Família síria se reinventa no Brasil com receitas árabes e solidariedade
Em apenas 15 dias, Talal Al-Tinawi, 47 anos, fugiu às pressas da Síria com a esposa Ghazal Baranbo, 37 anos, e os filhos Riad e Yara, 17 e 14 anos. Entre 2012 e 2013, ele havia sido preso após ser confundido com um homônimo opositor de Bashar Al-Assad, ditador no país há 20 anos. Ao sair da cadeia, não teve dúvidas: para sobreviver era preciso partir. E o destino escolhido foi o Brasil.
Em Damasco, a capital síria, a família deixou um escritório de engenharia, um apartamento, uma loja de roupa, um carro, os amigos e parentes. Ao chegar em São Paulo em fevereiro de 2013, trouxe, além da cultura e da língua, as receitas árabes da família.
Viajante apaixonado, Talal conhece os Estados Unidos, Espanha, França, República Tcheca e Turquia, mas não esperava organizar apenas a ida para um país que mal conhecia. "Eu não sabia nada sobre o Brasil. Só tinha escutado um pouco sobre o Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, café e futebol", resume.
Comida como sustento
Em sua terra natal, as sextas-feiras eram regadas a churrascos em família num parque e a gastronomia era um passatempo. No Brasil, porém, se transformou em negócio.
Após trabalhar vendendo roupas em uma feirinha e em um escritório de engenharia mecânica, Talal decidiu começar a vender comida árabe incentivado por amigos brasileiros.
Em 2015, ele criou uma página no Facebook para receber pedidos e logo conquistou uma clientela fiel. Com o apoio de amigos, lançou uma campanha de arrecadação online para abrir um restaurante em São Paulo e ultrapassou a meta estipulada. Finalmente, em 2016, abriu seu estabelecimento no bairro do Brooklin.
As refeições servidas entre toalhas bordadas com desenhos típicos da Síria e porta-guardanapos de madeira trabalhada tiveram trajetória de apenas dois anos e, em 2018, fecharam. "Abrir um negócio não é fácil", lamenta Talal.
Novo capítulo -- com gostinho de Brasil
Talal e Ghazal continuaram a servir os clientes, mas dessa vez na sua própria casa durante os finais de semana.
Para se adaptar, o casal modificou algumas receitas ao gosto do brasileiro. "A esfiha é mais fina na Síria. No Brasil é mais grossa", revelam. E emendam: "Fazemos até esfihas com requeijão porque alguns clientes preferem".
As receitas de Talal e Ghazal têm lá seus segredos. O modo de preparo e a quantidade de temperos, por exemplo, seguem os ensinamentos da mãe e da sogra. "São algumas coisinhas simples que mudam aqui e ali", revela.
Além disso, os pratos feitos no Brasil não são preparados no dia a dia na Síria. "Os pratos que eu faço aqui como as esfihas, quibes e charutos são preparados somente em eventos especiais no meu país, quando convidamos uma pessoa especial para jantar em casa", conta. E revela: "Para fazer o quibe você precisa trabalhar por três dias. Não é fácil".
Solidariedade na pandemia
Por conta da crise do coronavírus, os jantares e almoços foram suspensos e os pedidos são feitos somente sob encomenda.
Além de servir pratos típicos, o casal também dá cursos de comida árabe e já ensinaram a preparar quitutes sírios em diversas cidades do Brasil, como Rio de Janeiro, Curitiba e Urussanga (Santa Catarina). Hoje, as aulas são online, sobre modo de preparo de charuto, esfiha, falafel e humus e já ensinaram virtualmente 25 funcionários de uma empresa a fazer pasta de alho e quibe assado.
Há sete anos no Brasil e com uma filha brasileira — a pequena Sara, de 5 anos —, o casal retribuir a receptividade neste momento crítico e doaram 300 marmitas para idosos assim que a pandemia começou. Cada prato contém arroz sírio com carne ou frango, charuto e bolo de semolina.
Depois da primeira remessa, mais de 1.500 marmitas foram feitas. Dessa vez foram doações de indivíduos e organizações, entregues para pessoas em situação de rua e refugiados de comunidades africanas. Cada prato custa R$ 20 e pode ser pedido na página do Facebook Talal Culinária Síria. "Eu quero ajudar os brasileiros porque eles fizeram muitas coisas boas para a minha família."
Refúgio também está na cozinha
Talal e a sua família são um dos 6,7 milhões de refugiados sírios que fugiram para outros países, segundo dados das Nações Unidas. Desde que a guerra civil da Síria começou em 2011, já foram mais de 500 mil mortes, estima o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
E, assim como está família, muitos outros refugiados têm a comida como sustento, como explica Marcelo Haydu, diretor executivo da Instituto Adus de Reintegração do Refugiado.
"É muito comum que refugiados que nunca trabalharam com gastronomia comecem um novo ofício no Brasil. São outras qualidades e qualificações que vão além de sua área de formação. Muita gente encontra na cozinha uma forma de ganhar dinheiro sem perder o vínculo total com o seu país", afirma.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.