Viajante roda o mundo para conhecer os desejos de quem surge em seu caminho
Procurar um lugar movimentado da cidade, posicionar-se bem no meio da passagem e sorrir ao lado de uma urna amarela. Eis o método que a jornalista e escritora Sabrina Abreu (38) usou para rodar o mundo fazendo a mesma pergunta a diversas pessoas: "se você pudesse fazer qualquer coisa, o que faria agora?".
Percorrendo 18 destinos no Brasil e no exterior, a mineira transformou uma curiosidade pessoal no experimento social que foi tema de sua conferência no TEDx São Paulo, em dezembro de 2019.
"Trabalhava em revistas até 2013 e tinha de ter ideias de pauta o tempo todo para sugerir na redação", conta Sabrina. "Quando passei a me dedicar outros projetos, continuei tendo as ideias e resolvi levar esta adiante por minha conta", diz a jornalista, que é diretora de comunicação no Brasil da StandWithUs, organização que luta contra o antissemitismo por meio da educação.
"Inicialmente, não via nenhuma aplicação prática para essa empreitada e nem pretendia fazer nada além de matar a minha própria curiosidade. Até por isso, não fui tão metódica quanto, hoje em dia, gostaria de ter sido".
Método que arranca sorrisos
O primeiro passo foi comprar cinco urnas de papelão pela internet. "Achei todas muito feias e decidi pintar de uma cor chamativa e alegre". Já que escolheu o amarelo, também passou a usar quadradinhos de papel desta cor para anotar as respostas.
O que realmente chama a atenção das pessoas, no entanto, é ficar parada ao lado da urna com um sorriso no rosto".
A primeira vez que Sabrina colocou a urna na rua foi em Tel Aviv, durante uma viagem a trabalho para Israel, em 2014. O lugar escolhido foi o calçadão da Metzitzim Beach, uma das mais movimentadas da cidade, à beira do Mediterrâneo.
"Apesar de viverem em lugares geográfica e culturalmente distintos, israelenses e brasileiros têm muito em comum, a começar pela capacidade inesgotável de puxar assunto em qualquer ocasião", diz Sabrina, que viveu um ano no país.
Ainda que pedisse para as pessoas escreverem no papel, muitas acabavam alongando a resposta na base da conversa. "Um monte de gente parou para falar comigo, perguntou o que eu estava fazendo, contou sobre a vida, e isso me deixou muito motivada".
Meses depois, Sabrina repetiu a dose em Belém, na Cisjordânia. "Foi aí que comecei a ficar realmente empolgada, porque vi que as respostas eram muito parecidas com as que obtive em Israel, algo que achei muito simbólico", diz a jornalista.
"Apesar de todas as diferenças e divergências entre israelenses e palestinos, as pessoas, no fundo, querem as mesmas coisas". Nesse território controlado pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), a adesão ao experimento também foi um sucesso e não esbarrou na barreira linguística. "Muitos palestinos falam inglês, mas não sabem escrever no alfabeto latino, então eles ditavam, sem a menor timidez".
"Concorrência" forte
Nem sempre foi tão fácil. Na Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, a jornalista foi retirada da frente do Conjunto Nacional pela polícia.
Já em Lisboa, sua presença causou rebuliço em uma das zonas comerciais mais movimentadas da capital portuguesa. "Coloquei a minha urna na Rua Augusta, mas a concorrência era ferrenha com vendedores e artistas, incluindo um cover do Michael Jackson, então fui praticamente enxotada para a Praça do Comércio", relembra.
Em Marrakesh, no Marrocos, Sabrina escolheu a famosa praça Jemaa el-Fna para posicionar a urna. Eclipsada por encantadores de serpentes, comidas exalando especiarias exóticas e outras atrações do olho do furacão da cidade, foi totalmente ignorada pelos locais.
"Fiquei três horas no meio daquela multidão, tentei de tudo, mas tive que me contentar com as respostas dos turistas para cumprir minha meta mínima, que é de 20 respostas por lugar", conta.
O estado de ânimo e o espírito explorador dos viajantes sempre garantem uma conversa, mas meu principal objetivo é tentar falar com os locais".
Falta de assunto não foi problema no Rio de Janeiro onde, parada na frente da Escadaria Selarón (que vai de Santa Teresa até a Lapa), recebeu até doações de canetas para dar conta do recado. Em uma próxima vez na capital carioca, pretende levar a urna ao Complexo do Alemão, comunidade que foi tema de "A voz do Alemão" (editora nVersos, 2013), um dos cincos livros publicados pela escritora.
"O litoral deixa as pessoas em outra rotação, com mais facilidade de se abrir", explica a mineira. "Tive a mesma impressão em capitais nordestinas, como Salvador e São Luís do Maranhão, onde recebi a maior quantidade de respostas de gente que queria simplesmente dançar naquele momento". Outra cidade que se destacou pela amabilidade e engajamento das pessoas foi Curitiba. "Como viajante, quebramos vários preconceitos e vamos mudando e aprendendo com as novas culturas".
De sexo ao espaço
Entre acertos e erros, o método também foi evoluindo com o tempo. "No início, esperava que pessoas sozinhas fossem mais propensas a conversar, mas depois notei que, quanto maior o bando, maior a probabilidade de que parem para trocar ideias".
Começar a abordagem dizendo que faz a mesma pergunta em várias cidades também ajuda. "As pessoas se sentem parte de um projeto maior e ficam curiosas". Apesar de ter levado algumas cantadas e encontrado números de telefones, as conversas nunca foram além da calçada. "São relações fugazes".
"Rodando o mundo com minha urna, esperava ler muitas respostas singulares", diz Sabrina. "Houve quem dissesse que queria ir ao espaço, fazer transição de gênero e até sair na rua correndo e gritando".
No entanto, após desdobrar centenas de papeizinhos amarelos, a jornalista concluiu que o desejo mais imediato das pessoas, seja em Los Angeles, Cabo del Diablo (no Uruguai) ou Paraty, são coisas simples. Fora viajar, que foi a resposta campeã, ver pessoas queridas, comer, dormir e fazer sexo foram as mais frequentes.
"Mesmo antes da pandemia, quando tudo ainda era possível, já estávamos adiando nossas vontades, o que mostra a dificuldade que temos em lidar com o presente", diz.
Tomara que, depois de tudo o que estamos passando, paremos de deixar projetos e sonhos para depois".
Quando a quarentena terminar, e viajar voltar a ser um desejo possível para brasileiros, a jornalista pretende produzir um documentário sobre a saga da urna amarela. Mas, se pudesse fazer qualquer coisa agora, subiria a Avenida Angélica, viraria na Paulista e caminharia até o prédio da antiga TV Gazeta.
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