Como a pandemia está transformando até a arquitetura dos restaurantes
Quem chega hoje ao Noma, o famoso restaurante do chef René Redzepi, em Copenhague, pode estranhar o novo ambiente, todo montado na área externa de frente para um lago que separa a região de Holmen da icônica comunidade de Christiania.
Considerado por três anos o melhor restaurante do mundo, o Noma já não ostenta mais os chifres pendurados na enorme porta de madeira que geralmente simbolizam o início temporada dos pratos de caça. Tampouco as muitas plantas espalhadas pelo iluminado salão de traços minimalistas (estamos entre nórdicos!) para dar boas vindas ao menu vegetariano feito todos os anos.
Na realidade, o "salão" foi todo levado para as áreas em torno da estufa de vegetais — agora transformada em bar —, e para os gramados que circundam a cozinha, como em um alegre festival gastronômico de verão. Desde que reabriu após a pandemia da covid-19, um dos mais influentes restaurantes do mundo voltou reinventado para os novos tempos de distanciamento social.
Com menu de hambúrgueres e carta focada em vinho naturais, o Noma deixou de lado (pelo menos, por hora) as receitas de apresentações primorosas e de técnicas apuradas para se adaptar a uma configuração mais "ao ar livre". E para isso, mais do que seu conceito, precisou transformar todo o seu espaço.
Bancos de madeira foram distribuídos pela longa passagem de acesso à construção principal, enquanto outros foram estrategicamente colocados com vista para o lago. Nos gramados, entre as sombras das árvores, cabanas de galhos e tecidos foram montadas, e cadeiras de praia de madeira foram dispostas em torno de toalhas no chão.
Nas mesas externas de piquenique, "o clima é 100% casual para manter as pessoas distantes e felizes", como destacou o próprio Redzepi numa live, quando da reabertura oficial em meados de maio. Manter as pessoas mais distantes, aliás, se tornou um desafio para os estabelecimentos que já estão voltando a uma certa normalidade com o relaxamento das imposições dos governos.
Novas soluções de espaço
Enquanto alguns restaurantes optam por soluções mais informais para promover o distanciamento dos clientes — até com manequins e bichos de pelúcia nas mesas —, outros adotam medidas que envolvem uma nova arquitetura de seus espaços. Especialistas acreditam que a forma de projetar esses ambientes a partir de agora deve mudar.
O famoso designer francês Patrick Jouin — que projetos das primeiras estações das bicicletas compartilhadas Vélib aos novos restaurantes do pluriestrelado chef francês Alain Ducasse — defende o uso do que ele chama de dispositivos "pragmáticos" para o regresso.
"Mais do que uma simples distância entre as mesas para instalar confiança: é necessário recriar uma arquitetura de interiores com as barreiras físicas mais elegantes e leves possíveis, para evitar a morte do amor [pelos restaurantes] ou perder a alma do lugar", explicou ele ao jornal francês "Le Monde".
Entre as iniciativas pensadas pelo designer, que é parceiro de Ducasse em restaurantes como o Allard, em Paris, até seu novo restaurante Blue, em Bangkok, estão a delimitação dos espaços com telas móveis e translúcidas, que podem bem ser feitas com molduras de madeira em que são esticados ou penduradas películas transparentes, como plástico filme — das tipo usadas por floristas. "Pode-se imaginar que as molduras também feitas de galhos, mais poéticas. Cada estabelecimento mostraria sua criatividade", disse.
Ele defende que os materiais precisam ser baratos e fáceis de encontrar e de manipular. Como outras alternativas, indica materiais como o pexiglass. As ideias de Jouin foram apresentadas por Ducasse ao presidente Emmanuel Macron, que tem discutido iniciativas para o setor na França, com os restaurantes e estabelecimentos de alimentação que começam a reabrir gradativamente.
O famoso arquiteto americano David Rockwell também criou algumas soluções para o que devem ser, na sua opinião, o novo normal dos restaurantes de Nova York pós-Covid 19. Como o regresso deve acontecer quando as temperaturas na cidade estiverem mais altas, sua ideia é propor uma maneira de estender os restaurantes existentes às calçadas próximas para que possam reabrir com segurança em meio à pandemia.
O kit de peças para transformar as ruas da cidade em restaurantes ao ar livre inclui cabines modulares com bancos (ou booth, do inglês), uma estação de sanitização de mãos, painéis de madeira para cobrir os pavimentos e cercas de rua cobertas de plantas para delimitar os espaços. Na cidade, a maioria dos restaurantes deverá operar com 50% da capacidade quando reabrirem, projeção baseada em restrições impostas em Nova York pelo governador Andrew Cuomo.
"Temos explorado projetos adaptáveis terno das refeições para as calçadas e além", diz Rockwell no perfil do Instagram do seu escritório, Rockwell Group, que tem, entre seus projetos, de casas noturnas em Las Vegas a cenários de musicais da Broadway.
Até mesmo chefs com restaurantes em lugares mais isolados têm criado estratégias de design para as pessoas se sentirem mais distantes e seguras. No Mirazur, atual restaurante número 1 do mundo (segundo os 50 Best), em Menton, na Riviera Francesa, um novo pavimento está sendo construído às pressas para acomodar novas mesas.
Projeto para agora — e quando tudo passar
O arquiteto paulistano Herbert Holdefeder, que se especializou na área de gastronomia e é responsável por espaços como A Casa do Porco e o Holy Burger, conta que os projetos que está desenvolvendo hoje continuam seguindo a premissa de favorecer a convivência, criando um layout com várias opções de espaços, em mesa comunitária, banquetas no balcão do bar/cozinha, booths com opção de junção de mesas.
"A mudança que teremos no momento é que pensamos em um projeto completo, como ele será pós-vacina, porém com uma opção de layout para atender o momento atual. Por exemplo, eliminamos os assentos nas mesas comunitárias, no lugar usamos decoração com plantas. Nos booths, criamos divisão com biombos e plantas para não termos a junção das mesas e também eliminamos banquetas próximas nos balcões", ele conta.
As exigências que a pandemia está a impor nos projetos têm mais relação com uma possível adaptabilidade dos espaços para os momentos que forem necessários praticar distanciamento social, segundo ele.
"Pensar em um layout de mesas fixo, por exemplo, determinar distanciamento entre pessoas/assentos, separando com biombos, vasos com plantas, cortinas. Vale lembrar que o material utilizado precisa ter certa facilidade na higienização" ressalta Holdefeder.
Outras transformações que podem ser feitas levam em conta a possibilidade de ocupar as calçadas, separar áreas de entrada e saída e criar pontos de higienização de mãos em todo o salão (para evitar que o cliente tenha que ir ao banheiro para isso).
Com algumas mudanças, é possível passar mais confiança para o cliente, o que ele julga ser o mais importante nesse momento. "Quanto mais transparência, maior a confiança. Claro que para isso, as cozinhas precisam ser planejadas e ter segregação de áreas, io que já é norma, e o fluxo da operação precisa ser linear sem o cruzamento dos colaboradores", garante.
Para ele, o que os restaurantes podem fazer é acrescentar mais sinais de alertas, como uma sirene a cada 15 minutos lembrando os colaboradores de higienizar as mãos com mais frequência, por exemplo, tornando as práticas mais visíveis aos olhos dos clientes.
A higienização de pratos e talheres, além de ser feita na lavagem, agora deve ser feita também junto à mesa. O arquiteto conta que já está desenvolvendo esse carrinho para facilitar essa operação.
"Comunicar todos esses cuidados será tão importante quanto postar uma boa foto de um prato no Instagram", conclui.
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