que os vizinhos da região.
Suécia: vida normal, mas nem tanto
Com bares, restaurantes, cafés e escolas para menores de 16 anos abertos, além da permissão de reuniões com até 50 pessoas, a vida na Suécia continua como antes, mas em um ritmo mais suave, digamos. Mesmo assim há quem sinta as mudanças.
O brasileiro de Florianópolis, Leonam Espíndola, 31 anos, não imaginou que sua vida mudaria tanto em tão pouco tempo. Ele mora em Estocolmo, capital do país, há cinco anos e é responsável pela eficiência e agilidade do time de marketing de uma empresa de telecomunicação. Todos os dias ia até o escritório e encontrava os colegas. Mas, desde que o vírus chegou no país, trabalha em casa.
"Lembro que a Spotify foi a primeira empresa na Suécia a fechar o escritório. Depois deles, a gente ficou uma semana e meia até começar a trabalhar em casa. No começo, não acreditava que a minha rotina ia ser abalada desse jeito". Mesmo sem imposições, a Suécia aconselha uma série de medidas, como trabalhar remotamente, evitar viagens não essenciais e manter distância de mais de 1,5 metro.
Quando a pandemia chegou, líderes empresariais pediram que as autoridades levassem em consideração a economia ao impor restrições. Mas, mesmo com o comércio aberto, é improvável que o país escape da ressaca econômica. A Comissão Europeia prevê que o PIB da Suécia recue 6,1% este ano.
Leonam conhece pessoas que foram demitidas no país — algo raro por lá. "As pessoas estão preocupadas. Os suecos têm muitos benefícios e nunca viveram essa realidade."
Sair ou não sair?
Hoje, o brasileiro enfrenta um dilema se deve sair para passear ou não.
Leonam possui dois grupos de amigos: o de estrangeiros que segue medidas restritivas de quarentena, como sair de casa somente para o essencial, e o de suecos que acata as recomendações do governo.
O último grupo se encontra, mas evita contato, e procura manter uma distância de 1,5 metro. "Eles têm um sentimento de orgulho por serem suecos. Confiam bastante no país. Quando eu questiono sobre as críticas, muitos argumentam que o governo mudaria a estratégia se não estivesse fazendo um bem para a nação."
De fato, a maioria dos suecos confia nas autoridades. Uma pesquisa realizada pela Ipsos/DN, especialista em pesquisa de mercado global, mostra que apenas 11% da população é contra as medidas adotadas.
A estratégia do governo é adotar normas menos rigorosas para que as pessoas sigam as recomendações por mais tempo. E nega que a sua estratégia seja baseada em imunidade de rebanho, ou seja, expor a população à contaminação para que se torne imune.
Nada de teste
Há um mês, Leonam foi ao hospital para retirar pedras nos rins e no dia seguinte, ficou doente, com uma gripe forte que incluía sintomas como perda de olfato, dores de cabeça e dor de garganta. O mal-estar durou duas semanas.
Outros amigos também ficaram doentes com febre, tosses e problemas respiratórios, mas nenhum chegou a fazer o teste de coronavírus. Isso porque a Suécia só realiza os exames em pessoas que precisam de cuidados hospitalares, que trabalham na área da saúde ou com assistência a idosos. Quem apresenta problemas respiratórios ou resfriados deve ficar em casa para reduzir o risco de disseminação da infecção.
"Fico chateado por não saber se peguei o coronavírus ou não. Queria saber por uma questão de saúde pública. Tem essa questão psicológica: será que a gente pegou?", questiona.
País mais atingido da região
Na Suécia morre mais gente por coronavírus do que nos vizinhos escandinavos e, até esta quarta-feira, morreram 3.831 pessoas.
O país registra 315 mortes por milhão. Enquanto a Dinamarca possui 91 mortes por milhão e a Noruega 41 mortes por milhão.
"Eu sinto um pouco de ansiedade pois não é a mesma tática de outros países europeus. Com a chegada do verão eu quero ver meus amigos, sair de casa. Penso até em marcar alguma coisa com grupos menores. Mas aí eu vejo as notícias no mundo e desmarco", conclui o brasileiro.
Noruega: medida mais dura desde a Segunda Guerra
A Noruega e a Suécia são vizinhas, dividem centenas de quilômetros e possuem uma cultura similar — são capazes até mesmo de entender o idioma uma da outra. Porém, diante da pandemia da covid-19, optaram por caminhos diferentes.
A primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg, admite que as medidas para controlar o coronavírus são as mais rigorosas desde a Segunda Guerra Mundial e até esta quarta (20), o país conta com 234 mortes.
Com a covid-19, tudo parou
A gaúcha Carol Tissot, 29 anos, só entendeu a gravidade da situação quando o governo norueguês decidiu fechar as escolas. Ela mora há cinco anos em Trondheim, uma cidade universitária localizada no meio da Noruega.
"Foi super estranho ver a cidade deserta. É surreal pensar que a gente tá fugindo de um negócio que não pode ver."
O período de adaptação da quarentena foi difícil, pois, assim como os noruegueses, ela tem uma vida agitada. Gosta de ir à academia, caminhar na floresta, encontrar os amigos e praticar o esporte queridinho do país, o esqui cross-country (uma modalidade em que os esquiadores deslizam em terrenos planos cobertos de neve).
Além disso, por seis horas diárias, Carol desenvolve projetos de empreendedorismo com grupos vulneráveis em países do Leste Europeu e da América Latina e sabe a diferença que faz morar em um país que possui a economia mais inclusiva do mundo, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Inclusivo do Fórum Econômico Mundial. "Como é uma nação mais igualitária, as pessoas sentiram os efeitos da pandemia de uma maneira parecida", defende Carol.
Testes para todos
Como o conterrâneo que mora em Estocolmo, ela ainda sente a quarentena, e possivelmente, os efeitos do próprio vírus.
No começo de fevereiro, Carol fez uma viagem para Portugal e, após dois dias em casa, começou a sentir os sintomas: febre alta e tosse seca. Foi ao médico e fez um teste, que deu negativo. Mas, como o exame foi feito no começo da pandemia, Carol tem dúvidas da sua eficácia. Independente se teve o coronavírus ou não, hoje ela está bem.
Uma das políticas locais é testar grande parte da sua população e cerca de 20 pessoas a cada mil fazem o exame (enquanto na Suécia, somente 5 a cada mil pessoas são testadas), aponta o Our World in Data. Até agora, quase 196 mil noruegueses realizaram o teste.
"Eu sinto confiança no país. Se eu precisar ir ao médico, eu sei que vou ter acesso. É uma sociedade bem estruturada, que pensa no coletivo. Há um alto nível de confiança nas instituições e nas pessoas", explica Carol.
Isolamento positivo
Aos poucos, a Noruega volta a normalidade, com menos de 100 pessoas hospitalizadas com covid-19 desde o fim de abril.
Com a pandemia sob controle, como anunciou o governo, crianças e adolescentes estão indo para as escolas e os encontros com até 50 pessoas em locais públicos voltaram a acontecer. Mantendo, claro, uma distância mínima de um metro.
"Quanto mais o isolamento parecia ter sido desnecessário, mais eficiente ele foi. Me parece que as medidas na Noruega foram feitas da melhor forma possível", resume Carol. E conclui: "Essa é a minha opinião. Mas a verdade é que a gente só vai saber a melhor estratégia de quarentena daqui a muito tempo".
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