Como está voar no Brasil durante a pandemia do coronavírus
Bastaram os primeiros dias de pandemia para surgir uma enxurrada de teorias e previsões sobre mudanças de comportamento do ser humano. Mas quem andou viajando de avião nos últimos dias não traz boas notícias, mesmo com os aeroportos vazios e malha aérea reduzida.
Em quase todos os depoimentos para esta reportagem, os entrevistados foram unânimes em relatar aglomerações nos detectores de metais, salas de embarque e passarelas de acesso a aeronaves lotadas.
Depois de uma longa quarentena sem sair de casa, a fisioterapeuta Mariana Rossetto, 28 anos, encarou o mundo lá fora pela primeira vez, na última segunda-feira (25 de maio), em um voo da Azul.
Embora a viagem entre Florianópolis e Chapecó dure apenas uma hora, Mariana se incomodou com o que viu. "Me senti aflita. Nem sempre era possível manter distância e as pessoas não respeitavam as marcas no piso da passarela de acesso ao avião", descreveu por telefone.
Recentemente, a Azul anunciou um sistema de projeção no chão da sala de embarque que indica o momento exato de ir para a fila, de acordo com o número do assento do passageiro.
Mariana diz que voltaria a voar novamente em plena pandemia, mas acredita que a companhia aérea poderia disponibilizar álcool gel no interior das aeronaves e deixar vazios os assentos do meio.
Em nota enviada para o Nossa, a companhia informou que mantém à disposição dos clientes a bordo "álcool em gel e lenços desinfetantes", além de filtro de ar HEPA, tecnologia capaz de extrair 99,99% dos vírus existentes em um ambiente fechado.
Ainda sobre poltronas livres nas aeronaves, a IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo), que em maio divulgou nota defendendo que certas medidas de quarentena dificultam a recuperação do setor, sugere que o distanciamento social por meio de assentos desocupados "pode ser evitado com o uso de coberturas faciais".
Aviões lotados
Mesmo com a retomada de rotas e passageiros dispostos a voar, os aeroportos continuam vazios. Mas as aeronaves, não.
Antes de seguir viagem para a Europa, Michele Francia, 33 anos, voou pela Gol de Porto Alegre a São Paulo. "Achei estranho ter controle do distanciamento na fila de embarque, mas ver o avião lotado", explica esse italiano que teve sua temperatura medida em um dos postos de controle de passageiro.
A concessionária GRU Airport informa que medidas foram tomadas, como sinalização de solo que indica distanciamento de dois metros entre as pessoas, dispensers de álcool gel, desinfecção por meio de nebulização e aferição da temperatura corporal antes do acesso aos portões de embarque.
Porém para Thiago Marchiori Tognini, 31 anos, tudo parece na mesma dinâmica de antes da pandemia.
"Está tudo exatamente igual. Apesar das orientações, os passageiros não têm respeitado medidas como o desembarque por fileiras", descreve esse advogado que, nos últimos 15 dias, viajou duas vezes entre Guarulhos e Porto Alegre.
Em um dos voos, Tognini chegou a questionar a tripulação sobre medidas de isolamento na aeronave, cujo interior tinha todas as poltronas ocupadas. Mas a própria comissária informou que não seria vantajoso para a companhia aérea voar com menos passageiros.
Vale lembrar que voo lotado não significa normalidade nos serviços aéreos.
A crise ainda deve ser longa (a IATA, por exemplo, estima que os níveis de 2019 só devem ser superados em 2023) e as empresas estão retomando seus serviços no ritmo dos desdobramentos da crise sanitária mundial.
Na última terça-feira, 26 de maio, a LATAM divulgou em nota que apenas 5% dos voos estão em operação, mas a partir de junho retoma cinco rotas internacionais, 28 voos para destinos nacionais a partir de Guarulhos e outros nove saindo de Congonhas.
Em e-mail para o Nossa, a Azul informou que mais de 80% da frota da empresa segue sem voar. Com 916 voos diários, antes da pandemia, a empresa espera ter 168 decolagens, a partir do dia 15 de junho, quando retoma a operação em cinco cidades do Brasil.
Já a Gol, que teve uma redução 87% na sua capacidade de realizar voos diários, aposta em "um aumento sutil do número de voos e horários".
Segundo informou via assessoria de imprensa, a companhia deve ter um aumento de 47% em relação a maio. Em junho, serão 100 voos diários, ante os 68 previstos na malha essencial do mês anterior. Antes da pandemia, a empresa operava 800 voos por dia.
Aeroportos vazios
Para Marcel Vieira, 47 anos, ver o aeroporto de Brasília às moscas pareceu "filme apocalíptico".
"É um negócio meio tenso ver as medições de temperatura que ficam no histórico da câmera instalada na rampa de acesso às salas de embarque", explica Vieira que, na última segunda-feira (25 de maio), registrou em vídeo o terminal do Distrito Federal completamente vazio, antes de seguir em um voo da Gol para São Paulo.
Considerado um dos maiores do país em movimentação de passageiros, o Aeroporto de Brasília tem tido uma frequência semanal de 249 voos, pouco mais de 10% dos cerca de 2.400 pousos e decolagens semanais, anteriores à pandemia.
De acordo com a Inframerica, concessionária que administra o terminal brasiliense, o aeroporto terá voos para 24 cidades brasileiras, a partir do final de maio.
Já no aeroporto de Guarulhos, as operações tiveram uma queda de 85%. Segundo a concessionária GRU Airport, a média diária de 120 mil passageiros, no último mês de fevereiro, despencou para 15 mil embarques e desembarques.
Mesmo com poucas opções de voos, Vieira não pretende parar de viajar. "Viajo para manter empregos e a economia girando". Na medida do possível, esse servidor público tem marcado seus bilhetes na primeira fileira da aeronave para "ser o último a entrar e o primeiro a sair".
Na semana passada, a bancária Ana Paula Tremaroli, 40 anos, voltou de Salvador e se assustou com a lotação do voo, apesar dos aeroportos vazios.
"Me senti bastante aflita, sem condição de manter distância de ninguém. Fiquei com TOC, passando álcool gel toda hora na mão", relata.
Ana Paula também comentou sobre o problema nos totens da LATAM, em Salvador, que a obrigou fazer o check in presencial e não pôde marcar assento com antecedência. "Isso também me incomodou bastante porque tive que voltar entre outras duas pessoas".
Para um pouquinho, descansa um pouquinho
Com o encolhimento da malha aérea doméstica desde o final de março, certos trechos se transformaram em verdadeiras odisseias. De acordo com a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), a redução chegou a mais de 90%.
Para voar de Salvador a Recife na semana passada, o radialista Ariel Figueroa, 61 anos, levou oito horas. Em tempos de normalidade, a viagem seria de cerca de 1h25.
Sem opções de voos nem ônibus saindo de Ilhéus, teve que ir de carro até a capital baiana e lá tomar um voo para Campinas, em São Paulo.
"A viagem foi tranquila e todos os procedimentos de segurança foram tomados, mas o problema foi a longa conexão", explica Figueroa, que trabalha em Ilhéus.
Com um único voo direto por dia entre as duas capitais nordestinas, a companhia tem oferecido opções de viagens de quase 47 horas de duração, incluindo conexões em cidades como São Luís, São Paulo e Belo Horizonte.
Mas em tempos de pandemia, o pior voo ainda é aquele feito com passageiro que não entende a importância do distanciamento social.
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