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Piloto de avião conta como é voar durante a pandemia: "Desolador"

Comandante Carlos Ribeiro (à esq.) e colega se preparam para o voo que iria até a China recolher máscaras  - Arquivo pessoal
Comandante Carlos Ribeiro (à esq.) e colega se preparam para o voo que iria até a China recolher máscaras Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

26/05/2020 04h00

Aeroportos desertos, aviões parados, rotas aéreas vazias e silenciosas: muita gente tem acompanhado esta estagnação do mundo das viagens causada pela pandemia de coronavírus. Mas como é observar este cenário desde a cabine de comando de uma aeronave?

Assim como outros pilotos, o comandante Carlos Ribeiro, da Latam segue trabalhando nestes tempos de crise, seja operando voos essenciais ao redor do globo ou transportando, por exemplo, produtos utilizados no combate à covid-19.

Ao Nossa, o piloto conta que encontrou cenários "desoladores" ao voar recentemente pelo mundo.

"Triste realidade"

Comandante Carlos Ribeiro em voo pré-pandemia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Comandante Carlos Ribeiro em voo pré-pandemia
Imagem: Arquivo pessoal

Carlos trabalha com aviação há cerca de 30 anos e, desde a eclosão da crise do coronavírus, trocou, temporariamente, o transporte aéreo de passageiros pelo de cargas.

Neste mês de maio, por exemplo, ele participou de uma operação que trouxe, da China, milhões de máscaras sanitárias para o Brasil. Na ocasião, Ribeiro pilotou um Boeing 777 da Latam entre São Paulo e o aeroporto de Schiphol, na Holanda. De lá, outros pilotos assumiram o avião para levá-lo até Xangai, onde estava o carregamento de máscaras.

Segundo ele, o mundo que observou durante toda a viagem é um lugar "muito triste". "Na aviação, estamos acostumados com uma realidade dinâmica, com o céu cheio de aviões e muitas pessoas embarcando nos aeroportos. E isso acabou de uma hora para outra [por causa da pandemia]", lamenta.

No momento de levantar voo desde o Brasil para esta missão internacional, o piloto conta que só havia a sua aeronave em procedimento de decolagem em Guarulhos. "O aeroporto estava vazio", relembra ele, em um cenário que classifica como "apocalíptico".

Após decolar, o silêncio do espaço aéreo chamou a sua atenção. Em tempos normais, o sistema de comunicação da cabine de comando do avião capta uma profusão de mensagens trocadas entre outras aeronaves e centros de controle de tráfego aéreo localizados em terra.

O piloto relata que, por causa do silêncio prolongado, realizou testes com seu sistema de comunicação para se ver se ele estava funcionamento corretamente (e estava).

Comandante Carlos Ribeiro (à frente) se preparam para o voo que iria até a China recolher máscaras  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Comandante Carlos Ribeiro (à frente) e colegas se preparam para o voo que iria até a China recolher máscaras
Imagem: Arquivo pessoal

Atenção redobrada e máscara na cabine

"Este tipo de situação, com tudo vazio, tende a levar os aviadores a um estado de relaxamento, pois não há outros aviões por perto. Por isso, temos que ficar com a atenção redobrada, para não perder o foco na segurança do voo", avalia o comandante.

Além do estado de alerta diferente, pela primeira vez em três décadas de carreira, ele teve que pilotar com o rosto coberto por uma máscara sanitária. "Fui treinado para usar apenas a máscara de oxigênio, em situações de emergência", brinca ele. "Nunca havia voado com este outro tipo máscara".

Sem comissários na jornada rumo à Holanda e à China, o voo parecia ainda mais estranho. Ribeiro e os outros comandantes e copilotos presentes na aeronave se revezaram para realizar o trabalho que, em voos comerciais, é feito pelos colegas ausentes, como fechar as portas do avião e servir a alimentação a bordo.

"Cenário desolador"

Comandante Carlos Ribeiro (ao centro) se prepara no voo que foi até a China recolher máscaras  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Comandante Carlos Ribeiro (ao centro) e colegas no voo que foi até a China recolher máscaras
Imagem: Arquivo pessoal

O comandante Carlos Ribeiro afirma que, para realizar esta missão, não foi necessário remover as poltronas ou qualquer outra parte significativa da estrutura do avião. "Mas uma equipe do setor de cargas da Latam viajou conosco para monitorar o transporte [das máscaras]".

Aviões da KLM parados no aeroporto de Amsterdã - Divulgação - Divulgação
Aviões da KLM parados no aeroporto de Amsterdã
Imagem: Divulgação

E, na hora de realizar a parada na Holanda, houve mais um impacto, que resume bem o drama pelo qual o setor aéreo passa atualmente: "o aeroporto de Schiphol [que serve a cidade de Amsterdã e é um dos mais importantes da Europa] está com pistas cheias de aviões parados por causa da pandemia", conta Ribeiro. "É um cenário desolador".