Topo

Para sobreviver à pandemia, pequenos produtores vão ao consumidor final

Ação criada pelo Juramento 202 ajuda os produtores da tradicional cena queijeira de Minas Gerais - Divulgação
Ação criada pelo Juramento 202 ajuda os produtores da tradicional cena queijeira de Minas Gerais Imagem: Divulgação

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa

01/06/2020 04h00

Desde que as imposições pelo distanciamento social do coronavírus começaram, obrigando as pessoas a passar mais tempo dentro de suas casas, as idas às compras foram drasticamente reduzidas — ainda que isso nem sempre signifique menor volume nos carrinhos.

Relatório da Mintel indica que 79% dos brasileiros reduziram suas idas a lugares mais cheios, como supermercados, em abril. Diante dos novos comportamentos em tempos de pandemia, produtores rurais, pescadores e pequenos distribuidores têm sofrido para conseguir vender seus produtos.

Com os restaurantes e bares fechados (alguns deles atendendo apenas por delivery ou takeaway) e sem presença em grandes cadeias de varejo, muitos não conseguem escoar suas produções. E estão tentando encontrar alternativas para chegar ao consumidor final — muitas vezes com a ajuda dos próprios empreendimentos.

Curando o mercado de queijo

Pequenos produtores do queijo mineiro sofrem com a pandemia - Divulgação - Divulgação
Pequenos produtores do queijo mineiro sofrem com a pandemia
Imagem: Divulgação
Em Minas Gerais, produtores de queijos artesanais, muitos deles premiados até em concursos internacionais, viram suas vendas reduzirem drasticamente. Os revendedores, que iam até as fazendas buscar as remessas para distribuir em mercearias e outros pontos, diminuíram as visitas e os pedidos por conta do novo coronavírus.

Alheias à situação da pandemia, porém, as vacas não diminuíram a produção de leite que, para não ser descartado, segue se transformando em queijo (já que armazenar o leite fresco é ainda mais trabalhoso). Sem canal de vendas e com os fretes muito caros para entrega aos compradores, os produtores se viram sem possibilidades de escoar a produção.

Mas uma ação criada pelo Juramento 202, bar que ajudou a moldar a cena cervejeira de Belo Horizonte, está tratando de ajudar os queijeiros do estado para que seus produtos cheguem às casas dos consumidores. No site do bar, os sócios criaram um canal de venda direta impulsionado por uma campanha de valorização do queijo mineiro.

Mais acesso aos clientes

Em parceria com o jornalista e pesquisador Eduardo Girão, eles cuidam da curadoria e do transporte dos queijos até à capital mineira, e depois distribuem. "É uma microplataforma online de queijos mineiros, são 10 queijos de diferentes regiões que ficaram mais acessíveis aos clientes. Foi uma forma que encontramos que ajudar os queijeiros que, assim como todo o setor, estão numa posição vulnerável", conta Rafael Quick, um dos sócios do Juramento 202.

Ahhh, o queijo... Como na?o ama?-lo? ? A imagem do mineiro que faz tudo por um pedac?o de queijo e? ta?o forte que virou piada. Criou-se uma reduc?a?o simplista do que e? a linda histo?ria desta relac?a?o. Nesta caricatura existem apenas dois elementos: o mineiro e o queijo. O mineiro e? apenas um e o queijo e? apenas um. ? Desde que abrimos o Jura, há pouco mais de 3 anos, nos propusemos a olhar para a mineiridade com mais profundidade do que isso. Nessa tentativa de encontrar outras camadas da nossa identidade cruzamos o caminho do jornalista Eduardo Gira?o, que acabou se tornando um parceiro. Ele decidiu se dedicar integralmente para pesquisar e aprender tudo sobre o queijo mineiro. Nessa, ele descobriu duas coisas: existem muitos tipos de mineiros e muitos tipos de queijos. ? Embora a nossa paixa?o por queijo seja real, devemos ver a importa?ncia e o valor da nossa cultura. Nossa histo?ria com queijo que e? secular, complexa e diversa. Foi para mostrar isso que nos juntamos ao Gira?o pela segunda vez para celebrar o 16 de Maio, Dia dos Queijos Artesanais de Minas Gerais. Resolvemos oferecer o que temos de melhor para ajudar na luta dos micro-produtores do nosso estado e que hoje passam por um momento de grande dificuldade frente a tudo que tem acontecido. Para isso, vamos transformar o Jura em uma espe?cie de 'centro de distribuic?a?o do queijo artesanal' durante toda a quarentena (pelo menos!), criando um elo justo entre produtores e consumidores. Tambe?m usamos nossa paixa?o por mapas e pelas artes gra?ficas para criar junto a esse grande pesquisador um levantamento ine?dito dos territo?rios queijeiros de Minas. E devemos dizer, esta? ta?o lindo como um pedac?o de queijo! :-) ? Tudo isso esta? no nosso site, facinho de comprar. www.cervejariaviela.com.br Entregas e retiradas em BH - Sextas e Sa?bados Para o resto do Brasil a combinar ? Fotos do grande amigo @bbbbbbbbbbbbbernardo

Uma publicação compartilhada por Juramento 202-Cervejaria Viela (@juramento202) em

"Nós pagamos o preço pedido pelos produtor, sem barganhar. E tentamos vender pelo preço mais acessível possível. Da nossa parte, oferecemos uma venda paralela das nossas cervejas para harmonizar com os queijos. São kits com queijos e as latas que criamos especialmente para esses tempos de pandemia", completa Quick. Os queijos também são vendidos em peças avulsas. A parceria também rendeu um mapa inédito da produção de queijos artesanais em Minas, que também está a venda.

Orgânicos em casa

Conteúdo da cesta do Corrutela, em São Paulo, para ajudar os pequenos produtores - Divulgação - Divulgação
Conteúdo da cesta do Corrutela, em São Paulo, para ajudar os pequenos produtores
Imagem: Divulgação

No Corrutela, em São Paulo, o chef César Costa criou algumas cestas de vegetais que vende por delivery para ajudar os seus produtores nas vendas durante a quarentena. O restaurante, que só trabalha com produtos locais e orgânicos, decidiu criar as cestas para que os clientes que não podem ir ao restaurante continuem a manter uma alimentação com o mesmo nível de qualidade em casa, cozinhando.

"Nossos produtores são todos pequenos e temos com eles uma parceria bem estabelecida. Pensamos que poderia ser uma boa maneira de ajudá-los a escoar os ingredientes nesses tempos em que é mais difícil chegar aos consumidores", afirma Costa.

Entre as fazendas que foram agrupadas na cesta de produtos do Corrutela, estão desde a Atalaia, que produz laticínios no interior de São Paulo, à Fazenda Cubo, um projeto de plantação urbana que produz hortaliças em pequenos espaços em cultivo vertical e horizontal numa área no meio de Pinheiros.

A cesta, que muda semanalmente, de acordo com os ingredientes da estação, leva de legumes (como abobrinha e berinjela) a ervas (como salsa e tomilho) e até uma barra de chocolate com cacau 70% feito no restaurante a partir de amêndoas de cacau que chegam da Bahia.

Entrega direta

Conteúdo da cesta do Corrutela, em São Paulo, para ajudar os pequenos produtores - Divulgação - Divulgação
Conteúdo da cesta do Corrutela, em São Paulo, para ajudar os pequenos produtores
Imagem: Divulgação
Outra das fazendas que faz parte da curadoria do Corrutela é Santa Adelaide, de Morungaba, que produz mais de 150 alimentos diferentes, entre brócolis, tomate, inhame, taioba, entre outras plantas nativas e exóticas, como rabanete melancia, batata-doce roxa e beterrabas amarelas.

Antes da pandemia do novo coronavírus, 80% do fornecimento da fazenda era voltado a restaurantes. De um dia pro outro, seu fundador, o francês David Ralitera, precisou se adaptar para manter a produção. De 80 restaurantes que atendiam semanalmente, sua distribuição caiu para dois em março. Hoje, com mais restaurantes oferecendo delivery e takeaway, o número chegou a quase 10% do que costumava ter.

"A solução foi aumentar a oferta a mercados e quitandas e resgatar um projeto de cestas da fazenda que tínhamos muito forte há alguns anos", conta Relitera. Com as pessoas cozinhando mais em casa, e mais preocupadas com a alimentação, a busca por orgânicos aumentou, ele diz.

"As pessoas que podem dão preferência a esses alimentos pela maior segurança alimentar que têm dentro de casa. Não há intermediários, não chega do Chile ou de outro país, sem que se saiba como foi cultivado", afirma. "Essa maior demanda nos ajudou muito nesse momento".

Mundo pede socorro

O crescimento do hábito de cozinhar em casa, aliás, têm ajudado muitos produtores e distribuidores do mundo todo a evitar a falência. Em Nova York, a cidade americana com o maior número de restaurantes, produtores vendem seus ingredientes de alta qualidade diretamente para ao público final.

Isso significa que peixes e vegetais que já foram servidos em estabelecimentos com estrelas Michelin podem ser comprados para cozinhar em casa. Muitos deles fazem entregas (diretamente ou com a ajuda de aplicativos) ou até usam os espaços de restaurantes parceiros para recolha dos clientes.

Houve até quem adiantasse os planos de lançar loja online. A cervejaria Musa, a mais representativa no ramo de artesanais em Portugal, correu para pôr no ar seu e-commerce no início da pandemia. Com o fechamento de restaurantes e bares (inclusive os dois próprios que mantém na região de Lisboa), foi a saída para não deixar as vendas caírem tanto.

No primeiro mês de funcionamento, a plataforma teve 12 mil garrafas vendidas. "Não temos muito parâmetro porque foi uma iniciativa nova. Mas ficamos surpresos. Acho que tínhamos uma demanda latente de pessoas que não podiam ir aos bares, mas que queriam comprar nossas cervejas", diz Bruno Carrilho, um dos fundadores da cervejaria.

Ele acredita que, mesmo depois da pandemia, as pessoas devem continuar a cozinhar e beber mais em casa, o que pode significa que eles esperam aumentar ainda mais as vendas diretas ao público. "Mesmo que os restaurantes e bares já tenham voltado em Portugal, estão longe de sua capacidade normal. As vendas ao consumidor final nos permitem atuar em um outro nicho, e seguir de acordo com as ondas", afirma. Ondas que ele espera que sejam cada vez mais altas.