"Ano está perdido": casal de brasileiros passa pela pandemia no Japão
Residentes há quatro anos no Japão, assim que chega a primavera, os paulistas Carlos Kato e Denise Makimoto organizam as malas para viajar de Yokohama, onde moram, até Tóquio. Na capital do país, eles celebram o período de "hanami" (contemplação das flores).
Esse ano, porém, as comemorações do casal não aconteceram. O coronavírus chegou e, até esta terça (26), o Japão contabilizava 16.628 casos confirmados e 851 mortes.
O jeito, então, foi apreciar as cerejeiras perto de casa. "As flores estavam bonitas. Mas a gente ficou com receio e decidiu não ir para Tóquio", conta Carlos, que é guia de turismo e fotógrafo e acompanha brasileiros e americanos em passeios no país.
Trabalho perdido
Justamente neste período, o Japão recebe muitos turistas interessados em ver de perto as flores da cerejeira, as famosas sakura. Elas atingem o seu máximo esplendor durante uma semana, geralmente no final de março e começo de abril. Diante dos dias mais aguardados do calendário, Carlos havia agendado 20 dias de tour e, à medida que a doença se espalhava pelo mundo, os viajantes cancelavam o passeio.
Desde fevereiro, o guia não atende nenhum grupo e está pessimista quanto à chegada de turistas em 2020.
"No meu planejamento, esse ano está perdido. Agora só na próxima primavera", lamenta.
A expectativa de alta no turismo japonês para este ano era ainda maior, com Olimpíadas e Paralimpíadas em Tóquio — que foram adiadas para 2021 — e esperava-se receber 300 mil turistas estrangeiros além de 9 milhões de espectadores japoneses. Ao todo, os eventos iriam movimentar ¥ 550 bilhões (cerca de R$ 28 bilhões) no Japão, segundo estimativa do Goldman Sachs.
Quarentena proibida
Por enquanto, o que salva as finanças do casal é o emprego de Denise, na parte administrativa de uma empresa exportadora de carros usados para o mercado da África.
Ao contrário de outros países, as leis japonesas não permitem que o Japão imponha uma quarentena, logo Denise continua indo ao escritório, mas em esquema de rodízio, apenas algumas vezes por semana. O máximo que pode acontecer é os governadores solicitarem que as empresas fechem e pedir para que as pessoas fiquem em casa. Mas não há punição caso as sugestões não sejam cumpridas.
Estado de emergência
Apesar de o país ter sido um dos primeiros a ser atingido pelo coronavírus, o estado de emergência foi declarado somente em 7 de abril, muito depois de outras nações. "O primeiro-ministro [Shinzo Abe] enrolou e encobriu a pandemia no começo", aponta Carlos, que tem opinião semelhante à maioria da população.
Nesta segunda (26), o país suspendeu a medida após uma queda acentuada de novos casos de coronavírus em Tóquio e em outras regiões mais afetadas. O primeiro-ministro Shinzo Abe, no entanto, alerta que a suspensão do estado de emergência não significa o fim do surto e pediu para as pessoas evitarem espaços fechados, lugares lotados e contato próximo.
"Se baixarmos a guarda, a infecção se espalhará rapidamente. Precisamos estar vigilantes", disse em entrevista coletiva. "Precisamos criar um novo estilo de vida. A partir de agora, precisamos mudar nossa maneira de pensar".
Contágio menor que o de vizinhos - mas poucos testes
Uma projeção alarmista do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social indica que 400 mil pessoas podem morrer de Covid-19 no Japão. Mas, desde o dia 15 de maio foram registrados menos de 100 novos casos diariamente no país.
Apesar do cenário otimista, não há como ter um panorama real dos casos de covid-19 já que estão sendo realizados poucos testes - dois a cada mil habitantes. Além disso, os japoneses só podem fazer o exame caso sintam falta de ar, fadiga ou febre e os testes imediatos estão disponíveis apenas para idosos ou pessoas muito doentes.
Para se ter uma ideia, a Coréia do Sul, país com uma das taxas mais baixas de mortalidade no mundo (2,37%), faz 15 testes a cada mil habitantes, como indica o Our World in Data.
Para Kenji Shibuya, diretor do Instituto de Saúde da População, do King's College, em Londres, é necessário testar mais pessoas, identificar pacientes infectados e isolá-los.
Hábitos podem colaborar
Segundo o vice-diretor do Hospital Universitário Médico e Odontológico de Tóquio, Ryuji Koike, a queda no número de infecções é um reflexo das da cultura local, como costumes de se curvar em vez de apertar as mãos e retirar os sapatos antes de entrar em casa.
"Acho que o Japão está indo bem, graças a coisas que não podem ser medidas, como hábitos diários e o comportamento japonês", diz
Além disso, as máscaras faciais, que tanto causam estranhamento no resto do mundo, já eram comuns na primavera japonesa para proteção contra o pólen das flores.
Volta ao normal
Os hábitos dos japoneses, de fato, mudaram desde que o estado de emergência foi instituído. Mas, aos poucos, a vida retoma ao normal. Os bares japoneses "izakaya" — um tipo de boteco que oferece lanches rápidos e baratos — estavam fechando às 20h e hoje eles funcionam até as 22h.
Universidades, cinemas, boates, cibercafés e salões de "pachinko" — uma mistura de pinball e caça-níquel — seguem fechados, mas nesta primeira fase pós estado de emergência, escolas, academias, bibliotecas e museus serão reabertos. Já as viagens dentro do país ainda são desaconselhadas pelo menos até meados de junho.
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