Como é ficar em um hotel depois do confinamento; nosso repórter fez o teste
Ao redor do mundo todo, as pousadas rurais e até hotéis mais estrelados permaneceram fechados pelos últimos meses desde que, em março, a OMS decretou oficialmente a disseminação da Covid-19 como uma pandemia. Voos cancelados, turistas enclausurados, o setor de hotelaria às moscas.
Em muitos países, com a flexibilização das medidas de confinamento, lojas e comércios passaram a reabrir, serviços públicos foram retomados e até mesmo restaurantes puderam voltar a servir comida. Já os hotéis estiveram entre os últimos da fila para poder abrir as portas. Agora, muitos veem os primeiros hóspedes a adentrá-las, mesmo que a conta-gotas — e eu fui um deles.
Em Portugal, país cujo turismo representa quase 15% do PIB (com mais de 18 milhões de euros injetados na economia só em 2019), as reservas caíram drasticamente desde o início do ano. Mas, desde o final de maio, o setor parece sair aos poucos do coma ao qual foi induzido com a atual crise sanitária.
Isso graças a uma gradativa retomada do turismo local — o que os especialistas acreditam ser o "novo normal" para o segmento por algum tempo, com muitas pessoas ainda receosas de viajar para destinos internacionais.
Viagens de curta distância
Os portugueses parecem mais dispostos a desbravar seu pequeno território em viagens de curta distância. No último feriado prolongado no país (que emendou o Dia de Portugal com Corpus Christi), muitas cidades do interior ficaram repletas de visitantes.
Foi o caso da pequena e charmosa Amarante, no Norte do país, para onde me aventurei disposto a ter minha primeira estadia fora de casa depois de 14 semanas. Para um jornalista que tem como profissão viajar para comer, isso representou uma eternidade.
A exatos 45 quilômetros da porta da minha casa, no Porto, a viagem bate-e-volta de um dia pareceu em tudo uma grande aventura: pegar a estrada, ter a sensação de liberdade de poder, enfim, sair para além do nosso Conselho.
O hotel de destino era a Casa da Calçada, membro do Relais & Châteaux, uma associação exclusiva que reúne hotéis de luxo no mundo todo. Em Amarante, ele fica de frente para a histórica Ponte de São Gonçalo (por onde passou até o exército de Napoleão).
Nova realidade
Embora eu já conhecesse o hotel, muitas coisas estavam diferentes: estações de álcool em gel logo na entrada (e espalhadas pelas paredes internas), adesivos sinalizadores no chão e a recepção protegida por acrílico. Mal pude ver o sorriso da concierge escondido pela máscara — que deduzi pelos olhos apertados.
Cheguei uma hora antes do horário de check-in, na esperança de ter o quarto disponível, mas os novos protocolos de limpeza quase dobraram o tempo que as faxineiras passam nos cômodos a fim de esterilizar todo canto — e mais uns 15 minutos para vestirem os novos uniformes no "estilo astronauta". Tivemos mesmo que esperar.
Na entrada, um funcionário de máscara deu explicações gerais e recomendou que sempre usássemos a nossa nos espaços comuns e que aproveitássemos sem pudores das estações de álcool em gel, como a que fica bem ao lado do elevador, para desinfetar as mãos antes mesmo de apertar o botão para chamá-lo.
Também no elevador, há uma placa com o QR code para acessar o menu dos restaurantes e as opções de serviço de quarto. No mesmo aviso, nota-se que o horário dos restaurantes e refeitórios foram ampliados para evitar aglomerações.
Eu e minha esposa subimos sozinhos para o quarto — segundo as novas normas, para evitar carregadores por perto. O hotel oferece o serviço se o hóspede não conseguir dar conta da bagagem, mas o carregador não mais vai junto com o cliente, por medida de segurança.
Menos é mais
Nos corredores, reparei que havia menos mobílias. Por ser um palacete interiorano do século XVI, a decoração da Casa da Calçada é tomada por móveis e objetos históricos, daqueles de antiquário. Com a pandemia, reduziram a quantidade de peças nos espaços comuns.
Logo que entro, percebo que o quarto está mais arejado também e, sobre a mesa, há um kit com toalha desinfetante e máscara descartável como boas vindas ao hóspede. Sobre as camas, só os (muitos) travesseiros, e menos objetos de tecido possível.
Quase todas as vezes que saí do quarto, tive imediatamente que regressar para pegar a máscara. Mesmo que se queira fugir minimamente do confinamento e relaxar da rotina, o novo ambiente de pessoas mascaradas e álcool por toda a parte são uma irrefutável lembrança: só não é possível relaxar as medidas de segurança.
Se por um lado pode parecer chato ter que ficar atento a essas coisas quando se está em "férias", por outro, dá uma baita segurança quando se encontra um casal que acabou de sair do elevador onde você vai entrar devidamente protegido (por via das dúvidas, seguro a porta aberta por uns segundos antes de entrar para garantir a ventilação).
Certificado livre de coronavirus
A Casa da Calçada foi um dos hotéis que recebeu o certificado "Clean & Safe", criado pelo Turismo de Portugal para reconhecer hotéis, empresas de turismo e agências de viagens do país que estão em conformidade com os requisitos de higiene e limpeza para prevenção e controle da Covid-19. O selo visa reforçar a confiança dos visitantes na segurança do destino.
A Direção Geral da Saúde do país criou extensos programas de treinamento online e listas de requisitos para a certificação, incluindo o fornecimento de informações aos hóspedes, equipamentos de proteção como máscaras e medição de temperatura dos funcionários.
Medidas como essa se tornaram praxe para os hotéis funcionarem. Em um levantamento da agência de inteligência de viagens Skift, quase todas as marcas internacionais de hotéis criaram um conjunto extenso de protocolos de higiene, geralmente em parceria com hospitais ou institutos de pesquisa. Tudo em nome de convencer seus hóspedes que são lugares seguros.
Nesse ímpeto, a Casa da Calçada fez até uma parceria com uma clínica local de Amarante para oferecer serviços médicos 24 horas. "Para o caso do nosso hóspede estar com alguma questão de saúde e não querer ir ao hospital", me explica Manuel de Meireles Leite, o diretor do hotel. Ele garante que a medida repercutiu bem com os clientes.
Distância à mesa
Uma mudança grande que envolveu muitos deles foi na questão de alimentação. Os restaurantes passaram a ter normas de limpeza e higiene mais rígidas, como o distanciamento das mesas (no caso de Portugal, dois metros entre elas) e horários mais flexíveis, entre protocolos mais específicos, como o fato de as equipes desinfetarem as mãos a cada 15 minutos.
Para jantar, é preciso marcar horário para evitar aglomerações no salão — que estava com quase sua capacidade máxima na nossa visita. Assim que chegamos, reservamos uma mesa no Largo do Paço, o restaurante do hotel que conquistou uma estrela no cobiçado Guia Michelin.
Cozinha criativa que tem como inspiração a tradição portuguesa é a marca do chef Tiago Bonito, que sempre usa produtos locais no menu. Durante o menu degustação, entre uma versão moderna das clássicas pataniscas de bacalhau e um pato com purê de cenoura e gengibre, é até fácil esquecer da pandemia lá fora.
Até, pelo menos, que venha mais um garçom mascarado ou que o simpático sommelier caminhe até um canto do salão para discretamente retirar a máscara e cheirar o vinho. Ainda é estranho ver essas cenas nos restaurantes — logo nos acostumamos, espero! — mas em nada elas tiram o prazer que é sentar de novo à mesa, ser bem servido e comer melhor ainda.
De volta ao quarto, dormi como um anjo. Não sei se pelos vinhos, pela cama mais confortável que eu deitei em meses ou pela informação dada mais cedo sobre os médicos 24 horas. Talvez um conjunto de todas elas.
Desjejum revisitado
Na manhã seguinte, acordamos cedo para voltar para casa, mas não sem ter tempo de aproveitar o café da manhã, uma das coisas preferidas de se estar em um hotel. Estava curioso para saber quais adaptações tinham sido feitas, já que o buffet, originalmente servido em uma sala à parte, tinha sido reduzido para dar espaço para as opções a la carte (o hóspede escolhe do menu).
Em muitos hotéis, o buffet foi extinto para evitar aglomerações e contaminações. Ali, ele foi transferido para uma sala maior, mais ventilada, mas quem pega os alimentos da mesa para colocar no seu prato é um funcionário. Por termos acordado bem cedo e não ter outros hóspedes presentes, acho que o garçom deixou que nos servíssemos à "moda pré-Covid"; com máscaras, claro.
Mas é curioso perceber que os pratos de frutas ou frios, por exemplo, estão bem menores (para evitar que os alimentos fiquem expostos por muito tempo) e que todos os sucos foram engarrafados em doses individuais, para evitar compartilhamento das jarras.
De máscara, voltamos à recepção e fizemos o check out. E saímos felizes de perceber que, mesmo com as tais normas de segurança que se tornarão comuns na vida de qualquer turista, viajar e se hospedar em um hotel ainda é um grande prazer que a pandemia protelou, mas felizmente não extinguiu.
Despedi-me contente e com certa inveja do próximo hóspede que daqui a três dias vai poder deitar naquela mesma cama confortável com os macios lençóis de algodão mil fios. É que na Casa da Calçada, quem tem que ficar de quarentena por pelo menos 72 horas agora são os quartos.
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