Como é voltar a academia, bar, praia e compras após lockdown; leia relatos
Na segunda-feira, 22 de junho, o estado de emergência será revogado na Espanha, após mais de 100 dias em vigor devido à pandemia de covid-19. A medida levantará as restrições de circulação entre as províncias e abrirá as fronteiras aos vizinhos europeus, reativando o turismo.
Na última fase do processo de "desconfinamento", com regras e hábitos que continuarão incorporados ao cotidiano por tempo indeterminado, brasileiros radicados no país contam como tem sido a vida no "novo normal" espanhol, após meses de rígido lockdown:
VOLTA AO ESCRITÓRIO
Renata Fraccaroli
38 anos, arquiteta de eventos
Onde: Barcelona
"O metrô voltou a estar bem cheio de manhã. Menos mal que o uso de máscara no transporte público é obrigatório, porque fica impossível manter uma distância segura das pessoas. A parte mais estressante do meu dia, no entanto, tem sido pegar o elevador do prédio onde trabalho. Como quase todo mundo entra às 9 horas, e só é permitido subir duas pessoas por vez, às 8h40 a fila já é enorme, a ponto de avançar pela calçada.
Entrando no escritório, recebemos uma máscara cirúrgica por dia e somos obrigados a limpar as mãos com álcool gel. Na nossa empresa, metade das pessoas está fazendo home office por tempo indeterminado. Somos umas 100 pessoas trabalhando presencialmente, em mesas intercaladas, de forma que não haja ninguém nos lugares imediatamente ao meu lado ou na frente.
O uso da máscara é obrigatório o tempo todo mas, na cantina, obviamente temos que tirá-la para comer. Por isso, as mesas foram espaçadas, há turnos de almoço e uma funcionária passa o tempo inteiro limpando a cozinha e os banheiros. Apesar dos cartazes espalhados pelo prédio inteiro com informações sobre o novo protocolo para evitar contágio, o clima não chega a ser de paranoia. Ainda assim, me arrependo de não ter optado por fazer home office."
CARTÃO POSTAL SEM TURISTAS
Ciça Sacchi
39 anos, designer
Onde: Barcelona
"Nos últimos anos, só tinha ido ao Park Güell (foto) para acompanhar amigos que vieram me visitar. E era sempre a mesma cena: a área do parque decorada por Antoni Gaudí abarrotada de gente, com filas para tirar foto com a famosa salamandra e os mosaicos. Confesso que, para mim, o lugar tinha perdido totalmente o encanto.
Recentemente, tive uma experiência completamente diferente. Além de estar grátis e sem necessidade de hora marcada até 1 de julho, não tinha quase ninguém e pudemos explorar todas as áreas em família, com calma e tranquilidade. Cheguei a ficar emocionada, lembrando dos tempos em que o parque era aberto ao público e nós, moradores da cidade, podíamos frequentá-lo tranquilamente para passear e fazer piquenique."
FREQUENTAR RESTAURANTES
Ana Mungioli
35, administradora e autora do @brigadeirosebarcelona
Onde: Barcelona
"Frequentando restaurantes variados nas últimas semanas, o que me chamou mais a atenção foi a incoerência da regra das máscaras: você tem que entrar com ela, mas depois tira para comer e beber. Também tenho visto um festival de garçons com nariz fora da proteção, o que me deixa um pouco incômoda, apesar de compreender que deve ser extremamente estressante precisar cumprir várias tarefas novas sem respirar direito.
Na questão da higienização, observei que os funcionários limpam a mesa entre cada cliente, mas acabam ignorando as cadeiras. Por essas e outras, tenho a sensação de que, muitas vezes, os protocolos estão sendo cumpridos só para constar, e não com o rigor que a pandemia pede. Entre as mudanças no funcionamento, a mais impactante e bem-vinda é ver o cardápio escaneando um QR code com o celular."
ADMINISTRAR UM BAR
Alexandre Pacheco
39 anos, sócio proprietário do Bar Tropicalista
Onde: Madri
"Tivemos que adaptar nosso negócio à situação, assimilando muitas regras novas de higiene e segurança. Reabrimos na semana passada e, por enquanto, podemos funcionar com a metade da capacidade, ou seja, 29 pessoas. Somos obrigados a manter o distanciamento de dois metros entre as mesas e a limitar as reservas de grupos em 15 pessoas, o que nos impede de fazer grandes aniversários.
Antes da pandemia, servíamos comida até meia-noite e, depois, as pessoas costumavam ficar em pé tomando um drinque. Essa parte vamos ter que cortar, já que é obrigatório que todos estejam sentados. Além de atender aos clientes, a equipe agora também precisa controlar as pessoas, para que passem álcool gel nas mãos e não se levantem para conversar. Até agora, nosso público fiel tem levado essas novas normas na boa. Mas, estou apreensivo para ver como será quando a cidade reabrir para turistas.
Pessoalmente, está sendo duro esquivar dos abraços de amigos e não poder sorrir para os clientes, por causa da máscara — estou aprendendo a expressar a cortesia com os olhos. Também noto que, entre as pessoas, existe bem menos contato físico. Conseguimos negociar o pagamento do aluguel em 50% durante os meses fechados e tentaremos estender o acordo até o final do ano. Isso porque, na primeira semana, o movimento foi ótimo pela empolgação da reabertura dos bares. Mas, agora, já noto as ruas mais vazias novamente. As pessoas estão com menos dinheiro e vão acabar reduzindo as saídas só aos finais de semana."
TREINAR NA ACADEMIA
Rodrigo Signore
43, back office
Onde: Barcelona
"Na academia que frequento, a maioria dos serviços foram suspensos, a sauna está fechada e os chuveiros, interditados. Não há aulas coletivas e todas as atividades precisam ser reservadas através de um app, com permanência máxima de 50 minutos diários.
Por enquanto, só podemos fazer natação e usar a sala de fitness, além de praticar crossfit em pequenos grupos e treinar com professor particular ou fisioterapeuta. Para acessar a piscina, é preciso chegar e sair de máscara. Já nos outros ambientes, podemos optar por uma viseira protetora, que é mais adequada para fazer exercícios.
Na sala de fitness, só a metade das máquinas funciona, para manter a distância social. Entre esperar liberar um aparelho e limpá-lo com álcool gel antes e depois do uso, o tempo não rende. O jeito é ficar em uma ou duas máquinas e esquecer o jeito antigo de treinar, de paquerar ou ficar de conversinha. Estou me sentindo uma espécie de cobaia ridícula, mas acho válido continuar insistindo, tanto para impulsar esse processo de reabertura como para voltar a ter contato com o mundo exterior, já que trabalho em casa. Tenho treinado mais por esses propósitos do que pelos resultados."
FAZER COMPRAS
Paula Hadler Coudry
39, arquiteta
Onde: San Sebastián
"O que tem me surpreendido ao fazer compras é encontrar grandes redes, como Zara e Mango, muito vazias, enquanto as pequenas lojas de bairro chegam a ter fila na porta. Talvez as pessoas estejam dando preferência a ajudar o comércio local.
Em todos os estabelecimentos, o número de clientes por vez é limitado e cada um precisa passar álcool gel nas mãos ao entrar. Experimentar roupas também ficou mais demorado já que, entre cada usuário, os vendedores precisam desinfetar o provador e passar uma espécie de ferro a vapor nas peças que foram manuseadas. Apesar das novas regras, como a situação da pandemia aqui no País Basco está realmente bem controlada, sinto que as pessoas estão bem à vontade com esse novo normal e as ruas e restaurantes andam muito movimentadas."
PEGAR UMA PRAIA
Amanda Foschini
38, escritora
Onde: Barcelona
"No meu primeiro reencontro com a praia, tive uma espécie de fobia social, de tanta gente que estava correndo e andando no calçadão. Mas, aos poucos, fui me acostumando a estar entre mais pessoas e finalmente consegui pegar uma praia direito.
Em Bogatell, uma das mais movimentadas de Barcelona, vi umas faixas que pareciam indicar entrada e saída. Mas o esquema era meio improvisado e não deixava claro por onde eu deveria passar. Não havia polícia ou qualquer tipo de controle no acesso. Consegui lugar facilmente, bem perto do mar, e notei uma preocupação coletiva em manter a separação de dois metros entre cada grupo, aproveitando bem toda a faixa de areia. Já dentro de cada turma, a distância já era — foi nesse dia, aliás, que percebi que sou a única que continua cumprimentando as pessoas com o cotovelo.
Se antes os alto-falante alertavam para os batedores de carteira, agora eles emitem avisos relativos à covid-19 o tempo todo. Duchas, banheiros e barraquinhas de praia estavam funcionando normalmente, com alguns cuidados adicionais. O que me deu nojinho foi ver a quantidade de máscaras jogadas na areia. Fora isso, como era dia útil, tive uma experiência tranquila. Já no último fim de semana, a praia de Bogatell teve que ser evacuada, de tanta gente. Por isso, minha meta para o verão é ver o mar nos arredores da cidade."
IR AO MÉDICO
Corina Ximenes
38, designer
Onde: Madri
"Em Madri, o desconfinamento foi bem mais lento do que no resto da Espanha, então as pessoas estavam muito ansiosas por essa reabertura. Talvez por isso, os madrilenos voltaram felizes e sem medo às ruas. Os restaurantes andam tão cheios no meu bairro que é impossível sentar sem reservar com antecedência.
Mas, se por um lado já existe um clima de vida normal na cidade, apesar do uso obrigatório de máscaras, ir ao dermatologista foi uma experiência impactante. Mediram a temperatura na entrada do consultório, o cartão do plano de saúde e meu celular foram vedados em plásticos herméticos e minha bolsa foi parar dentro de um saco.
Depois, limpei as mãos com álcool gel e fui praticamente empacotada: toca, protetores de sapatos e roupa especial. Na sala de espera, só dava para ver os olhos das pessoas, com cadeiras vazias entre os pacientes. Parecia um astronauta, mas senti que estava em um ambiente limpo e seguro. Acho ótimo que exista essa preocupação."
PASSEAR NO PARQUE
Clau Leporace
39, cantora
Onde: Barcelona
"Um amigo me convidou para comemorar seu aniversário no Parc de la Ciutadella, que fica bem no centro da cidade. Fiquei com um pé atrás e até perguntei quantas pessoas tinham sido convidadas. Ele respondeu 'Barcelona inteira' mas, como ainda não é permitido fazer reuniões de mais de 15 pessoas, achei que fosse brincadeira.
Em plena sexta-feira, o parque estava lotado. Ao, entrar, me dei conta de que a maior aglomeração de todas era justamente a da festinha. Contei, pelo menos, umas 100 pessoas, quase todas sem máscara, com direito a vendedores ambulantes de cerveja circulando entre a galera.
Nessa hora, pensei no sacrifício de ter passado quase três meses em quarentena, virei as costas e fugi, sem nem cumprimentar o aniversariante. Como já estava na rua, em clima de festa, aproveitei a ocasião para voltar, pela primeira vez, a um bar, pegando uma mesa bem na janela, com apenas dois amigos, máscara e álcool gel."
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