Restaurante número 1 do mundo reabre com menu que segue os ciclos da lua
O chef Mauro Colagreco passou a quarentena com a cabeça na lua. O argentino à frente do Mirazur, o restaurante número 1 do mundo (segundo o ranking dos 50 Best, a premiação mais importante da alta gastronomia), diz que aproveitou os longos dias de reclusão para refletir sobre a sua função como cozinheiro e questionar o propósito de seu premiado restaurante, localizado na idílica Côte D'azur francesa.
Desde que fechou as portas, em 14 de março, Colagreco diz que buscou refúgio nos jardins que mantêm na sua propriedade em Menton e que abastecem 70% do restaurante com mais de 500 espécies distintas de vegetais, entre ervas e legumes, todos cultivados de forma biodinâmica.
"Nós fechamos, mas a natureza não parou de produzir", conta ele ao Nossa.
Houve um dia que ele sentiu uma angústia muito grande, uma incerteza sobre as razões pelas quais deveriam reabrir. "Ali, tão imerso nas funções de cuidar do cultivo com a minha equipe, tive uma luz que deveríamos ressaltar ainda mais como se expressa a natureza no prato", conta.
Menu de fases
Veio, então, a ideia de repensar completamente o cardápio, agora baseado no ciclo lunar e seu efeito nas plantas — algo preconizado pelo cultivo biodinâmico, cuja proposta é o retorno das técnicas ancestrais de agricultura, seguindo os ritmos da natureza, as estações do ano e, claro, as mudanças cíclicas da lua.
Isso significa que, desde o dia 12 de junho, quando recebeu os primeiros visitantes em três meses, o restaurante, que tem três estrelas no Guia Michelin, trabalha com quatro abordagens de seu Menu Lunar nos onze serviços que passou a fazer por semana: Raiz, Folha, Flor e Fruta.
Sempre alinhadas com o ciclo da lua em cada dia, todos os pratos são pensados de acordo com cada um deles. No menu Flor, por exemplo, o Mirazur serve pratos como uma rosácea de camarões em pétalas ou um sorbet de capuchinha.
Nos menus que coincidem com os ciclos lunares Raiz, os pratos podem ser baseados em tubérculos, como a cenoura, ou até em ingredientes como o alho e a cebola, que nascem sob a terra.
Para os pratos do menu Folha, foram criadas receitas como um millefeuille (mil-folhas) de ervas e hortaliças crocantes enquanto o menu fruta pode levar pratos totalmente criados com tomates, por exemplo.
Ingredientes no auge
De acordo com os preceitos do biodinamismo, algumas plantas se desenvolvem melhor que outras de acordo com os ciclos da natureza e a influência da lua, por isso "os alimentos estão no seu esplendor se levarmos em conta cada um deles", explica o chef.
Utilizando produtos selecionados do jardim, novos pratos são criados diariamente. Mas não é só apenas os menus que seguem as mudanças da natureza: a decoração do restaurante, as fragrâncias usadas nos ambientes (até no banheiro) e — em breve — os uniformes da equipe também levam em conta cada um desses ciclos.
Para Colagreco, o Menu Lunar cria uma experiência totalmente nova para os comensais, finalmente conectando profundamente a natureza à cozinha e, finalmente, ao prato.
"Embora as pessoas usem produtos biodinâmicos por seu sabor excepcional há muitos anos, ainda não assimilamos a filosofia biodinâmica quando comemos", ele ressalta.
Com as mudanças constantes, os cardápios capturam perfeitamente um momento perfeito no tempo, aproveitando exatamente o que a natureza tem a oferecer e quando ela oferece.
"Não há dúvida de que comer um alimento recém-colhido tem outro sabor. Nessa nova configuração, queremos acentuar ainda mais a vida, e energia de cada um dos ingredientes".
Foco no cultivo
O chef conta também que segue trabalhando com seus fornecedores de décadas, como pescadores e outros profissionais, muitos deles já adaptados às novas exigências do menu do Mirazur. "São parceiros de anos e quero continuar trabalhando com eles, não os podemos abandonar nesse momento", diz.
Quando o restaurante fechou, uma saída encontrada por Colagreco e sua esposa, a brasileira Julia, que é sua sócia no negócio, decidiram montar cestas com os alimentos que estavam cultivando, mas que não poderiam ser usados no restaurante.
"Decidimos anunciar e vender a alguns vizinhos e a pessoas da cidade", conta ele. A resposta foi tão positiva que veio então a ideia de torná-los um negócio para o período de pandemia — e que deve prosseguir, em menos quantidade, mesmo agora com a abertura.
Hoje com três hectares de produção, os jardins se tornaram um grande foco do trabalho, com uma equipe de mais de meia dúzia de pessoas dedicadas só a eles. "Nosso cultivo começou como um braço do Mirazur. Hoje, entendemos que o Mirazur é o resultado do trabalho do que fazemos nas nossas hortas, e precisa ser cada vez mais um reflexo do que desenvolvemos ali".
Conexão mais concreta
Diante de uma área de cultivo localizada em frente ao mar e com um rico terroir para a produção de diferentes espécies de alimentos, de frutas cítricas a ervas, de abobrinhas a morangos silvestres, o chef percebeu que tinha um novo desafio de ressaltar a natureza nas suas criações, usando produtos de alta qualidade, recém-colhidos, mais frescos e saudáveis.
"As pessoas buscam agora uma experiência ainda mais significativa quando vão a um restaurante e o contato maior com a natureza é uma das mudanças positivas que adquirimos nesses tempos de isolamento", ele acredita.
Por isso, ele diz que foi imprescindível trazer mais a vivência dos jardins e das hortas ao prato. "Nos dias que eu passei cuidando das plantas, vendo como as frutas amadurecem, pensava que, por mais que sempre tenhamos usado esses ingredientes nas nossas criações, faltava uma conexão mais concreta", lembra.
A ideia de seguir os ciclos dos astros e da natureza foi a forma que ele encontrou de poder fazer isso também no que serve aos clientes.
Essa pandemia mudou minha forma de ver as coisas, hoje sei que precisamos investir ainda mais no cultivo, aumentar a produção, estar mais perto da terra", acredita. "Era o que faltava para fecharmos o ciclo".
A nova forma de trabalho mudou até mesmo a dedicação da equipe, segundo o chef, que está mais motivada, como se o restaurante tivesse aberto as portas pela primeira vez.
Colagreco conta que quando levou a ideia à Júlia e, depois à equipe, todos adoraram, mas acharam que poderia ser muito inspiracional para colocar tudo na prática.
Com os testes, perceberam que fazia muito mais sentido trabalhar assim, seguindo a natureza dos ingredientes. "Acho que eles pensaram que eu tinha me transformado em um lunático", ri. E eles não estavam totalmente errados.
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