Casal de chefs leva comida afetiva da família para novo serviço de delivery
"Virei homem de casa. Lavo, cozinho, faço ginástica, me dedico à aula de viola online, preparo o jantar, sirvo o café da manhã? Comecei até a fazer pão", conta o chef Jefferson Rueda sobre seus dias em quarentena.
Desde que a pandemia do novo coronavírus começou a se alastrar pelo país, e antes mesmo do governo paulista impor o fechamento do comércio e serviços, ele e a mulher, a também chef Janaína Rueda, resolveram fechar as portas de seus restaurantes — os concorridos Bar da Dona Onça e A Casa do Porco, e também a Sorveteria do Centro e a casa de cachorro quente Hot Pork — e se isolar no apartamento em que vivem, na Avenida São Luís, no Centro de São Paulo.
Com os dois filhos, João Pedro e Joaquim, além da gata Sardinha, passaram a se dedicar de forma doméstica a algo que, mais do que ganha-pão, é uma paixão que têm em comum: cozinhar. Foi a parte boa que desses tempos de isolamento social, dizem. "Fazer as refeições todas nós quatro sentados, conversando, foi um presente", diz Janaína.
Spaghetti com almôndegas, bife empanado com risotto milanese, estrogonofe, arroz de fígado, cozido de porco com frutos do mar e brigadeiro foram algumas das receitas preparadas pelo casal, que postou muitas delas nas redes sociais, atiçando o estômago de muita gente. "Quero morar aí nessa quarentena", brincou no Instagram a chef carioca Roberta Sudbrack, puxando um coro de voluntários.
Comer fora em casa
Mas agora, após mais de 10 semanas de confinamento, eles estão prestes a servir novamente seus preparos também aos clientes, de uma forma que nunca fizeram. O casal lança nesta semana um inédito serviço de delivery para todas as suas casas antes de abri-las de novo ao público — uma decisão que eles dizem não ter data ainda.
"Nós quisemos pensar com carinho no que íamos fazer, sem atropelar as coisas", diz Jefferson. O delivery — que agora conta com entrega pela primeira vez também dos pratos do Bar da Dona Onça e de produtos da Sorveteria do Centro — vai funcionar em uma operação que une todas as casas, a princípio com uma equipe mais reduzida. "Estamos escalando apenas os nossos colaboradores que moram perto ou podem vir de carro", diz Jefferson.
O novo modelo teve que ser gestado quase como um novo negócio, ele explica. "É muito diferente pensar em pratos que serão consumidos em casa, e não no restaurante, onde temos o controle de tudo pela cozinha", afirma. As dificuldades quadruplicam ao se levar em conta todas as casas. "Já fazíamos entregas do Hot Pork e de alguns pratos d'A Casa do Porco, mas tudo muda quando o delivery é o foco", garante.
Comida afetiva
O período a cozinhar em casa despertou a atenção do casal Rueda para algo que eles acreditam que vai se tornar um comportamento mais assíduo das pessoas no pós-pandemia: a busca pela comida afetiva.
"Ficar esse tempo que eu fiquei em casa me deu a chance de preparar sobretudo as receitas que me trazem memórias", conta Jefferson, se referindo aos tempos em que morava em São José do Rio Pardo.
"E ter a certeza que, depois disso tudo, as pessoas vão procurar comida que lhes traga conforto, que toca o coração", ele diz. "Vivemos um tempo que precisamos mais que nunca de humanidade, e a comida pode trazer isso".
O menu de delivery do Dona Onça, por exemplo, seguiu nesse caminho. Desde a abertura do restaurante, no térreo do icônico Copan, os pratos sempre foram voltados para uma comida popular brasileira, em versões como o picadinho, o estrogonofe, o arroz mexidinho. Agora, as opções são ainda mais "comfort".
"Quis ir para essa linha, fazer essa cozinha caseira, nostálgica", explica Janaína. Entre as opções estão desde o "Bolinho de espinafre da minha avó" até arrozes, uma especialidade da chef, como o de bife de panela e o de frango caipira, e os clássicos "pê-efes".
Na segunda fase do delivery, Janaína quer criar receitas de "paneladas", como peixada e macarronada, em que espera mandar a comida mesmo na panela — "com uma toalhinha e tudo" — para as refeições em família. "É abrir a panela, servir e comer", explica.
Grande parte das opções do seu cardápio será enviada em embalagens de plástico rígido, que podem ir ao forno, ao congelador, para serem reutilizadas (e evitar descarte, uma preocupação do casal). "Como um tapperware, mesmo, que é nem a gente faz em família, quando manda comida para quem a gente gosta".
Também n'A Casa do Porco, Jefferson foi buscar inspirações familiares para fazer um canelloni de ricota com espinafre e uma lasanha de bolonhesa de porco caipira. No Hot Pork, a ideia de comer cachorro quente ganha uma opção de reunir a família toda para prepará-lo, em kits (de 4 a 12 pessoas) que chegam com os pães, salsichas, ketchup, mostarda e tudo mais para finalizar em casa.
Não é delivery, mas presente
O objetivo é oferecer uma experiência, não apenas comida. "Delivery não é só colocar comida em uma embalagem", como diz o novo cardápio. "Pensei desde o princípio que queria fazer da 'caixa de comida' uma 'caixa de presente'. Aquela sensação boa de quando a gente abre uma caixa cheia de bombons", explica o chef.
Para isso, eles desenvolveram todas as embalagens com os fornecedores e criaram peças para entreter os clientes, de porquinhos a figurinhas autocolantes com a cara dos chefs. "Nossos restaurantes são alegres, divertidos. Precisávamos que as pessoas tivessem um pouco disso na casa delas, senão não faria sentido", ele diz.
Esse aspecto lúdico está nos menus, mas também nas formas de levá-lo. Para A Casa do Porco Lar (uma brincadeira com o "Bar" que faz parte do nome do restaurante), Jefferson criou o que chama de CPF, ou Caixa de Prato Feito, em que transformou os pratos do restaurante em "kits" montados como peças. O já clássico Porco San Zé chega embalado com porco caipira assado lentamente na brasa, linguiça, salada de couve, tartar banana, tutu de feijão e farofa de cebola.
Ainda há a versão "Do Centro", com bife de porco milanesa e o sushi de papada, o "Vegetarino", com um virado de abobrinha com ovo, e até o "Vegan", um um cremoso bolinho de mandioca e molho de tomate. "É o legítimo PF que vai na caixinha. Mas o CPF também pode ganhar novas definições: comfort pork food, comida por favor, e o que mais as pessoas quiserem", brinca ele.
Surpresa de sobremesa
O mesmo conceito também é aplicado nas sobremesas, que chegam como caixas-surpresa. A "Chocólatra, por exemplo, leva doces à base de chocolate, e pode ser uma bolo com recheio cremoso de brigadeiro e chocolate meio amargo, uma torta mais caprichada com caramelo e amendoim e uma mousse. "A ideia é ter três sobremesas distintas todas as vezes, de algo mais guloso a uma preparação com mais técnica", diz.
Ainda nos doces, é a primeira vez que a Sorveteria do Centro, o último dos conceitos criados pelo casal, vai fazer entrega. A ideia de criar sorvetes que remetem à infância contínua, mas agora ao invés do cone, os sorvetes naturais da casa são cobertos de chocolate, como um bombom gelado, nos sabores leite, morango e chocolate.
"O delivery envolve uma logística de como a comida vai até a casa da pessoa, o tempo que leva para isso. Dessa forma, os sorvetes chegam prontos para serem devorados, já pensando no tempo de deslocamento", diz Jefferson, que teve que fazer algumas adaptações na receita. "A nossa versão é o Ficabão", brinca, com seu sotaque caipira.
Nova relação com os clientes
O projeto do delivery — que envolve também um serviço de takeaway, que Jefferson prefere chamar de "pegue e leve" — não é só para o momento. Antes de fecharem os restaurantes, o casal tinha como plano inaugurar uma mercearia, em que pudesse vender seus produtos feitos nas casas direto ao cliente, para que eles também tivessem a chance de consumi-los em casa. O investimento foi revertido para cobrir as despesas dos meses fechados.
"Agora, criamos essa plataforma digital com os vários itens que queríamos vender", diz Jefferson. Isso envolve não apenas comida pronta, mas também itens que podem comprar e preparar suas refeições. Isso inclui massas frescas, embutidos, linguiças e pães.
Também bebidas, como cervejas, coquetéis e café estão nas possibilidades, e até mesmo porções de doces, de brigadeiros a quindins. Ainda é possível comprar merchandising dos restaurantes (como camisetas), livros dos chefs, banha de porco para cozinhar e, em um segundo momento, cortes de porco para churrasco, chamado de kit do açougueiro, feito a partir da produção que Jefferson mantém no interior.
Para ele, esse é um mercado veio mesmo para ficar. "Delivery não vai tirar o lugar dos restaurantes, como muitos acreditam. Ele vai brigar com o supermercado, na verdade, com os produtos que se pode comprar nas gôndolas, dos ingredientes à comida pronta", defende ele.
O segmento se expandiu e não deve mais voltar ao que era, mesmo quando toda a realidade da pandemia passar. "O restaurante vai continuar sendo um local de experiência, de comer, ser servido e sair feliz", acredita. "O que estamos vendo é uma nova forma de se relacionar com o cliente, de entrar na casa dele", conclui. E até, quem diria, estar junto na mesma mesa.
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